sexta-feira, 24 de outubro de 2025

O artista que merecia seus dias de glória


Eu me pergunto: quantos artistas extraordinários - muitos deles infinitamente melhores do que grande parte da atual geração apresentada pelo mercado fonográfico - você já ouviu (e ouviu de novo e de novo) e a indústria da música não deu a mínima ou já sacaneou (financeiramente falando) até o extremo, simplesmente porque podia ser dar a esse luxo? Muitos, não? Foi pensando exatamente nisso que eu terminei de assistir ao documentário Procurando Sugar Man, do diretor Malik Bendjelloul, vencedor do Oscar da categoria em 2013, em êxtase completo a absoluto.

Procurando Sugar Man nos traz a inebriante e necessária história do cantor Stephen 'Sugar' Segerman (ou, mais popularmente: Sixto Rodriguez), que poderia - se o mundo das gravadoras não fosse tão preconceituoso e cínico - um segundo Bob Dylan. E acreditem: qualidade em suas composições ele tinha para tal.

Atrelado à uma lenda urbana que dizia ter ele se suicidado no palco, durante um show, na frente do público, o cineasta decide seguir os passos do cantor, montando a conta gotas um grande painel sobre sua vida e obra. Encontra pelo caminho inúmeros amigos, admiradores e conhecedores de seu trabalho. Descobre o grande fenômeno que ele se tornou na África do Sul em tempos de Apartheid, virando símbolo de uma era.

E quando acreditava ter feito um trabalho mais do que fenomenal ao reunir esses dados até então dispersos, o encontra vivo, num quase exílio, após constituir família.

Esqueçam as cinebiografias musicais tradicionais, a maioria delas mais interessada em bajular apenas os méritos dos artistas e desdenhando de seus momentos negros ao longo da carreira. Em Procurando Sugar Man, vemos um excelente modelo do homem que foi do céu ao inferno, e nem por isso foi esquecido pelo seu público. Muito pelo contrário: uma imensidão deles procura por seus álbuns, "Cold fact" e "Coming from reality" (ambos tornados cults) em lojas de raridades e, claro, na internet.

Em tempos de narrativas pasteurizadas e gente que se diz cineasta perdendo tempo com filme de boneco, de mochila, de jogo de tabuleiro, entre outras "façanhas incompreensíveis", é um alento (mais que isso: uma honra) me deparar com o longa de Malik Bendjelloul. E o melhor de tudo: na íntegra, no youtube - sim, sempre ele, salvando o dia dos verdadeiros cinéfilos.

Quem ainda não se permitiu assistir a essa pérola, conheçam! Se teve um artista que merecia - e muito! - seus dias de glória, era ele. Entra fácil na minha lista de "melhores coisas que eu vi esse ano"(mesmo que atrasado mais de uma década).

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Rever é a nova onda dos cinemas


O que A hora da estrela, Paris,Texas, Incêndios, Psicose, O bebê de Rosemary, The Rocky horror picture show, Se7en - os sete crimes capitais, Batman, Mulholland Drive: a cidade dos sonhos, Saneamento básico - o filme e A noviça rebelde têm em comum? Eles foram - ou serão, nos próximos meses - relançados nas salas de cinema. Um fenômeno que tem se tornado cada vez mais recorrente no mercado cinematográfico e que diz muito sobre o circuito exibidor e as atuais escolhas de estúdios e produtores.

Hollywood, a meca do cinema (quer dizer: até tempos atrás era isso e ponto. Já hoje em dia...). Passou por períodos memoráveis como a era do western; o fenômeno Star Wars, que evidenciou a importância e a fatia de mercado para os blockbusters; o período áureo fomentado por diretores como John Ford, Billy Wilder, John Huston, Sam Peckinpah, Sergio Leone...; e recentemente a ascensão dos chamados "filmes de super-herói" da Marvel e da DC.

Contudo, nos últimos anos, é inegável a crise de criatividade no cinema americano, aprisionado entre remakes, spinoffs, reboots, tributos e reinvenções as mais diversas. A palavra originalidade parece ter perdido meio que o seu sentido de umas duas décadas para cá. E o resultado dessa escolha é: produções caras que flopam; longas que prometem o mundo, mas não entregam o básico; personagens esgotados pelo próprio tempo (e pela mudança dos atores que os interpretam) gerando um loop interminável de mesmices e reformatações.

E diante de cenário tão dantesco, os exibidores veem no quesito nostalgia uma arma forte na hora de gerar bilheteria. Rever virou, sim, a nova onda dos cinemas, principalmente para aquele público cansado de franquias e narrativas óbvias que não fogem do senso comum e do festival de efeitos especiais que, em muitos aspectos, vêm estragando a grandeza por trás da experiência cinematográfica.

