sexta-feira, 28 de março de 2025

4 décadas de um clássico pop


É isso mesmo? 40 anos para De volta para o futuro, de Robert Zemeckis? Meu Deus! E onde é que eu estava esses anos todos que passaram? Numa câmara criogênica, que nem Mel Gibson no filme Eternamente jovem? Só pode ser piada... Só que não. 

40 anos que Martin McFly (Michael J. Fox) voltou no tempo - mais especificamente para o ano de 1995 - no Delorean criado pelo doutor Emmett Brown (Christopher Lloyd) com o intuito de consertar a linha do tempo e salvar a sua família. E eu me lembro do exato dia em que fui ao cinema, das filas homéricas, cheias de jovens apaixonados e entusiasmados, à espera da sessão (que não decepcionou).

O longa de Zemeckis - e a posterior trilogia (sim, o longa rendeu duas continuações) - fez parte de uma geração que conviveu com grandes longas feitos para o público jovem. Eram tempos de Brat pack, ou geração Brat como chamávamos no Brasil, filmes de terror, assassinos slashers decapitando cabeças, aventuras mitológicas que marcaram época e ficções científicas que mesclavam games e teorias da conspiração com a mesma dosagem.

Contudo, acredito que nenhum outro longa nessa linha - ou mesmo nessa década - tenha feito tanto sucesso ou repercutido tanto quanto De volta para o futuro

Muitas de suas inovações e informações inusitadas chegaram a ser estudadas ou repercutidas nas décadas seguintes. Até hoje muitos espectadores - e, claro, a classe científica - ainda se perguntam se é possível a famigerada viagem no tempo ou se tudo não passa de uma ficção muito bem construída. E eu faço parte do grupo que espera ansiosamente que um dia isso se torne realidade.

E olha que as continuações ainda trouxeram o tênis com os cadarços automáticos e o snow board! Além da ironia por trás do inédito título dos Cubs, popular time de beisebol norte-americano. 

Dizer que De volta para o futuro marcou época na história de hollywood já é clichê por si só. Mais do que isso: ele fundou as bases do que ficaria conhecido como o filme de aventura perfeito (e, por isso, acho uma loucura que qualquer geração posterior proponha um remake dele). É dessas experiências cinematográficas que acontecem uma vez e nunca mais. E mexer nessa estrutura não passa de reles engano ou temeridade. 

E você que ainda não assistiu essa obra-prima e fica aí perdendo tempo com baboseiras heroicas e tramas absurdas com monstros surreais, tá esperando o quê pra dar uma conferida, hein?    

terça-feira, 25 de março de 2025

Os monges cineastas


Quase me esqueço de comentar os 30 anos do Dogma 95, movimento cinematográfico que subverteu as estruturas da sétima arte propondo trazer a figura do diretor de volta ao protagonismo que ele merecia. 

Tudo parte de uma decisão colaborativa dos diretores dinamarqueses Lars Von Trier e Thomas Vinterberg que, cansados da lógica comercial proposta pelo cinema hollywoodiano, decidiram pregar a favor de um cinema mais artesanal, logo anterior ao da chamada exploração industrial nos EUA. 

O tripé primordial da estética do Dogma 95 girava em torno da valorização da história, atuação e temática. Efeitos especiais, recursos tecnológicos e pós-produção caríssima? Nem pensar! Em primeiro plano deveria figurar o artista e sua capacidade de ser original, levando com isso o cinema mundial à uma nova dinâmica, que não se resumisse a produzir vultosas bilheterias.

Une certaine tendance du cinéma français”, ensaio produzido pelo diretor François Truffaut para a revista Cahiers du Cinéma em 1954, foi uma grande influência a esses diretores, que chegaram a ficar conhecidos como "os monges cineastas". E o conjunto de regras propostas pelo manifesto acabou sendo chamado de "voto de castidade". 

filmagens feitas em locações (e não em estúdios); som produzido junto com as imagens; gravado totalmente com câmera na mão (logo, nada de tripés ou travellings); devia ser em cores e sem iluminação especial; filtros são proibidos; nada de ações superficiais (como, por exemplo, assassinatos); o filme deve acontecer aqui e agora, sem alienações temporais e geográficas; formato: 35 mm; filmes de gênero não são aceitos e o diretor não deve ser creditado.

