O gênero policial mexe comigo. Mesmo. Desde que eu me entendo por cinéfilo reservo uma parte do meu tempo a desfrutar da nobre arte da criminologia e seus personagens sórdidos e maquiavélicos. E quando ainda por cima esse gênero vêm mesclado com o mais puro terror - e não me refiro ao terror como sinônimo de jumpscares ou criaturas sobrenaturais, e sim àquele capaz de nos fazer ficar paralisado, incomodado diante do medo - aí então eu me rendo de vez. E é preciso deixar claro para os leitores desta humilde crítica: poucos até hoje conseguiram me deixar desse jeito, pois é preciso talento (e muito) para tal.
Dito isto, é com enorme prazer que vejo o hoje clássico O silêncio dos inocentes, do diretor Jonathan Demme, chegar a três décadas de existência sem perder o seu glamour e mesmo sua elegância (sim, o longa é de uma elegância assustadora!).
O longa de Demme nos conta a história da jovem agente do FBI, Clarice Starling (Jodie Foster), que investiga o paradeiro do serial Killer Buffalo Bill, responsável pelo assassinato de inúmeras jovens. E para isso ela precisará recorrer à ajuda de um outro serial killer: o ardiloso, mas não menos estiloso, Hannibal Lecter (Anthony Hopkins, naquela que eu considero até hoje a melhor interpretação de um vilão na história de hollywood).
Embora tenham modus operandis completamente distintos - Hannibal é charmoso, meticuloso, aprecia cada momento que tem com suas vítimas, e não se nega a saboreá-las quando precisa (daí o apelido de "canibal"); já Buffalo é mais visceral, animalesco e está realmente interessado é na pele de suas vítimas, com a qual faz roupas um tanto quanto mórbidas - Clarice acredita piamente que somente o Doutor trancafiado na ala de segurança máxima poderá ajudá-la a encontrar o seu assassino. Em outras palavras: ela meio que recorre ao velho ditado "o inimigo do meu inimigo é o meu amigo" para resolver esse mistério.
Uma importante informação cabe aqui para os marinheiros de primeira viagem que nunca viram o filme: não deixem de perceber e levar em consideração a relação tensa entre Hannibal Lecter e o chefe de Clarice no FBI, o agente Jack Crawford (Scott Glenn). Trata-se de uma linha tênue importantíssima para nós, espectadores, entendermos o que Lecter fez no passado de tão assustador. Repito: não percam esta entrelinha vital.
Já quando o assunto são os bastidores do filme, isso por si só renderia um longa próprio. Antes de O silêncio dos inocentes, o diretor Michael Mann já havia introduzido o personagem Hannibal Lecter no seu longa de 1986 Caçador de assassinos, que é uma adaptação do romance Dragão Vermelho, livro anterior de Thomas Harris, criador do personagem, e trazia o ator Brian Cox na pele do psicopata. Contudo, o filme foi um fracasso retumbante de bilheteria e os estúdios acreditavam que seria perda de tempo voltar a esse universo.
Entre os atores de peso associados ao projeto, temos o ator Gene Hackman - que chegou a comprar os direitos de adaptação de O silêncio dos inocentes (e houve até a possibilidade de que ele dirigisse o projeto) -; Sean Connery, que recusou interpretar Hannibal e a belíssima Michelle Pfeiffer, que pediu uma cachê muito acima do teto da produção para incorporar Clarice. Entretanto, confesso aqui, acho que a desistência dos dois fez muito bem ao filme. Não acredito que a produção tivesse o mesmo impacto ou repercutido por tantas décadas com a dupla (que chegou a dividir tela em A casa da Rússia). Ambos me parecem, à primeira vista, escolhas melhores para outro tipo de cinema e não uma película criminal cheia de elementos assustadores.
O filme ganhou cinco oscars (filme, diretor, ator, atriz e roteiro adaptado) e juntou-se à Aconteceu naquela noite, de Frank Capra e Um estranho no ninho, de Milos Forman, como os únicos longa-metragens na história da premiação até hoje a faturar as cinco principais estatuetas. E olha que o filme de Demme chegou a ser considerado, à época, um azarão. Tanto que teve seu lançamento adiado para que a Orion Pictures, que produziu o longa, divulgasse seu carro-chefe: o também vencedor do Oscar Dança com Lobos, de Kevin Costner.
O custo de produção ficou abaixo dos 20 milhões de dólares (para uma arrecadação de quase 280 milhões ao redor do mundo). A participação de Hopkins em todo o longa não chega à meros 25 minutos (e, mesmo assim, ele está tão avassalador em sua criação que parece dominar toda a trama, tanto que acabou por definir a imagem moderna do psychokiller como a conhecemos até hoje). E segundo o seu criador, o escritor Thomas Harris, a história era meio que baseada no relacionamento do criminologista Robert Keppel e do serial killer Ted Bundy, que o ajudou na investigação dos crimes do assassino de Green River. Em suma: aquele tipo de projeto que você pensa na hora "tem tudo para dar errado, não importa o quanto eu deseje realizá-lo; ninguém vai querer ver isso. Simplesmente não vende". E então você quebra a cara, pois a sétima arte também é uma caixinha de surpresas.
E ao fim, o que ficou de legado para os fãs mais apaixonados, é: uma obra-prima do cinema criminal (mas que muitos, embora os mais incrédulos teimem em negar, veem como um filme de terror - e há razões para isso!), que entrega uma das interpretações mais extraordinárias da história do cinema (pergunte a qualquer nerd cinemaníaco quais os maiores vilões da história do cinema e a grande maioria dirá: Darth Vader, Hannibal Lecter e mais oito. Podem me cobrar!) numa época em que a década de 80 mal acabara e ainda nos fazia pensar em seus Freddies, Jasons e companhia ltda. Logo, foi uma retomada do próprio cinema americano.
E isso, em se tratando de um indústria como hollywood, nunca será pouca coisa...
P.S: lembro-me até hoje do final do longa quando Hannibal liga para Clarice do orelhão (ela está na cerimonia de formatura) e diz que está indo embora. Podem até me chamar de sádico, mas que eu torci para ele se dar bem no final, ah eu torci!
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