domingo, 12 de abril de 2020

Catarse alucinógena


Gosto de Hunther S.Thompson. Mesmo. Lembro-me da primeira vez que eu li um livro de sua autoria, comprado num sebo no Largo do Machado. O nome da obra em questão era Screw Jack e me deparei com um dos relatos literários mais alucinados que eu tinha lido até então. O tempo passou e eu corri atrás de outros exemplares de sua bibliografia. E acreditem: aqui no Rio de Janeiro, assim como o poeta americano Charles Bukowski, Thompson não é um autor fácil de ser encontrado. Mas achei outros. A duras penas, mas achei. Dentre eles, o mítico Medo e delírio em Las Vegas

No ano seguinte à minha leitura do livro - era uma versão pocket da LPM - fico sabendo da existência da adaptação cinematográfica realizada pelo diretor Terry Gilliam (de quem sou fá há anos, desde os tempos do Monty Python!). E começa então uma nova corrida, desta vez para assistir o fatídico filme. E o tempo passou, passou, passou, e o filme entrou para minha lista sempre cheia de "filmes a serem assistidos um dia". 

Passaram-se quase 12 anos e eis que, finalmente, e graças à quarentena do coronavírus, eu encontro o filme no catalógo do Now disponibilizado gratuitamente entre um montante de longas-metragens os mais diversos. E desde já adianto: valeu a pena esperar. 

Medo e delírio em Las Vegas traz Raoul Duke (Johnny Depp, num dos muitos alter-egos de Thompson) acompanhado de seu advogado, o Dr. Gonzo (Benicio del Toro), numa viagem rumo à terra dos cassinos e da perdição para cobrir uma corrida de motocross. Mas essa, meus caros leitores, é a última coisa que Raoul e seu amigo farão nessa terra onde "o que acontece por ali, fica por ali mesmo". 

O que Raoul e Gonzo apresentam para os espectadores - de preferência, os de mente mais aberta - é um dos retratos mais surreais que eu já vi até hoje da dependência química. E ambos são viciados no que quer que seja, da cocaína ao éter, passando por comprimidos e o que mais você puder imaginar. Eles enlouquecem literalmente, têm visões de todo tipo, volta e meia se dizem perseguidos por forças obscuras e por inimigos imaginários, na melhor faceta Gilliam de ser (afinal de contas, se trata de um mago das imagens - e quem quiser se inteirar mais pela carreira do diretor, procure por O mundo imaginário do Doutor Parnassus e 12 macacos). 

E dessa grande catarse alucinógena, repleta de reviravoltas as mais inverossímeis, vemos como pano de fundo a verdadeira América. Aquela que gosta de se vender para o resto do mundo através de seus heróis - Lincoln, Kennedy, etc - e seu discurso de vencedora, mas que adora varrer para o tapete suas desilusões, seus vícios e seu verdadeiro modo de vida. 

A dupla Depp/Del Toro funciona bem durante toda a jornada, e me peguei a todo momento perguntando o que foi que aconteceu com o ator de Edward mãos de tesoura e Piratas do Caribe nos últimos anos. Onde foi parar toda essa ousadia e coragem para interpretar personagens alucinados? Engraçado. E tem fãs que dizem que artistas não desaprendem a atuar. Às vezes, eu sinceramente tenho as minhas dúvidas. 

A mistura Thompson + Gilliam + Depp não só fundiu a minha cabeça de forma permanente, à procura de referências as mais loucas e diversas, como também me deixou com saudades dessa velha hollywood (o filme é de 1998, logo do século passado).

Estamos tão viciados em tecnologias de última geração, óculos 3D enfiados na cara o tempo todo, o vício exorbitante por franquias excessivas e remakes e spinoffs vazios, que perdemos completamente a noção do que significa ser original nos dias de hoje. E até quando o quesito em questão é adaptação, perdemos o gosto por boas histórias, cheias de nuances e tramas rebuscadas, e nos rendemos ao gratuito dos quadrinhos e ao vazio da cultura pop superficial. Uma pena! 

Em outras palavras: Medo e delírio em Las Vegas é cinema que vem desaparecendo com o tempo e ninguém dá a mínima, pois a alienação e a barbárie ditam as regras do mercado cinematográfico atual. Mas se você, como eu, cansou desse óbvio ululante, dessa zona de conforto incômoda e repetitiva, então, meu amigo e minha amiga, essa sétima arte aqui é pra você. E mais não digo.

Pois a decisão de descobri-la é sua, e somente sua...

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