Se não tivesse me formado em comunicação social dez anos atrás, certamente teria escolhido como meu curso de graduação a área de psicologia e muito por conta do meu eterno fascínio por psicanálise. Sempre demonstrei um gigantesco interesse pela mente humana e o inconsciente, pois vejo no ser humano - na verdade, sempre vi - um animal confuso, deveras contraditório, que tem uma enorme dificuldade de se relacionar com sua própria espécie.
Contudo, mesmo depois de formado numa outra área, acabei fazendo da psicologia e da psicanálise um tipo de formação informal. Procuro por tudo o que verse sobre os temas em todos os lugares: filmes, livros, quadrinhos, peças teatrais, pinturas, etc. E uma figura que sempre me abriu as portas para este universo complexo, mas não menos intrigante, foi o pintor espanhol (e, para mim, eterno provocador) Salvador Dalí.
A história de vida de Dali já rende uma narrativa ímpar, cheia de revezes, conflitos e, é claro, genialidades absurdas. Como, por exemplo, a pequena obra-prima - e digo pequena, pois trata-se de um óleo sobre tela de apenas 24cm x 33cm, logo praticamente uma fotografia - A persistência da memória, realizado pelo artista em 1931.
A persistência da memória se encontra entre aquele grupo de obras-primas da pintura mundial que você sempre fica na dúvida se coloca na categoria de puro delírio ou estudo de caso. E ela é um pouco de ambos.
Olhamos para a paisagem desértica, o clima árido, a árvore seca, os relógios derretidos e o outro, repleto de formigas, e pensamos a priori (pelo menos, os iniciados em história da arte): estamos diante de um homem extremamente derrotista ou nonsense. Porém, ao analisarmos parte a parte nos deparamos, isso sim, com uma mente brilhante, recheada de boas ideias e referências.
Dalí quer nos apresentar uma ideia diversificada sobre o tempo. E por isso, busca na Teoria da relatividade, de Albert Einstein, respostas que o façam ver o tempo sob um outro prisma. E os relógios vem bem a calhar nesse sentido. Os derretidos fazem alusão a maleabilidade temporal, ou seja, a capacidade que temos de dar ao tempo a dinâmica que desejarmos. Ele pode passar de forma rápida ou lenta, dependendo de nosso interesse ou motivação. Já o coberto por formigas refere-se à putrefação de suas próprias obras, que para ele tinham uma longevidade distinta da que pensavam os galeristas de seu tempo.
Já a árvore seca, que também carrega um relógio faz menção às origens do pintor por tratar-se de uma oliveira, árvore muito comum da região da Catalunha onde Dalí viveu por muitos antes. E o estágio de secura é uma maneira do artista desconstruir os ciclos da natureza, que envelhecem dando lugar à outros. Perto da árvore ainda encontramos uma figura disforme que, muitos especialistas atestam, poderia ser um autorretrato de Dali (ou ele, mais uma vez, brincando com sua própria existência que, um dia, também deixará de existir).
No final das contas, o que os observadores precisam levar em consideração é que todas essas imagens levam à questionamentos metalinguísticos, pois tudo o que Dalí faz, na verdade, é tirar essas figuras do cotidiano (a árvore, os relógios, o deserto, etc) de suas zonas de conforto e introduzi-las em outras áreas de discussão. E é nesse exato momento que entra em questão a psicanálise.
Através de seu método "paranoico-crítico", ele cria situações que exploram o inconsciente, a fantasia e coloca seus objetos em situações incomuns, insólitas, dando a elas novos significados e contextos. Só citando um exemplo rápido: há quem diga que a inspiração para que ele criasse os relógios derretidos veio da textura do queijo Camembert que ele comia naquela noite, ao lado de sua esposa. Dalí era isso: um artista que desconstruía a todo momento o que seus olhos viam. E por isso tornou-se um ícone não só das artes plásticas, como também do mundo da moda e do design.
Com A persistência da memória ele fez com que sua obra atravessasse a Europa e tornou-se um artista internacional consagrado. Para quem quiser conhecer de perto o pequeno grande quadro ele se encontra exposto no Museu de arte moderna de Nova York, o MoMA desde 1934. E é uma das grandes estrelas do catálogo.
P.S: recomendo aos leitores deste artigo não somente procurar mais sobre a obra de Dalí, que é inebriante em todos os sentidos, como também a respeito do movimento surrealista, fundado por André Breton. Tratava-se não somente de uma arte simbólica como uma grande ode à liberdade de criação (algo que o mundo anda precisando - e muito! - atualmente).
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