quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Nem toda dor do mundo destrói uma lenda


Marilyn Monroe foi (e ainda é, não importa quanto tempo tenha passado da sua morte) a maior sex symbol da história do audiovisual norte-americano. E isso mesmo depois de tantas gerações posteriores a ela encantando a sétima arte mundial lutando bravamente para difamá-la dia após dia. E tudo por quê? Porque a inveja é definitivamente o que move a humanidade desde priscas eras. E porque, lógico, ela não está mais entre nós para se defender de tantas acusações. Nem mesmo seu nome de batismo, Norma Jean, escapou de ser espezinhado pelos haters. 

Contudo, sua beleza e glamour ressoam até hoje na mente de homens alucinados pelo seu brilho bem como mulheres rancorosas por não possuírem o mesmo sex appeal que ela. Dito isto, é preciso avisar aos marinheiros de primeira viagem logo de cara: se vocês procuram um filme exaltação sobre Marilyn, esse aqui realmente não é para você. Blonde, filme de Andrew Dominik produzido pela Netflix, é não somente um desserviço à imagem da diva pop, como também um grande ensaio estúpido e elogioso à misoginia. 

Sempre reclamei da maneira como hollywood retrata Marilyn em cinebiografias, narrando-a na maioria das vezes em tom pejorativo e maniqueísta. No final das contas, o que sobrava de válido eram as atrizes bonitas que a encarnavam (Michelle Williams, Ashley Judd, etc). E no caso de Blonde esse meu desaprovamento ainda piora por não se tratar de uma biografia clássica e sim da adaptação do romance homônimo da escritora Joyce Carol Oates, que já é polêmico por si só.

Acompanhamos a jornada dolorosa de Marilyn - pois é disso que se trata esse longa: uma fonte inesgotável de dor e sofrimento - desde criança, com a doença da mãe e o abandono num orfanato. E uma informação importantíssima não pode passar desapercebida aqui: ela aguardou por toda a vida o momento de conhecer o seu pai - em vão. 

A menina cresce, se interessa pelo mundo artístico, estuda, mas seu primeiro acesso à indústria cinematográfica é descrito por um estupro, perpetrado por um tubarão dos estúdios da época (e não podemos passar a mão na cabeça dos covardes nesse sentido: aquela foi uma época repleta de ídolos, mas também de cafajestes e predadores sexuais de todo tipo).

Já no quesito relacionamentos amorosos o dilacerar é ainda pior. Tirando o dramaturgo Arthur Miller (Adrien Brody), Marilyn vê sua trajetória ser corrompida por homens que só fizeram lhe explorar, usar sexualmente ou agredir, como o jogador de beisebol Joe Dimaggio (Bobby Canavale). Isso sem contar, é claro, a maneira como o filme aborda o relacionamento que ela teve com o então Presidente da República, John Kennedy. Nojento, meus caros leitores, é uma palavra que nem de longe descreve o que eu vi. 

Só resta então aos fãs mais ardorosos e apaixonados da atriz aguardar os raríssimos momentos de luz em que ela é mostrada trabalhando em seus longas de maior sucesso: Os homens preferem as loiras, O pecado mora ao lado e Quanto mais quente, melhor. Mas mesmo esses também estão impregnados de fúria, sexismo e abusos os mais diversos. 

Ao fim da amarga "experiência" (embora Ana de Armas, que dá vida à Marilyn, seja um show à parte, digno de uma indicação ao Oscar) me peguei relembrando de um livro barra-pesada, Marilyn e JFK, escrito pelo autor François Forrestier, que li há coisa de uns cinco anos. E ele, o livro, comete o mesmo nível de desrespeito sem fim com a atriz e musa. 

Mais: fiquei perplexo ao ver nos créditos o nome do ator Brad Pitt entre os produtores desse descaso. Eu sei que ele e Dominik trabalharam no longa anterior do diretor, O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford, mas... Onde esse rapaz, que vem produzindo tantos projetos interessantes nos últimos anos, estava com a cabeça quando decidiu se envolver nisso aqui? Certamente entrará para a história como uma bola fora em sua carreira. 

Única certeza: a de que o diretor, que foi extremamente grosso na coletiva de imprensa do filme no Festival de Veneza, não é nem nunca foi fã de Marilyn e certamente a despreza como atriz, quiçá como mulher. Não consigo encontrar outra explicação para tamanha leviandade. 

Entretanto, fiquem sabendo tanto ele quantos os próximos a decidirem, no futuro, contar a história da loira fatal que deslumbrou hollywood, que nem toda dor do mundo é capaz de destruir o legado dessa lenda. Tanto que até hoje o sonho de grande parte das atrizes é conseguir chegar até onde ela chegou. Já a maldade e a insensatez de vocês...


Sem comentários:

Enviar um comentário