domingo, 18 de setembro de 2022

O samurai cibertech


Uma das maiores frustrações que eu tenho na vida é não saber desenhar. Sério. Então imaginem um garoto de 12, 13 anos atolado de gibis dentro de um quarto, tentando esboçar uma reles imagem, sem obter o menor sucesso. Decepcionante, eu sei... 

E quando o artista em questão é um mestre (leia-se: George Perez, Sergio Aragonés, Will Eisner, Alex Raymond, etc), essa agonia aumenta ainda mais. É o caso de Frank Miller. Acompanho seu trabalho desde que me entendo por gente e a cada novo projeto dele minha curiosidade só faz aumentar. De Elektra assassina à O cavaleiro das trevas, passando pelo magistral Sin City, Miller provou ser um mago da narrativa dentro da nona arte.

Contudo, ele não se rendeu àquilo que o consagrou e quase quatro décadas atrás realizou seu trabalho mais autoral, mas não menos brilhante. Refiro-me à Ronin, uma revolução gráfica dentro da sua própria carreira. E cabe aqui um adendo importante: com esta graphic novel ele praticamente salvou a DC Comics de uma falência (A DC, aliás, ofereceu-lhe a possibilidade de criar esse projeto sem interferir em nada - algo raro na indústria dos quadrinhos -, tirando-o da concorrente Marvel, onde trabalhava na série do Demolidor). 

Na trama, um samurai vê seu Shudoshi morrer pelas mãos do maquiavélico Agat e se torna um Ronin (um guerreiro sem mestre). Ele decide então vingá-lo, mas acaba também abatido pela criatura. Entretanto, por conta de uma espada mágica ele reencarna 800 anos depois numa civilização hightech no corpo de Billy Chalas, um paraplégico com poderes telecinéticos fortíssimos. Já Agat incorpora em Taggart, responsável por Aquarius, uma instalação futurista que ele quer transformar numa poderosa arma de guerra. 

A única pessoa capaz de ajudar Ronin é Casey, uma agente de segurança da instalação que no passado nutriu sentimentos por Billy, o que faz com que uma conexão amorosa aconteça entre eles. Juntos, eles precisam colocar suas diferenças de lado e combater o grande mal. 

Por conta de sua temática complexa, por vezes rebuscada, o público leitor a priori rejeitou o trabalho, distanciando-o de outros projetos do autor. Contudo, com o passar das décadas a graphic novel acabou arrebanhando milhões de fãs ao redor do mundo, tornando-se um grande divisor de águas dentro da sua carreira. 

Provavelmente o grande mérito do álbum está no misto de cores sensuais, atípicas, disfuncionais (mérito da artista Lynn Varley, que sequer trabalhava anteriormente neste mercado) com uma violência estilizada na história, quase surrealista, mas não menos feroz. E Miller acaba, ao fim, compondo uma narrativa visceral e contundente, bem ao gosto dos maiores admiradores da arte sequencial. 

São visíveis as comparações entre estre projeto e obras e autores europeus seminais, como Moebius e a clássica revista Metal Hurlant. Tem até quem diga que é o trabalho do autor com menos cara de Estados Unidos (e não estão totalmente errados, não!).

Ronin une passado e futuro através da ciência e levanta a todo momento questões que andam muito voga até hoje, como por exemplo o descaso com a ecologia e o abuso das corporações, sempre agindo como esferas acima do bem e do mal. Há, inclusive, quem veja na postura da instalação Aquarius um flerte com o cyberpunk, gênero bastante popular dentro da ficção-científica. 

Hoje, 2022, os detratores do passado se ressentem de que Frank Miller não tenha regressado a esse filão, que certamente merecia novos recortes e personagens. Realmente uma pena! O que prova por a mais b que não basta ser gênio, é preciso se reinventar constantemente. Essa é a grande matéria prima dos mestres em qualquer área de atuação e não a mera insistência no que é consagrado.

E antes que eu acabe por me repetir, só me resta dizer: leiam. O quanto antes. Até para poderem ver seu criador-ídolo com outros olhos!   

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