O que seria do cinema mundial sem suas mulheres extraordinárias e da impressão que elas deixaram viva nas telas? Essa é uma das muitas perguntas sobre a sétima arte e a paixão que ela nos provoca que eu jamais serei capaz de responder. Apenas admirar, estupefato, o que elas - as musas, divas, estrelas, etc - fazem comigo toda vez que aparecem na exuberância de seus sorrisos e corpos e figurinos impecáveis. Um colega meu, também doente por cinema, me disse uma vez: "o cinema acaba, mas minha paixão por Sophia Loren, Marilyn Monroe e Elizabeth Taylor jamais!". E ele está coberto de razão. Elas são figuras imortais, únicas, inigualáveis.
Hoje o cinema italiano e mundial perdeu uma dessas figuras insubstituíveis, eternas, daquelas pessoas que você pensa toda vez que a revê nas telas: "essa não podia morrer de jeito nenhum". Até que ela morre e ficamos inconsoláveis. Aos 90 anos, a atriz Maria Luisa Ceciarelli (ou simplesmente Monica Vitti) faleceu.
Mais: a noticía ainda vem acompanhada de uma outra que me deixou ainda mais estarrecido. A de que ela nas últimas duas décadas sofria do Mal de Alzheimer. Aquilo me destruiu. Como assim, aquela mulher gigantesca, que me deixou boquiaberto com sua beleza que beirava a indecência, teve de passar por isso? Nesse mesmo momento me vêm à mente o filme Amor, de Michael Haneke, e a interpretação magistral de Emmanuelle Riva, e eu imagino todo o sofrimento pelo qual ela, Monica, teve de passar. E isso é por demais triste.
Ela iniciou sua carreira artística ainda muito jovem em produções amadoras e depois cursou a Academia Nacional de Artes Dramáticas em Roma. A partir de então, veio a consagração e o reconhecimento de grandes diretores. Entre os cineastas de prestígio que tiveram a honra de dirigi-la nomes como Mario Monicelli, Franco Rossi, Roger Vadim, Tinto Brass, Ettore Scola e Vittorio di Sica, em obras que vão do drama à comédia.
Entretanto, ela ficou realmente conhecida do grande público na história do cinema mundial por sua parceria de longa data com o diretor Michelangelo Antonioni em clássicos da década de 1960 como A aventura (1960), A noite (1961), O eclipse (1962) e O deserto vermelho (1964), chegando a ficar rotulada por parte da crítica como "a musa do Antonioni". Mas ela tinha luz própria e soube se reinventar ao longo da carreira.
Acho praticamente impossível - como fã de quadrinhos e tirinhas de jornal desde moleque - não me lembrar de Monica por sua encarnação de Modesty Blaise, no longa homônimo de Joseph Losey de 1966, inspirado nas tirinhas de Jim Holdaway, Muitos antes de DC e Marvel duelarem por bilheterias milionárias e exaltarmos a beleza de atrizes como Gal Gadot, Amy Adams e Scarlett Johansson, a musa italiana já dava o seu recado em uma produção bem mais modesta baseada em comics. E pra quem nunca viu o longa até hoje, fica a dica: vocês não fazem a menor ideia do que estão perdendo!
Ao longo de quase quatro décadas atuando, Monica acabou meio que personificando a figura da mulher traída, vingativa ou até mesmo a vigarista, apta a dar o golpe em quem desse brecha. Exemplo máximo dessa fúria incontrolável e desse deboche extremamente bem articulado nas telas foi Assunta Patanè, sua personagem em A garota com a pistola, de Mario Monicelli (1968), no qual após ser enganada pelo amante, decide procurá-lo a qualquer custo, para matá-lo. E ainda digo mais, mesmo que me chamem de exagerado: ela foi, à sua maneira, uma Catherine Tramell (vivida por Sharon Stone em Instinto Selvagem) do cinema europeu. E com folga.
Por suas atuações, Monica ganhou sete troféus no Globo de Ouro Italiano, cinco prêmios de Melhor Atriz no David Di Donatello Awards e foi indicada ao BAFTA por A Aventura. Contudo, independente de seu reconhecimento junto à crítica e à Academia, acredito que seu maior legado para o cinema tenha sido a persona que ela construiu nas telas (muito mais do que suas interpretações dramáticas). Diferentemente de atrizes como Bette Davis, Maggie Smith e Shirley MacLaine, que criaram um estilo de interpretação, Monica era a imagem viva de como a Itália queria se mostrar para o mundo através da sétima arte.
Em outras palavras: ela era o rosto e o corpo que definiram o país cinematograficamente durante décadas. E pouquíssimas atrizes conseguiram atingir o mesmo patamar.
Seu último crédito no cinema, segundo o IMDb, data de 1992 num longa produzido para a televisão. Portanto, são três décadas sem notícias da musa. Quer dizer: os fãs autênticos sabiam que desde 2000 ela estava casada com o pianista e compositor Roberto Russo, com quem mantinha um relacionamento desde 1973, e vivia reclusa. Mas no quesito profissional, eu não sabia mais por onde ela andava há tempos, antes da triste notícia de hoje.
Uma pena. Temos perdido artistas notáveis e ímpares em demasia nos útimos tempos. Sidney Poitier se foi, Jean Paul Belmondo se foi, nosso mestre Paulo José se foi, o diretor Peter Bogdanovich - de A última sessão de cinema - se foi. Agora Monica. E com isso a sétima arte empobrece aos olhos de quem ama o verdadeiro cinema. Que os deuses da sétima arte, por favor, deem um tempo, porque nós não aguentamos mais tantas despedidas!
P.S: eu jamais iria poder ir embora sem dizer ao final "obrigado por tudo, Monica. Por cada segundo, por cada sorriso e pelo seu eterno sex appeal. E fica com Deus!"
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