Um ponto importante a ser destacado: se você não pertence á algum tribo ou nicho nerd ou geek, ou não idolatra o chamado fandom, se torna um espectador ainda mais interessado nesses relançamentos, pois eles representam uma época da sétima arte em que eles se sentiam representados (diferentemente da relação deles com o cinema atual).

Eu mesmo, que fui ver a nova cópia 4K de Paris,Texas, obra inconteste do diretor Wim Wenders, saí da sessão em êxtase e também relembrando da ocasião em que vi o longa pela primeira vez. Um mar de memórias as mais loucas tomou conta de mim e me fez pensar no quanto o cinema americano vem perdendo no conceito de longevidade nos últimos anos. Os filmes, acreditem!, nunca foram tão imediatistas e voltados para o próprio umbigo de uma geração avessa ao debate quanto agora.

E isso, mais do que triste, é lamentável. Em todos os sentidos cinéfilos possíveis.

Que a nova onda continue mostrando sua força e, mais do que isso, avise aos produtores de plantão (mais interessados em box office rápido e astronômico do que realmente construir uma boa história) que ela veio para ficar, assim como a tão polêmica e temida inteligência artificial, cuja única certeza que promete ao mundo cinéfilo é que irá desempregar muita gente. Logo, torçamos juntos por dias melhores e que os ares nostálgicos apontem novos caminhos. O quanto antes.

sábado, 11 de outubro de 2025

Diane


Mal chego em casa e ligo o notebook, me deparo com a triste notícia da morte da atriz Diane Keaton, aos 79 anos. Mais uma para a lista de obituários e que, dificilmente, encontrará uma sucessora à altura nessa hollywood cada vez mais cheia de teens, invenções pop sem sentido e canastrões. Uma pena!

Num perfil do X (que eu continuo chamando de twitter, não importa quanto tempo passe) um cinéfilo tão apaixonado pela atriz quanto eu se refere à Diane como "o rosto da mulher moderna". E ele está coberto de razão. Sei que a maioria dos cinéfilos vai sempre se lembrar dela pela Annie Hall de Noivo neurótico, noiva nervosa, de Woody Allen ou então pela Kay Adams, esposa de Michael Corleone em O poderoso chefão, mas eu nunca consigo dissociá-la da Theresa Dunn de À procura de Mr. Goodbar, de Richard Brooks.

E por quê? Porque ali, Keaton não só interpretou uma mulher à frente do seu próprio tempo como nos entregou o modelo feminino no qual acredito e que via em minha mãe e minhas tias (na verdade, na forma como elas me criaram). Sem se rebaixar à ninguém, entendendo o seu espaço dentro da instituição familiar, mas mesmo assim buscando não trair a si mesma, à sua própria essência. Quem não conhece o longa, assistam. Vocês não sabem o que estão perdendo!

Ela também foi, à sua maneira, uma musa das comédias. Mas diferentemente de outras atrizes associadas ao gênero - como Julia Roberts e Meg Ryan - não se submetia unicamente ao final feliz ou ao casal romântico. Sabia debochar de si mesma quando necessário, bem como subverter todos os valores da sétima arte. E foi justamente isso que fez dela uma figura tão grandiosa e querida perante os colegas de cena.

Impossível vê-la, mesmo em seus papéis menores e menos impactantes, e não se sentir inebriado por sua presença cênica. Não conheci uma pessoa dentro da indústria cinematográfica norte-americana que falasse mal dela. E a nova geração via nela um modelo a ser seguido, à risca se possível.

Assisti Reds, o polêmico (e também lendário) filme de Warren Beatty, muito por causa da parceria de ambos. Fossem outros artistas, provavelmente eu não teria dado o mesmo ibope - e certamente teria perdido um baita filme, praticamente o Cidadão Kane da década de 1970. Diane Keaton, no final das contas, foi a mãe, a avó, a tia, a melhor amiga, a vizinha engraçada, que todos queríamos ter em algum momento de nossas vidas.

Alguém para nos dar conselhos e palpites. Ela era ótima nisso. Não. Ela era ótima em muitas coisas (e não somente atuar). E vai fazer uma puta falta no cinema americano dos próximos anos (quer dizer: se os produtores vazios, viciados em blockbusters inúteis e a inteligência artificial não destruírem com tudo de uma vez por todas). Fica com Deus, moça! Você era demais. 

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Tilly Norwood?


Fiquei ruminando a informação - e, claro, as imagens - por um tempo, antes de esboçar uma opinião a respeito do tema. Muita gente dizendo que é o princípio do fim de hollywood, artistas do Sindicato dos Atores (o famigerado SAG-Aftra), principalmente o próprio presidente da instituição, chamando a criação de uma "irresponsabilidade", além de blogueiros, twitteiros e outros comentaristas dando um pitaco aqui e ali sobre a polêmica.

