Rússia x Ucrânia, protestos femininos no Irã, furacão dizimando tudo nos EUA, fascismo brilhando como nunca na última eleição italiana... Quando você pensa que não tem como o mundo te perturbar mais, ele te desmente e nos mostra algo ainda mais fora do tom. E só quem não enxerga isso é quem gostar de viver para a própria alienação!
Veja, por exemplo, o desfile da coleção de verão 2023 da Balenciaga na Semana de moda em Paris, criado pelo designer Demna Gvasalia, ocorrido no último dia 2 de outubro e que eu assisti posteriormente num vídeo no you tube. Caos simplesmente não explica o que os meus olhos viram naquela passarela.
Num pavilhão de exposições transformado num cenário distópico pelo artista espanhol Santiago Sierra a sensação que os espectadores têm é a de meio que estar dentro da Alegoria da Caverna, apresentada ao mundo pelo filósofo Platão. Não, é sério. Muito sério. Mais: havia também um cheiro de decomposição no ar - segundo quem esteve lá - providencialmente criado pelo artista Sissel Tolaas. Próximo estágio: que venham os modelos!
O cantor (e polemizador) Kanye West abre a fila dos modelos que desfilam pisando na lama espalhada na pista e sujando completamente suas roupas, até então impecáveis. Muitas deles veem sua exuberância ser destruída em questão de segundos. Entretanto, também é possível apreciar alguns modelitos que você, reles mortal, jamais verá passeando pelas ruas. Faz parte.
A Balenciaga, que nos últimos tempos já havia assombrado o público na internet vendendo um par de tênis completamente destroçado a um preço extorsivo, aqui se supera e entrega seu desfile mais polêmico e provocador.
A trilha sonora que tem tons de Exterminador do futuro, de James Cameron, da terra arrasada na franquia Resident Evil e também de uma rave, dessas que você vê em qualquer praia famosa do mundo, repleta de epiléticos sociais e viciados em ecstasy contumazes, aumenta a um nível insuportável o clima de morbidez e niilismo bem como a sensação de desconforto, deixando-nos quase claustrofóbicos.
Nunca imaginei - mesmo! - que um dia comentaria um desfile de moda em meu blog. Sempre achei o universo criado por essas pessoas completamente distante da realidade e conheço pessoas que só o acompanham, vez por outra, para ver as modelos lindíssimas e famosas de cada geração (Gisele Bundchen, Naomi Campbell, Cindy Crawford, etc). Contudo, desta vez confesso: me surpreendi com a ousadia.
Fiquei tentando, a todo momento, fazer uma alusão entre o "andar na lama" e o mundo da moda e a única conclusão a que cheguei foi: seria a moda o último remanescente vivo desse mundo em autodestruição? É o que parece dizer Demna com o "espetáculo" oferecido. E na boa... Não parece estar tão errada, em parte. Vivemos uma crise de valores e de identidade gravíssimas e o respeito ao próximo vem sendo deixado de lado há tempos. Logo, como olhar para outra direção que não a do belo, fútil e glamouroso mundo das grifes? Foi o que nos sobrou nesta selva sem lei ou ordem.
Quem saiu da experiência (que continua disponível no site para quem quiser ver e emitir sua própria opinião) pensando: será este o pré-fim dos tempos?, honestamente, não estará - a meu ver - completamente enganado. Resta saber se a humanidade, este grupo de indivíduos que tanto vem decepcionando nas últimas décadas com cada vez mais frequência, vai enfim tomar vergonha na cara e reverter essa situação ou continuará permitindo tamanha atrocidade com nosso estilo de vida sob a velha desculpa do "não tem mais jeito mesmo, portanto remediado está".
Enquanto isso, aguardemos. Como sempre.
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