quarta-feira, 3 de julho de 2024

Rascunhos (II)

 



O ano de Adélia Prado

Em meio a tantos não-leitores e tanta gente fútil que só sabe falar mal da literatura brasileira, é um grande respiro ver que 2024 se tornou o ano da escritora e poeta Adélia Prado, vencedora dos prêmios Camões e Machado de Assis (concedido pela ABL).

Autora de O coração disparado (vencedor do prêmio Jabuti em 1978), Bagagem, O pelicano, Vida doida, entre outras obras, é considerada por muitos como a maior poeta do país em atividade e quem já a leu entende bem o porquê. Seu vocabulário é simples e a linguagem é coloquial; retrata o cotidiano sob um olhar feminino (sem, no entanto, ficar presa a conceitos como feminismo ou libertário) e volta e meia recorre ao erótico, mas sem soar vulgar, ofensivo. Leiam! Valerá cada segundo do seu tempo. 


2 x Cinema nacional antigo 

Superoutro, de Edgard Navarro (1989), mistura sátira e a degradação moral da sociedade brasileira durante o governo Sarney de um jeito que o cinema brasileiro, infelizmente, não faz mais hoje em dia. O que é uma pena! E o curta Assaltaram a gramática (1983), de Ana Maria Magalhães, é um delicioso delírio poético que nos traz Waly Salomão, Ana Cristina César, Chacal, Francisco Alvim e Paulo Leminski no apogeu de suas capacidades criativas - e tudo muito bem acompanhado pela canção título na voz de Lulu Santos. 

É possível ver ambos no youtube. 


R.I.P Ismail Kadaré e Robert Towne

Dois mestres, dois sublimes escritores. O primeiro não só colocou a Albânia no mapa do mundo como lutou contra a tirania e a opressão dentro do próprio país. O segundo é quase um gênero cinematográfico no quesito roteiro, por todas as obras primas que entregou (e, dentre tantas, vale a pena destacar Villa - o caudilho, Chinatown, Operação Yakuza, Greystoke: a lenda de Tarzan, Busca frenética...).

E a consequência cruel disso: a de que a cultura pop continua perdendo os seus melhores e sendo substituída por qualquer um (de preferência, viciados em status e cifras).


Ler Clarice deveria ser obrigatório 

Leio (de novo) Uma aprendizagem ou O Livro dos prazeres, de Clarice Lispector, numa sentada. O resultado: o espanto ainda maior do que o ocorrido na primeira leitura. Não é somente a indecisão e os dilemas de Lóri que estão em jogo, e sim o de toda uma geração, perdida, sufocada em meio a tantas cicatrizes e derrotas. E mesmo que Ulisses fosse um gênio da filosofia, um Nietzsche, um Schoppenhauer, conseguiria ajudá-la em sua integralidade. Porque ela precisa vivenciar tudo isso sozinha, está por sua conta (só assim aprenderá, concluirá sua jornada). E pensar que ele foi escrito em pleno regime militar, repleto de autoritarismos e dogmas sociais. 

Clarice não ter um Nobel de literatura é, definitivamente, um absurdo.


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