quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Berço nada esplêndido


Quando o cantor e compositor Tom Jobim disse numa entrevista que o Brasil não era pra principiantes deve ter cutucado com vara curta a onça demagoga que habita em muitos cidadãos desse país. Mas, infelizmente, ele falou a mais pura verdade. E ainda digo o seguinte: a cada ano que passa eu tenho mais e mais a sensação de que o Brasil gosta de ser o país da zona, do desconforto, da falta de caráter, da piadinha sem graça, da hipocrisia, da misoginia e do feminicídio, da homofobia, do racismo descarado (e que não tem nada de velado). 

A velha máxima de "país do futuro" (mas que nunca tem presente à vista) nos acompanha há mais de cinco séculos e nos acostumamos com esse vício de boca insuportável. E quem fala disso pelas ruas ainda por cima é chamado de babaca, de antipatriota, pois é mais importante num país de cegos vendermos as facilidades da mentira, do hedonismo e da falsidade do que sermos apenas reais. 

Fiquei pensando em tudo isso, em toda essa dor acumulada, em todo esse desleixo, essa falta de vocação para ser algo melhor, em toda essa polarização (aquilo que o jornalista Zuenir Ventura um dia chamou de "cidade partida" num de seus livros mais famosos) enquanto lia Revolta e protesto na poesia brasileira: 142 poemas sobre o Brasil, organizado pelo crítico literário e ensaísta André Seffrin. E a resposta a que cheguei ao final da leitura de clássicos e contemporâneos da nossa poesia é: só fizemos foi piorar. 

Mais: fiquei pensando em alguns momentos no trecho de nosso hino nacional que diz "deitado eternamente em berço esplêndido" e no quanto nós não fazíamos daquele lugar, um lugar realmente esplêndido. Pelo contrário. Há quem não possua, agora, nesse momento que atravessamos, nem lugar para deitar. E isso, qualquer pessoa lúcida deste país vai concordar comigo, é triste. 

André é esperto e recorre a grandes baluartes da nossa literatura: Machado de Assis, Olavo Bilac, Castro Alves, Cruz e Sousa, Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Gonçalves Dias, Gregório de Matos, Tomás Antônio Gonzaga... Mas esperem! Eles apenas encabeçam uma lista que também possui autores da contemporaneidade. O organizador mostra diferentes Brasis, de séculos distintos, e nos mostra o quanto a injustiça, a intolerância e a desigualdade são temas que não envelhecem em nossas terras mesmo com o passar dos anos.

Os próprios títulos de alguns poemas já são, por si só, nítidos em mostrar esse país recalcado e desesperançado no qual vivemos: "Speculum Patriae" (de Alexei Bueno), Sonneto do decoro parlamentar" (de Glauco Mattoso), "Há sempre um poema que não se pode escrever" (de Flávio Moreira da Costa), "Soneto de um triste país", (de Ruy Espinheira Filho), "A recriação do homem" (de Fausto Wolff), "Ave Maria da eleição", (de Leandro Gomes de Barros), entre outras pérolas. 

Mas, além disso, Revolta e protesto fala de liberdades ainda possíveis, das agruras do neoliberalismo, de exílio, de usura, da calhordice, do enterro da justiça, do processo eleitoral movido pela fé tendenciosa, do poder público que não funciona, dos diplomas universitários comprados a peso de ouro, dos inválidos da pátria... E mais do que isso, meus caros leitores, só lendo. Mas vão preparados! Porque o clima que rege toda a obra é tenso (e não poderia ser diferente). 

Vocês devem estar pensando: "ele acabou de ler um tijolo de mais de 700 páginas". Que nada! Não chegam à 300! Mas é de uma profundidade tão atroz e ao mesmo tempo tão verdadeira, que acho meramente impossível a qualquer leitor que se preze não reverenciar sua maestria e talento. 

E também me recuso chegar à última página e não pensar: "como a nossa literatura é gigantesca e a grande maioria do povo não se dá conta disso porque acredita que leitura não passa de perda de tempo, e por isso prefere celulares e câmeras".  

Logo, se você procura permanecer alienado, dentro da bolha do suposto confortável, fique à vontade. Já se você cansou, não aguenta mais nada do que está aí e quer entender, mesmo que minimamente, as raízes do problema, fica a dica. Em tempos de livrarias fechando e impostos para livros. é de mais obras como esta que o país está precisando - urgentemente.


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