Daí por diante, o realizador estava por sua conta. 

Contudo, algumas regras acabaram sendo, volta e meia, quebradas pelos próprios realizadores. O próprio Vinterberg confessou que no longa Festa de Família (o primeiro do Dogma) cobriu a luz de uma janela, rompendo com o voto de não inserir objetos alheios ao set e de não usar nenhum tipo de iluminação especial na produção. Entretanto, suas normas não tinham um fim em si. Elas não tinham a intenção de policiar ou castrar o realizador, mas sim de provocar uma nova forma de fazer cinema.

Até o presente momento foram realizados 35 longas no formato (entre 1998 a 2004). Digo até o momento, pois qualquer diretor ainda pode realizar o seu experimento dentro do formato, desde que siga as regras impostas. E pelo atual momento que o cinema passa - de pouca inventidade e muito mais do mesmo - eu confesso que acharia até interessante uma reaproximação do Dogma 95, visando novos caminhos para a sétima arte. 

Resta fazer os atuais manda-chuvas do cinema mundial (e, principalmente, americano) entenderem isso...

sexta-feira, 21 de março de 2025

O mundo segundo Arnaldo Antunes


É sempre um prazer inenarrável ouvir um novo trabalho do cantor, poeta e compositor Arnaldo Antunes. Desde os tempos em que fazia parte da banda de rock Titãs. Sua língua afiada e suas letras cheias de denúncias ácidas e uma ironia típica de quem conhece bem o país no qual vive são suas marcas registradas. Sempre saio transformado toda vez que ouço um novo álbum ou leio um novo livro de poemas dele. É, com folga, um de nossos maiores pensadores atualmente.

Com Novo mundo, seu mais recente trabalho lançado ontem, ele mais uma vez escancara as mazelas, prepotências e desleixos desse mundo fragmentado no qual vivemos, com uma sociedade cada vez mais intolerante e oportunista. 

Muitos colegas já me perguntaram como Arnaldo consegue se manter na ativa, compondo e produzindo temáticas que vão contra grande parte do status quo atual. E eu sempre respondo: "Ele precisa ser um outsider em tempo integral para conseguir realizar o seu trabalho; do contrário...". 

Há duas parcerias aqui com outro esplêndido visionário, o cantor David Byrne, líder da banda Talking Heads. São elas "Body corpo" e "Não dá pra ficar parado aí na porta". Além disso, é possível também apreciar outras canções a quatro mãos muito bem-vindas, como por exemplo, "Sou só" (ao lado de sua parceria de Os Tribalistas, Marisa Monte) e "Viu, mãe?" (onde divide os créditos com o falecido Erasmo Carlos, eterno Tremendão da Jovem Guarda).

À parte essas colaborações mais famosas, vale a pena uma conferida em "Pra não falar mal" (no qual ele divide os vocais com a cantora Ana frango elétrico), "O amor é a droga mais forte" e, claro, a faixa título, que é uma pedrada e expõe a nu o grande caos no qual estamos vivendo nos últimos anos. 

Detalhe imprescindível que os ouvintes não podem deixar passar despercebido: o quesito sonoridade merece um capítulo especial nesse álbum extremamente bem construído. Nos últimos anos raras vezes vi uma combinação de instrumentos tão bem feita a serviço de um trabalho musical. Se Novo mundo fosse um disco instrumental ainda assim ganharia todos os meus elogios. E acreditem: são poucos os que conseguem essa façanha na MPB atual. 

No mais, prefiro encerrar por aqui e deixá-los procurar o disco nas plataformas de streaming. Aposto que mudará a sua perspectiva para esse final de semana...

terça-feira, 18 de março de 2025

O que seria Elis Regina hoje, aos 80 anos?