Do que é que eu estou falando mesmo? De Tilly Norwood, a primeira atriz digital, criada via inteligência artificial. Criação da empresa Xicoia (e representada pela Particle6), ela começa a aparecer em campanhas publicitárias e a ganhar terreno, almejando, num futuro não tão distante, conquistar trabalhos em longas-metragens "atuando". O problema: ela é um produto que só existiu por ter sido treinada com material produzido por atores de verdade, e o pior: sem sequer pedirem autorização para isso.

E a consequência do nascimento dessa nova "estrela" é que, muito provavelmente, numa próxima greve articulada pelo setor esse assunto irá render muita discussão. Se já não bastassem os terríveis algoritmos com suas tramas óbvias e a história dos castings escolherem artistas para projetos apenas pela quantidade de seguidores que eles possuem na internet, agora aparece um substituto virtual para a classe artística, que já é boicotada e marginalizada de todos os lados.

Impossível ver Tilly - que me lembrou à primeira vista, fisionomicamente, a atriz Lilly Collins (da série Emily em Paris) no começo da carreira - e não se lembrar imediatamente do filme S1m0ne, de Andrew Niccol, no qual o diretor Viktor Taransky (Al Pacino) substitui a atriz protagonista do seu filme por uma mulher digital que faz um arrebatador sucesso, até que o público começa a exigir a presença dela em eventos públicos e pré-estreias.

Dizer que S1m0ne não abriu o caminho para o surgimento de Tilly é, no mínimo, estar completamente fora da realidade. Mas, brincadeiras à parte, a realidade é ainda mais negra e nebulosa do que a ficção, principalmente se pararmos para pensar no que o mercado de trabalho (independente de qual seja) vem se tornando.

Mas acredito, sinceramente, que hollywood também é, em grande parte, culpada por essa criação. Nos últimos anos, a meca do cinema vem enchendo suas produções cinematográficas de artistas de gosto e talento duvidoso, além de ex-strippers, lutadores de Wrestling, top models recém saídas do Victoria's Secret, além de figuras famosas do mercado pornô. Logo, pensaram alguns produtores, se a classe está em crise por que não radicalizar de vez e fazer uma versão não-humana dos artistas?

O que esperar nas cenas dos próximos capítulos dessa guerra cultural sem limites? Não faço a menor ideia. Mas que não será nada bonito - como tudo que envolve cifras milionárias no capitalismo - ah, não tenham a menor dúvida!

Até lá, aguardemos (ansiosos ou não). 

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

É isso que faz uma showgirl?


Antes de qualquer outra coisa que eu vá escrever nesse post, é preciso avisar aos leitores desavisados (se é que eles ainda continuam visitando este blog): eu não sou fã de divas, it girls, starlets e outras musas. Na verdade, as acho o retrato vivo do mais do mesmo que impera na cultura pop nas últimas décadas. Dito isto, por que eu escreveria sobre The life of a showgirl, mais novo álbum de carreira da cantora Taylor Swift?

Simples: por que a curiosidade mórbida é a coisa mais feroz que existe na sociedade contemporânea (e eu, infelizmente, faço parte dela).

Taylor é a menina de ouro norte-americana dos últimos tempos e isso, na boa, não quer dizer muito. A música made in USA anda chata, repetitiva e conduzida, em muitos aspectos, por reboladoras de bundas e mestres do playback. Imagine então essa cantora falando de si, como se a sua existência fosse realmente a coisa mais importante do planeta terra? Pois é... Tem tudo para dar errado e, na maior parte do álbum, é exatamente o que acontece.

The life of a showgirl é a cara - e a alma - de uma artista que vive exclusivamente, em tempo integral, para a própria fama. E, de vez em quando, gosta de enganar o público, dizendo que preferia uma vida simples, casar, ter filhos, sossegar. Eu sei... Vou fingir que acredito, quem sabe consigo mais leitores para esse mísero espaço.

E, em suas 12 faixas, ela solta sua metralhadora verbal para todos os lados: se compara à Rapunzel, presa numa torre; cita negativamente hollywood através da figura da atriz Elizabeth Taylor; chama sentir falta de amores do passado de "um péssimo hábito"; alfineta, reclamando da indústria cultural, dizendo que “Eles querem te ver subir, mas não querem que você reine”; confessa que estava mentindo quando dizia que não acreditava em casamentos; compara os haters de internet aos punk rockers; relembra que já foi chamada de "barbie entediante"; esmiúça sua lista de desejos e seus inúmeros cancelamentos; entre outras declarações dúbias.

Para que não me acusem de ter detestado tudo o que ouvi, vale uma conferida rápida em "Wood", "Honey" e na faixa que dá título ao disco, onde divide o microfone com Sabrina Carpenter (outro expoente mais do que óbvio dessa cultura "eu quero é ser famosa, o resto que se dane!). No mais, acreditem: o álbum não passa de um grande circo onde as obviedades chulas desse século são protagonistas de carreira. É triste, eu sei, mas os fãs amam e aguardam ansiosos pela próxima turnê da diva.

Só não me peçam para explicar o porquê, exatamente.