Enquanto os nerds detonam e os cinéfilos comentam a última palestra proferida pelo diretor Martin Scorsese em que, entre outras declarações, rotula de "nojento" e "repulsivo" a eterna obsessão da atual hollywood pelo lucro e as grandes bilheterias e premières, eu me pego pensando na minha própria relação com os chamados blockbusters e o futuro do cinema americano.
E não dá para ser hipócrita nessa hora: eu fui cria deles. Toda a minha geração foi. Disputávamos a tapa lugares nos cinemas lotados para assistir a produções como O exterminador do futuro, Indiana Jones, De volta para o futuro, Conan o bárbaro, Duro de matar (e eu já quis ser John McClane matando geral no Nakatomi Plaza), A hora do pesadelo, Sexta-feira 13, Desejo de matar, Clint Eastwood humilhando os vilões na franquia Dirty Harry, Tubarão, Gremilins e... ufa! um mundo de outras coisas extremamente divertidas.
Cabe aqui um rápido anexo: a fila astronômica para ver Batman, de Tim Burton, dava voltas no cinema de bairro perto de onde eu morava e de certa forma profetizou o sucesso avassalador de Titanic, arrasa-quarteirão de James Cameron, vencedor de 11 Oscars. Meus colegas e eu nos revezávamos na fila o dia inteiro porque só conseguimos lugar na sessão das 21 horas.
Contudo - e quando falamos de sétima arte há sempre um contudo, um porém, um todavia -, eles, os blockbusters, nunca foram a totalidade da história do cinema americano. E houve um período na minha formação como cinéfilo que eu entendi isso perfeitamente, seja assistindo os clássicos do faroeste dirigidos por Sam Peckinpah; à Amargo pesadelo, de John Boorman; Reds, de Warren Beaty; Apocalipse now, de Francis Ford Coppola ou outros filmes de nicho mais restrito, como os longas de Kenneth Anger e Eraserhead, de David Lynch.
Eu entendi naquele momento que o objetivo primeiro de determinados diretores não era gerar lucro imediato. E até aí tudo bem, problema algum. O inferno astral começou de fato quando hollywood se tornou uma selva capitalista barata.
Eu continuo indo aos cinemas (agora sinônimos de kinoplexs de última geração, com cadeiras reclináveis - que eu, particularmente, detesto - e bombonnières absurdamente caras) e converso volta e meia com a nova geração de espectadores, principalmente a formada pós-fenômeno Marvel e DC. E duas informações me entristecem em seus repetitivos discursos:
1) eles não conhecem nada além da bolha super-heroística, nem querem saber do que se trata o cinema ou quem é John Ford, Billy Wilder, Henry Hathaway, Alfred Hitchcock ou o próprio Scorsese, que nos últimos tempos virou um arquiinimigo deles; e 2) cinema bom, segundo eles, é cinema que faturou os tubos, que se pagou com folga e teve lucros milionários, pois somente assim poderá financiar continuações, spinoffs e prequels a perder de vista.
Em outras palavras: o cinema virou uma ideia que não se esgota, não permite novas concepções ou narrativas porque quase todo o público só quer saber dos mesmos personagens matando vilões com mínimas diferenças e replicando as mesmas piadas, frases de efeito e CGIs meia-boca. E isso, para quem ama realmente a sétima arte, é no fundo pobre demais.
O que Scorsese não disse em seu depoimento, mas eu digo agora é: não há a priori um futuro mais feliz para o cinema americano nos próximos anos, pois fabricamos uma geração de alienados, embrutecidos, viciados em modinhas e estereótipos, likes, compartilhamentos e seguidores vazios.
Os espectadores decidem sua experiência cinematográfica baseados em sites, no mínimo, de gosto duvidoso, como Rotten Tomatoes e Metacritic, onde pessoas que não entendem o bê-a-bá do cinema dão notas segundo suas avaliações prematuras e sem o menor conhecimento técnico que as embase. E ainda por cima tem quem chame isso de referência e/ou influência. Se o filme que você quer ver se sai mal na avaliação dessas plataformas, ele automaticamente não merece (segundo alguns) ser visto porque... eles assim o decidiram.
E quando paramos para pensar que no Brasil a figura do crítico de cinema é, na maioria das vezes, vista como "aquele indivíduo chato que passa a maior parte da vida falando mal de alguém ou de alguma coisa", a situação piora - e muito!
O que me resta dizer? Que fica minha torcida para que Scorsese continue batendo de frente com essa indústria cada dia mais gananciosa. Que seu próximo longa, Killers of the flower moon, a ser lançado em 2023, não se torne o seu último da carreira por conta disso. E principalmente: que outros sobreviventes da arte, como ele, continuem dando as caras. Nada contra a existência de artistas como Michael Bay, Taika Waititi e David Gordon Green, mas às vezes é importante e necessário sabermos que o cinema não é feito só de heróis x vilões, adrenalina a qualquer preço e gritinhos e vaias na sala escura. Não mesmo.
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