terça-feira, 25 de março de 2025

Os monges cineastas


Quase me esqueço de comentar os 30 anos do Dogma 95, movimento cinematográfico que subverteu as estruturas da sétima arte propondo trazer a figura do diretor de volta ao protagonismo que ele merecia. 

Tudo parte de uma decisão colaborativa dos diretores dinamarqueses Lars Von Trier e Thomas Vinterberg que, cansados da lógica comercial proposta pelo cinema hollywoodiano, decidiram pregar a favor de um cinema mais artesanal, logo anterior ao da chamada exploração industrial nos EUA. 

O tripé primordial da estética do Dogma 95 girava em torno da valorização da história, atuação e temática. Efeitos especiais, recursos tecnológicos e pós-produção caríssima? Nem pensar! Em primeiro plano deveria figurar o artista e sua capacidade de ser original, levando com isso o cinema mundial à uma nova dinâmica, que não se resumisse a produzir vultosas bilheterias.

Une certaine tendance du cinéma français”, ensaio produzido pelo diretor François Truffaut para a revista Cahiers du Cinéma em 1954, foi uma grande influência a esses diretores, que chegaram a ficar conhecidos como "os monges cineastas". E o conjunto de regras propostas pelo manifesto acabou sendo chamado de "voto de castidade". 

filmagens feitas em locações (e não em estúdios); som produzido junto com as imagens; gravado totalmente com câmera na mão (logo, nada de tripés ou travellings); devia ser em cores e sem iluminação especial; filtros são proibidos; nada de ações superficiais (como, por exemplo, assassinatos); o filme deve acontecer aqui e agora, sem alienações temporais e geográficas; formato: 35 mm; filmes de gênero não são aceitos e o diretor não deve ser creditado.

Daí por diante, o realizador estava por sua conta. 

Contudo, algumas regras acabaram sendo, volta e meia, quebradas pelos próprios realizadores. O próprio Vinterberg confessou que no longa Festa de Família (o primeiro do Dogma) cobriu a luz de uma janela, rompendo com o voto de não inserir objetos alheios ao set e de não usar nenhum tipo de iluminação especial na produção. Entretanto, suas normas não tinham um fim em si. Elas não tinham a intenção de policiar ou castrar o realizador, mas sim de provocar uma nova forma de fazer cinema.

Até o presente momento foram realizados 35 longas no formato (entre 1998 a 2004). Digo até o momento, pois qualquer diretor ainda pode realizar o seu experimento dentro do formato, desde que siga as regras impostas. E pelo atual momento que o cinema passa - de pouca inventidade e muito mais do mesmo - eu confesso que acharia até interessante uma reaproximação do Dogma 95, visando novos caminhos para a sétima arte. 

Resta fazer os atuais manda-chuvas do cinema mundial (e, principalmente, americano) entenderem isso...

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