Ouço um senhor de idade frustrado, com seus mais de 70 anos mal vividos, na fila do supermercado, detonando a cantora Elis Regina que, se viva fosse, ontem teria completado 80 anos de vida. Via-se nitidamente em seu linguajar grotesco e ressentido que ele nunca foi fã da cantora. Mais: que admirava um tipo de mentalidade no país tão ultrapassada, que chegava a irritar (na ausência de outra palavra pior) as outras pessoas na fila.

"Essa mulher hoje, se ainda estivesse viva, seria mais uma falsa moralista fútil dentre tantos que já temos por aqui", disse ele em voz alta. Na mesma hora me peguei pensando se ele, em algum momento da vida, ouviu realmente Elis. Acho que não. 

Na biografia Elis: nada será como antes, o escritor Júlio Maria traça um perfil tanto humano (e, por que não dizer? complexo, fora da curva) quanto artístico da cantora, que para muitos especialistas em mercado fonográfico e fãs apaixonados ainda é a maior cantora que esse país já ouviu. E somente este grande livro já desmente o senhor recalcado da fila.

Quem nunca ouviu, no mínimo, os álbuns Elis & Tom e Falso Brilhante (do show homônimo), cá entre nós, prefira ficar em silêncio. Sim, você definitivamente não entende o significado da palavra música. 

Elis cantou o país como ninguém antes (e, provavelmente, depois dela). Ela era bossa nova, ela era samba, ela era pop, ela era contraditória em algumas decisões que tomou - sim, aquela história da passeata contra as guitarras elétricas durante o festival da canção em 1967 foi uma bola fora -, ela foi musa de uma época que não volta mais, não importa o quanto eu, você e a torcida do flamengo queiramos. 

E olha que eu nem pertenci à geração que conheceu de perto aquela voz!

Ouço, sempre que tenho um tempo sobrando, suas canções no you tube. Entre as minhas preferidas, clássicos como "Alô, alô marciano", "Madalena", "O bêbado e o equilibrista", "Águas de março", "Fascinação", "Como nossos pais"... a lista é imensa e só analisar seus hits já renderia um post muito mais extenso do que este. 

E pensar que hoje (infelizmente) sobrevivemos a uma MPB que perde tempo com sertanejos que só sabem gritar, piseiro, um axé cada dia mais barulhento e sem sentido, divas rebolativas e a falta de composições bem feitas. Nunca precisamos tanto, em tempos tão sombrios como os atuais, de uma voz tão ímpar e provocadora quanto a de Elis regina. 

Regina Echeverria - que também escreveu um livro sobre a musa e cantora - estava certa: ela era um furacão. E precisamos de outro. Urgentemente.  

sexta-feira, 14 de março de 2025

Cinemateca 70


70 anos da Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, e eu fico sabendo dessa informação quase que aleatoriamente por uma matéria num jornal de São Paulo. Mesmo assim, ela é muito bem-vinda, tanto para mim como para qualquer cinéfilo que se preze!

Minha relação com ela é muito parecida com a que tive na época das antigas videolocadoras, um febre dos anos 1980 e 1990. Ou seja: com ambas, aprendi que a sétima arte ia muito além daquilo que era exibido em circuito. Houve um tempo em que acreditei que cinema era sinônimo de blockbusters e franquias. Ledo engano! E para preencher essa lacuna preconceituosa foi de vital importância o mercado de home vídeo e a cinemateca.

Poder escolher entre um oceano de possibilidades as mais distintas, adentrar o universo de determinados diretores, distinguir entre inúmeros gêneros as minhas opções favoritas (foi ali que descobri que ficção-científica e terror eram mais a minha praia do que filmes de realeza e comédias românticas, etc) e, claro, poder debater com os outros visitantes do espaço. 

Não fosse pela Cinemateca do MAM eu jamais teria conhecido o cinema de Wong Kar-Wai e Johnnie To, até hoje estaria procurando O fundo do meu coração, de Francis Ford Coppola, no limbo da internet e nem teria esbarrado em filmes menos idolatrados de Woody Allen, como Bananas e A outra

Além disso, tive a honra de participar dos seminários de crítica cinematográfica que faziam parte da programação do Festival Brasileiro de Cinema Universitário, além de outros eventos culturais e também cursos de extensão sobre as mais diversas vertentes do cinema mundial. 

