sábado, 22 de outubro de 2022

Erótico, confessional e sem rodeios


Eu me pergunto de forma concomitante se o mundo ainda sabe o que significa erotismo. E digo isso porque nas últimas décadas tudo parece tão escrachado, vulgar, à flor da pele e exibido que fica realmente difícil responder a essa pergunta. O debochado perdeu espaço em meio aos conservadores babacas e religiosos cretinos ao extremo. Da cinta-liga à frase de duplo sentido, nada passa longe do radar de quem vê escândalo em qualquer coisa. Sobra o quê então, no final das contas? Aqueles artistas que nunca deixarão de peitar o sistema e os falsos moralistas. Como, por exemplo, a cantora Madonna.

Recentemente andaram acusando-a de Queerbaiting. Pobres coitados! Sempre quiseram classificá-la dentro de um padrão, de uma norma, e nunca conseguiram. Agora, insatisfeitos, tentam silenciá-la. Em vão, é bom que se diga! E pior: se esqueceram do que ela fez com Erótica

O álbum mais polêmico da diva pop completou na última quinta-feira três décadas de existência e ainda consegue não só permanecer relevante como também manter os fãs na pista de dança, em êxtase. Acham pouco? Então ouçam-no novamente. E, se puder, novamente e novamente. Ficarão deslumbrados com a atualidade do disco.

Erótica foi lançado no mercado fonográfico acompanhando o então primeiro livro de Madonna, o extravagante e direto Sex. Repleto de fotos da dupla Steven Meisel e Fabien Baron, mostra a cantora incorporada na personagem sadomasoquista Dita Parlo e em cenários de fantasias sexuais ao lado de outras celebridades como a atriz Isabella Rossellini, os rappers Big Daddy Kane e Vanilla Ice, a modelo Naomi Campbell, o ator pornô gay Joey Stefano e tantos outros. 

E é claro que os moralistas de plantão odiaram. Tratava-se do final dos anos 1980, no auge da epidemia da AIDS e a cantora sempre foi defensora dos gays, para o desespero dos chamados "normais" nos EUA. Já o disco - que é o que realmente interessa neste artigo - ganha contornos de confessionário sentimental, de desabafo contra todos os amores que Madonna viveu anteriormente (e foram muitos). 

Suas tiradas ácidas acerca dos relacionamentos amorosos pontuam todo o álbum. Ela vai de "você sabe que eu te amo porque eu te odeio" (em Bye bye baby) à "estou esperando você e espero que não parta o meu coração" (em Waiting). Em determinado momento se assume bad girl e chama seu amado de ladrão de corações. Mas como resumo da ópera sabemos bem o que ela está dizendo: que é indomável e sabe ser de todos - e de ninguém - quando bem quer. E ainda assim não deixou de casar (e se divorciar) e ter uma filha.

Adoro a sonoridade do disco, a mescla entre instrumentos e ruídos, sirenes de carro, máquinas de escrever, castanholas, o piano elegantíssimo que abre Secret Garden... Erótica é tudo que promete e mais um pouco. 

Minhas favoritas? Além da faixa-título com seu clima e ritmo de boate lotada, impossível deixar de fora Deeper and deeper e Rain (que entra em qualquer top list meu da musa). Contudo, é impressionante o que ela fez com o cover de Fever - mudando completamente a intenção da música - e vale a pena dar uma segunda chance, caso você nunca tenha ouvido, à Why's it so hard. Característica primordial do trabalho: altamente dançante e pessoal ao extremo. Ou seja, a cara da cantora. 

Bastou que eu colocasse a foto do álbum e anunciasse os 30 anos do trabalho no meu perfil no twitter e rapidamente pipocaram fãs alucinados agradecendo a notícia, prova cabal do sucesso - e também da atualidade - do disco. Logo, só posso pedir aos desavisados e não conhecedores da obra que pelo amor de Deus corrijam essa lacuna em suas formações. 

Um tapa na cara do conservadorismo ou um libelo ao empoderamento feminino? É provável que Erótica seja ambos e com muito orgulho. Mas o mais importante: é o retrato vivo de uma artista que nunca se encolheu diante de nada ou de ninguém. E só por isso já vale a pena dar uma fuçada no Spotify, no Deezer, no Itunes ou qualquer outro streaming e ouví-lo de novo. E de novo e de novo, é claro! 


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