terça-feira, 18 de março de 2025

O que seria Elis Regina hoje, aos 80 anos?


Ouço um senhor de idade frustrado, com seus mais de 70 anos mal vividos, na fila do supermercado, detonando a cantora Elis Regina que, se viva fosse, ontem teria completado 80 anos de vida. Via-se nitidamente em seu linguajar grotesco e ressentido que ele nunca foi fã da cantora. Mais: que admirava um tipo de mentalidade no país tão ultrapassada, que chegava a irritar (na ausência de outra palavra pior) as outras pessoas na fila.

"Essa mulher hoje, se ainda estivesse viva, seria mais uma falsa moralista fútil dentre tantos que já temos por aqui", disse ele em voz alta. Na mesma hora me peguei pensando se ele, em algum momento da vida, ouviu realmente Elis. Acho que não. 

Na biografia Elis: nada será como antes, o escritor Júlio Maria traça um perfil tanto humano (e, por que não dizer? complexo, fora da curva) quanto artístico da cantora, que para muitos especialistas em mercado fonográfico e fãs apaixonados ainda é a maior cantora que esse país já ouviu. E somente este grande livro já desmente o senhor recalcado da fila.

Quem nunca ouviu, no mínimo, os álbuns Elis & Tom e Falso Brilhante (do show homônimo), cá entre nós, prefira ficar em silêncio. Sim, você definitivamente não entende o significado da palavra música. 

Elis cantou o país como ninguém antes (e, provavelmente, depois dela). Ela era bossa nova, ela era samba, ela era pop, ela era contraditória em algumas decisões que tomou - sim, aquela história da passeata contra as guitarras elétricas durante o festival da canção em 1967 foi uma bola fora -, ela foi musa de uma época que não volta mais, não importa o quanto eu, você e a torcida do flamengo queiramos. 

E olha que eu nem pertenci à geração que conheceu de perto aquela voz!

Ouço, sempre que tenho um tempo sobrando, suas canções no you tube. Entre as minhas preferidas, clássicos como "Alô, alô marciano", "Madalena", "O bêbado e o equilibrista", "Águas de março", "Fascinação", "Como nossos pais"... a lista é imensa e só analisar seus hits já renderia um post muito mais extenso do que este. 

E pensar que hoje (infelizmente) sobrevivemos a uma MPB que perde tempo com sertanejos que só sabem gritar, piseiro, um axé cada dia mais barulhento e sem sentido, divas rebolativas e a falta de composições bem feitas. Nunca precisamos tanto, em tempos tão sombrios como os atuais, de uma voz tão ímpar e provocadora quanto a de Elis regina. 

Regina Echeverria - que também escreveu um livro sobre a musa e cantora - estava certa: ela era um furacão. E precisamos de outro. Urgentemente.  

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