Se hoje sou um cinéfilo que quer ficar por dentro de tudo o que acontece nos festivais e mostras cinematográficas, que lê sobre praticamente tudo que se apresenta à minha frente quando o tema é sétima arte, que fuça no youtube atrás de longas bollywoodianos, do leste europeu ou do Oriente Médio, devo isso a minha primeira ida - e a tantas outras - à cinemateca. 

É certamente um patrimônio histórico e cultural da minha cidade (embora muita gente egoísta e mesquinha não consiga enxergar como tal, o que é uma pena).

Desejo todo sucesso para o lugar e que chegue ao centenário, se Deus quiser!

sexta-feira, 7 de março de 2025

40 anos do começo de um sonho rebelde


Fazia mais de três anos que eu não ouvia o álbum de estreia da banda de rock Legião Urbana - que comemora 40 anos de lançamento em 2025 - e, mesmo assim, depois de ouví-lo novamente (umas duas vezes), o sentimento permanece o mesmo: algo entre o delírio e a rebeldia.

Legião foi dos primeiros artistas que comecei a ouvir por conta própria, quando passei a ter ciência de minhas escolhas e não simplesmente ouvir junto com o restante da família o que tocava nas rádios, nos toca-discos e tape recorders. A primeira vez que entrei na loja Modern Sound, em Copacabana, foi à procura de um álbum do grupo. E isso sempre me soou bastante sintomático. 

Mas o que teve de tão avassalador, se olharmos faixa a faixa, nesse álbum que poderia ser tudo ou nada na vida daquele (então) quarteto brasiliense? A certeza de me sentir representado nas letras e de ouvir uma sonoridade diferente de tudo que eu ouvira em termos de música até então. E não foi à toa que Renato Russo, líder do grupo, tornou-se uma espécie de guru da minha geração. 

Normalmente divido este álbum em três segmentos: primeiro, o das canções mais famosas, que ganharam notoriedade, e hoje fazem parte de qualquer playlist que se preze da legião (da qual fazem parte "Será", "Ainda é cedo" e "Geração Coca-Cola"); segundo, o de canções menos conhecidas que - para mim - se tornaram meio que a cara e a personalidade da banda ao longo da carreira (e aqui cabem "Baader-Meinhof blues" e "O reggae"); e, finalmente, músicas que eu costumo eleger como as minhas B-Sides pessoais, embora muitos outros fãs as considerem como hits de longa data (casos de "Teorema" e "Por enquanto", que acabou sendo redescoberta no Acústico MTV pela voz de Cássia Eller).

Quanto as temáticas presentes no álbum, aqui se vê o começo da revolução proposta por Renato e que ganharia ainda mais força nos álbum seguintes, principalmente Dois e As quatro estações

Reacionarismo diante do sistema; o machismo e o sucessivo desrespeito às mulheres; a infantilidade de quem se acha à frente do seu tempo, mas não passa de uma cópia xerográfica das gerações passadas; o sentimento de niilismo diante de um futuro que parece cada vez mais opaco, sem perspectivas; enfrentar o hoje depois de duas décadas de repressão e uma sociedade de controle; a indefinição sobre quem está certo ou errado, quem é o herói e quem é o vilão; uma série de imperativos ("não esqueça isso", "não vá por ali", etc) que, no fundo, só delimitam uma jornada que é complexa por natureza...

Tudo está lá, o embrião desse sonho rebelde que vinha para ficar. E ficou. Está aqui comigo, agora.

E vê-los se apresentar em shows, dar entrevistas, parecia ainda mais inebriante. Depois do lançamento de Legião Urbana (1985), eu quis saber tudo sobre eles, ler tudo sobre eles, mais: eu queria ser um deles. E por causa disso continuo ouvindo tudo, como se fosse a primeira vez. Putz! Quatro décadas, já! E eles continuam tão vivos e necessários nesse momento que o país atravessa.