Tem dias que eu ligo o computador e fico esperando a notícia ruim vir, de sola. E em se tratando de 2020, repleto de notícias ruins e fake news, o dia hoje se superou. Mesmo. E o futebol, independente de você ser fã do jogador ou não, perdeu um de seus maiores legados. "Mas não tem jeito", dizia minha avó, "a vida quando quer, ela leva e pronto".
Pois bem: a vida levou Diego Armando Maradona, aos 60 anos, após sofrer uma parada cardíaca em casa. Ele recentemente havia feito uma cirurgia delicada no cérebro e seu caso, é bem verdade, inspirava cuidados. No final das contas, não aguentou. O criador o chamou.
Era difícil amar completamente Maradona, pois ele era um indivíduo complexo, à margem do sistema, rebelde por natureza. Entretanto, também era difícil detestá-lo completamente. Ele foi a tônica do que o esporte representou ao longo de sua história. Se houve alguém que fez do futebol um arte debochada e polêmica, foi ele! E vê-lo jogar era um caso à parte, mesmo que você torcesse contra. E eu torci.
Quando seu passe melindroso para Caniggia vencer Taffarel tirou o Brasil, nas oitavas-de-final, da Copa do Mundo de 1990, houve um lado meu que não conseguiu detestá-lo, mesmo em meio às lágrimas que rolavam. Eu já havia torcido contra a Argentina no jogo de abertura da competição contra Camarões (jogo esse em que François Omam-Biyik fez a alegria de milhões de brasileiros com um gol revolucionário na história das copas), mas sabia que ela se classificaria, pois tinha Dieguito em seu escrete. E que ela tentaria o bi a qualquer custo. O bi não veio, mas foi por pouco. E nós rodamos pelo meio do caminho na mão deles.
Quatro anos antes, aliás, Maradona fez a festa no México e até hoje muitos por aqui dizem: "ele ganhou a copa sozinho". Acreditem: eu entendo quem pensa assim. O cara era foda. Dentro das quatro linhas poucos atingiram o seu nível.
Seja no Boca Juniors, no Nápoles ou na seleção, Maradona exibiu seu estilo irreverente e suas provocações (que também fizeram história, dentro e fora de campo). Seu caso de amor e farpas com Pelé se tornou notório e alimentou a rivalidade eterna entre torcedores. E, honestamente, babaca de quem cogita a possibilidade de escolher quem foi melhor entre os dois. É caso perdido. Eram épocas diferentes e estilos diferentes.
Mais vale a pena lembrar da Mano de Dios, o gol de mão que ele fez contra a Inglaterra em 1986 que parou o mundo. Tem quem chame o árbitro de maluco até hoje por não ter visto a ilegalidade, mas enfim... Incorporou à mística do futebol e suas distorções temporais.
Ano passado enfim consegui assistir ao documentário Maradona by Kusturica, e me deparei com o fanatismo em seu apogeu do torcedor argentino. Maradona é, de fato, o Pelé portenho para nuestros hermanos. Há, inclusive, uma cena de fanatismo religioso numa igreja criada para exaltar o jogador. Chegam a mudar a oração da Ave Maria para incluir seu nome nela. Enfim: o futebol como rito de fé cega e apaixonada.
Se não tivemos mais de Maradona foi porque seus exageros e os abusos envolvendo drogas não permitiram. Passarei o resto da minha vida perguntando o que ele (ainda) poderia ter feito nos campos não fosse a cocaína. Em 1994, quando o Brasil sagrou-se tetra, foi pego por uso de Efedrina e cortado e eu, confesso, fiquei na dúvida sobre a legitimidade do dopping. Acabou pagando um preço alto por seu histórico infeliz. Porém, isso não foi suficiente para macular sua história dentro de campo.
Continuo - e continuarei eternamente - vendo-o como um gênio inconsequente, imaturo, desbocado, mas de profunda técnica e sabedoria. É... Está cada vez mais difícil, para mim, continuar assistindo futebol. Acabo por preferir os vídeos clássicos do you tube.
Fica com Deus, Dieguito!
P.S: eu queria ser uma mosquinha agora e pousar na Bombonnera, campo do Boca Juniors, para ver o semblante dos torcedores...
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