Ele, não tenho a menor dúvida, foi o homem (e o artista) mais sem filtro que a cultura pop e a sociedade brasileira já nos apresentaram até hoje. E quem continua enxergando-o como um mero maluco ou doidão realmente não entendeu uma vírgula do que ele falou ou cantou.
Quem? Tim Maia, é claro! O pai da soul music nacional, se vivo, estaria completando 80 anos no dia de hoje, e eu me pergunto: como reagiria o Brasil de hoje, cheio de preconceitos e cancelamentos, diante de uma figura tão meteórica e desbocada como ele?
Falar de sua carreira musical, mesmo para leigos, é chover no molhado porque ele continua relevante, continua tocando, bombando nas pistas e os ouvintes continuam procurando seus vídeos na internet, em busca de suas frases marcantes e sua filosofia própria (sua declaração "tudo é tudo e nada é nada", durante a gravação de um especial para a tv, e sua formação em cornologia sempre abordada em talk shows, viraram sua marca registrada).
Detalhe importante e imprescindível: ao me referir à sua carreira, não podemos nos esquecer do "polêmico" álbum que gravou quando fazia parte da seita religiosa Universo em desencanto, disco este boicotado pelas gravadoras e que quase decretou o fim prematuro de sua carreira. Ouça-o também. É Tim Maia na veia!
Mas nada que abalasse o jeito irascível e inquietante do garoto que entregava marmitas na Tijuca, começou a carreira ao lado de Roberto e Erasmo Carlos, foi preso nos Estados Unidos e trouxe de lá uma sonoridade e uma vibe ímpares na então MPB!
"Me dê motivo", "Gostava tanto de você", "O descobridor dos sete mares", "Azul da cor do mar", "Do Leme ao pontal", "Primavera", "Sossego", "Você", "Um dia de domingo" (no qual divide o microfone com Gal Costa)... É difícil definir Tim em poucas palavras, digo, canções. Ele era uma metralhadora das intenções as mais diversas e transformava o simples, o cotidiano, em espetáculo.
Um dica rápida para os não-iniciados na obra do mestre: ouça Tim Maia em inglês assim que puderem. Quem me deu o toque foi um senhor de mais de 60 anos dentro da (hoje extinta) loja Modern Sound, em Copacabana. E ele estava cobertíssimo de razão. Minha vida - e meus ouvidos - foram profundamente modificados depois disso.
Porém, como todo artista rebelde que se preze, havia o lado B da sua história pra lá de megalomaníaca: as drogas, muita bebida, os relacionamentos amorosos conturbados, a fama de não comparecer aos shows e a comida, um inimigo que o perseguiu por toda vida.
Na extraordinária biografia sobre ele escrita por Nelson Motta, Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia, o autor marca os capítulos da obra em kg, mostrando o quanto Tim engordou ao longo da vida (e o quanto isso lhe trouxe problemas). Em sua última apresentação antes de falecer, via-se claramente um homem ofegante e quase sem voz, lutando arduamente para se manter de pé e não decepcionar os fãs.
Acreditem: não decepcionou. Nem um pouco. Seu talento e seu legado para a história da música nacional são únicos e irreplicáveis. Acho quase impossível que outro como ele surja.
No final das contas me fica a sensação de que, além de ser um showman nato, ele viveu na época certa. Dificilmente conseguiriam deixá-lo brilhar nos dias de hoje, repletos de politicamente correto e artistas que se escondem atrás de falsos engajamentos sociais e simpatias fabricadas. Ele nunca deixaria de bater de frente com esse século XXI caótico e contraditório. Do contrário, não seria ele o furacão que foi.
Mas que está fazendo uma falta danada no mainstream, ah!!! Não tenho a menor dúvida!