quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

O rei da munganga


Tem dias em que a tristeza bate fundo porque uma pessoa querida, que fez parte da nossa infância e da nossa formação cultural, vai embora. E parte de maneira dolorida. E você fica em casa pensando: "tanta gente escrota no país e justo ele teve que ir embora!". Pois é... É exatamente assim que eu estou me sentindo nesta quinta-feira ao acordar e ver na tv a notícia de que o cantor e compositor Genival Lacerda faleceu, aos 89 anos, vítima do Coronavírus.

Eu lembro exatamente do dia em que vi Genival na televisão pela primeira vez. Era o Clube do Bolinha, na Rede Bandeirantes, e assistíamos na casa da minha avó. Na verdade, era um acontecimento assistir esses programas de auditório na casa da minha avó. Todos os netos se reuniam em frente a tv e sempre tinha um lanche para acompanhar a farra, que adentrava a tarde.  

Genival chegou com seu jeito despojado, seu chapeuzinho, sua camisa florida (gosto que não perdeu com o passar dos anos), mexia com uma bailarina específica que estava sempre irritada, dançando, chamava a galera para cantar junto, dançava com a própria barriga. Era o verdadeiro munganga (expressão referente aos trejeitos, caretas e macaquices que fazia no palco como poucos na MPB). 

Na hora pensei comigo mesmo: "está aí um cara que sabe viver a vida!". Passei a acompanhar sua carreira de perto. Quando não estava no Bolinha, dava as caras no Cassino do Chacrinha ou no programa do Raul Gil, sempre com um enorme sucesso.

E desde já proponho um desafio aos leitores deste humilde artigo: quem aqui pode admitir que nunca ouviu suas músicas? Quem se atreveria? Canções como "Severina Xique Xique", "Radinho de pilha", "Mate o véio" e "De quem é esse jegue" certamente fizeram parte do imaginário popular não somente nordestino (Genival é de Campina Grande, na Paraíba) como do Brasil como um todo. 

Quando penso num artista popular que agradou a gregos e troianos, foi do Oiapoque ao Chuí, penso imediatamente em Genival Lacerda e suas momices. Ele era a cara do forró, da MPB eclética e bem humorada e de um tempo que, dia a dia, parece ficar cada dia mais distante do país por conta dessa nova mania do povo brasileiro em desmentir ou esconder tudo. 

Em 2008 a documentarista Carolina Paiva realizou o longa O rei da munganga (que dá título a este texto) e mostrou de perto a vida íntima, as amizades e a rotina de trabalho de Genival. Lembro de ter assistido o filme na TV Brasil às gargalhadas. Era uma figura ímpar que vai deixar muitas saudades!

Hoje, ao ver amigos do cantor de longa data, como Elba Ramalho, Alceu Valença, Fagner, dentre tantos outros, se despedindo do velho mestre, alguns às lágrimas, confesso que também chorei. 

Genival fez parte da minha infância. Com ele, aprendi que não é preciso ser sofisticado, cheio de rapapés acadêmicos, vestindo ternos e gravatas caríssimos, para entender o outro. Ele fez tudo isso com tão pouco e ao mesmo tempo parecia que ele tinha feito tanto. E, honestamente, ele fez sim. Muito. São pessoas como ele que precisam servir de exemplo e legado à esse país estilhaçado no qual estamos vivendo atualmente, que só quer saber de idolatrar as fake news e um passado fictício. 

Genival, meu caro, não lhe conheci pessoalmente (e desde já me arrependo disso), mas tenha a certeza de que falarei sobre você e ouvirei suas músicas pelo resto da minha vida. Você era o cara! 

Fica com Deus! E todo meu respeito e sentimentos aos seus familiares.  


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