Como é que se começa um texto que se promete interminável desde a primeira palavra? Não sei dizer, mas vou escrever assim mesmo!
Não se sabe ao certo de onde vem tamanho sucesso (ou talvez saibam e eu, que já não assisto o formato há tempos, é que esteja por fora), mas as telenovelas são um fenômeno que veio e ficou. E por mais que muitos possam dizer - e têm até esse direito - que elas não são mais as mesmas, que se entregaram a uma temática pasteurizada, babaca, que entupiram tudo com a moral trending topics do século XXI, ainda assim o público quer saber do que se trata, comparece, acompanha, às vezes se veste igual, aprende as gírias e jargões, tem até quem já fumou e bebeu no passado por causa delas.
De concreto mesmo: as telenovelas, que deram as caras por aqui em 21 de dezembro de 1951, completam sete décadas de existência e ainda fascinam um grande público.
Mas não pensem vocês, leitores, que elas foram somente sorrisos e abraços. Não, meus caros! As novelas também já incomodaram e muito. Que o diga o primeiro beijo, na novela Sua vida me pertence, na TV Tupi, em fevereiro de 1952, dado pelo casal Walter Foster e Vida Alves. A polêmica já começou dentro da própria emissora, quando o fotógrafo dos Diários Associados, Chico Vizzoni, se recusou a registrar o momento por considerá-lo um escândalo. Imaginem, então, na sociedade puritana daquela época...
O primeiro beijo é no fundo apenas o primeiro episódio apaixonado de uma saga que passou por muitas intempéries. Da transmissão ao vivo ao videotape, os vilões consagrados, os casais que entraram para a história (Tarcísio Meira e Glória Menezes certamente lideram essa categoria com folga), as musas que não saem da cabeça dos espectadores (Regina Duarte, a namoradinha do Brasil; Nívea Maria; Sônia Braga, Lídia Brondi - que eu me pergunto sempre por onde anda -, Betty Faria, Maitê Proença, etc etc etc e haja etc), até mesmo os triângulos amorosos e as histórias que fugiram do padrão convencional.
Sim, porque como esquecer de Saramandaia e sua ode à excentricidade com personagens que voavam e Dona redonda que explodiu? E a Sucupira de Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), criada por Dias Gomes em O bem-amado? E a novela A viagem, de Ivani Ribeiro, que fez com que nos perguntássemos sobre a vida após a morte? E o Vlad (Ney Latorraca), protagonista de Vamp, que trouxe os vampiros ao folhetim televisivo? E a Avilã, cidade história de Que rei sou eu? Eu poderia ficar aqui o resto da semana, do mês, e não conseguiria terminar este parágrafo, tamanho o número de universos criados pela televisão.
Eu disse lá no primeiro parágrafo que há tempos não vejo novela e mesmo na época em que assistia ela não era o meu carro-chefe da tv. Eu gostava mesmo era de programas como Armação Ilimitada, TV Pirata, Tamanho família (sitcom famosa da Rede Manchete no final dos anos 1980), Programa Livre com Serginho Groissman no SBT e, lógico, as sessões de cinema na madrugada. Mas se houve uma figura que chamou minha atenção nesse universo e me fez sentar no sofá para acompanhar a trama foi o vilão ou bad boy (ou, às vezes, bad girl).
Casos mais óbvios disso: 1) Nazaré Tedesco (Renata Sorrah) em Senhora do destino, que sequestrou uma criança e criou como sua filha até que a verdade viesse à tona e a mãe biológica descobrisse o seu paradeiro; 2) Donato Menezes (Miguel Falabella) em As noivas de copacabana, o psicopata obcecado com as mulheres que estavam às vésperas do altar; 3) Zé das medalhas (Armando Bogus) em Roque Santeiro, protótipo vivo do homem deslumbrado com a riqueza; 4) Adalberto (Cecil Thiré) em A próxima vítima, ou o assassino do horóscopo chinês, que matou todas as testemunhas de um crime ocorrido num iate na noite de reveillon; 5) Leila (Cássia Kiss) em Vale tudo, que entrou para a história da teledramaturgia nacional como a assassina de Odete Roitman (Beatriz Segall). Vai ter gente dizendo que eu esqueci da Carminha (Adriana Esteves) em Avenida Brasil, mas nessa época eu já estava em outra vibe, sinto muito!
E lógico que os mocinhos foram amados com a mesma intensidade: João Coragem (Tarcísio Meira) de Os irmãos Coragem, fenômeno televisivo eterno; o motorista Carlão (Francisco Cuoco) em Pecado Capital, cuja mala que encontrou em seu carro mudou completamente sua vida; Sassá Mutema (Lima Barreto) em O salvador da pátria; Maria do carmo (Regina Duarte) em Rainha da sucata, que saiu do lixo para o luxo; Sinhozinho Malta (Lima Duarte) em Roque Santeiro; até os mais controversos Comendador José Alfredo (Alexandre Nero) em Império e Giovanni Improta (José Wilker) em Senhora do destino.
Outro aspecto a ser destacado nas novelas ao longo das décadas foram assuntos de relevância nacional, como barrigas de aluguel (que foi tema de uma novela das seis de Glória Perez), clonagem humana, reforma agrária (que tomou um grande arco dentro da novela O rei do gado, ao som de Admirável gado novo, de Zé Ramalho), mulheres que apanham dos maridos (em Mulheres apaixonadas), tráfico de mulheres (em Salve Jorge), crianças desaparecidas, envolvimento com drogas, prostituição no mundo da moda (em Verdades secretas), entre tantos outros.
E por falar em Verdades secretas, ela - em sua segunda temporada - apresenta o formato a um outro universo: o streaming. Ou seja, acabou a ideia do compromisso com o horário fechado, a grade específica, o "eu não posso perder a novela das 6, das 7, das 9, etc". Não. Você pode assistir quando quiser, a hora que for, quantas vezes for, pelo celular, tablet, notebook... O céu é o limite. E muitos produtores já se perguntam qual será o futuro disso para as próximas décadas que virão.
Não faço a menor ideia de como responder a pergunta entre aspas que encerra o parágrafo anterior. Só o que posso afirmar é que as novelas continuarão por aí, se reinventando, procurando novos caminhos que cheguem ao espectador. E permanecerão essa grande paixão nacional, não importa o quanto os seus detratores falem mal delas. Elas, mais do que mero entretenimento, viraram um compromisso social da população. E isso é praticamente impossível de ser desfeito.
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