segunda-feira, 2 de maio de 2022

Ele só queria fazer a diferença


É curioso continuar falando de Batman, seja como personagem cultural de uma era, seja como fenômeno pop. 

O homem-morcego chegou a oito décadas de existência três anos atrás sem sentir o peso do tempo. Na verdade, pertenço ao grupo dos que acredita que sob certa ótica ele até que rejuvenesceu, se reinventou e foi deixando pelo meio do caminho certos estereótipos incômodos que o acompanhavam (como, por exemplo, aquela velha lenda de que ele e seu parceiro Robin, o menino prodígio, tinham um caso amoroso). 

O problema maior para mim, desde que me entendo como fã do herói, é que quando ele começou a ser adaptado para o audiovisual sempre deixaram de lado aquilo que o personagem tinha de mais atraente: seu caráter detetivesco. Sim, meus caros leitores alienados! Batman é um detetive e dos bons.   

E ao contrário dessa premissa, a tv e o cinema sempre preferiram focar seja no pastiche (que o diga a série televisiva sessentista com o ator Adam West e o dois longas megalomaníacos e afeminados do diretor Joel Schumacher) ou num comportamento soturno e distante do seu alter-ego (e nesse sentido o ator Michael Keaton foi o que melhor incorporou o milionário distante Bruce Wayne, no longa de Tim Burton de 1989). 

Já tivemos a chance de vê-lo rodeado de mulheres lindíssimas - Kim Bassinger, Michelle Pfeiffer, Anne Hathaway, Marion Cotillard, etc -, enfrentando acionistas inescrupulosos dentro de sua própria empresa e, claro, à caça de psicopatas os mais diversos, com direito a um capítulo à parte para o arquiinimigo mais famoso dele, o Coringa. Contudo, o Batman investigador sempre ficou em segundo plano nessas histórias (com espectadores chegando a comentar que o personagem era coadjuvante dos vilões em sua própria franquia). Até agora. 

Batman, de Matt Reeves - baita diretor que revolucionou a franquia Planeta dos macacos - é uma grande (e deslumbrante) surpresa nesse sentido. E desde já adianto: porradeiro do jeito que os fãs da velha hollywood tanto gostam. 

Robert Pattinson veste o manto do homem-morcego e prova por a mais b que entendeu a indústria hollywoodiana como poucos. Entrega um Bruce Wayne atormentado, que não tem nada de milionário e ainda por cima convive com uma crise interna que simplesmente não o abandona de jeito nenhum. Sua única voz da consciência é o mordomo Alfred (Andy Serkis, que merecia mais tempo de tela), que também carrega traumas que não divide com o patrão. 

A Gotham City de Reeves é pura barbárie e não à toa ele traz como referência para seu longa o assassino Zodíaco, que barbarizou os EUA na década de 1970. Seus habitantes transitam no limiar entre "os fins justificam os meios" e o "vale tudo para se salvar". Carmine Falcone (John Turturro), antigo sócio de Thomas Wayne, a mulher-gato (Zoe Kravitz), o pinguim (Colin Farrell, soberbo), o Comissário Gordon (Jeffrey Wright), resquício da ética numa polícia afundada na corrupção e o magistral e psicótico Charada (Paul Dano, sublime) são personalidades disformes num jogo de xadrez mais do que macabro. 

Mais do que isso: Bruce Wayne começa e entender que seu pai não era tão ético quanto ele sempre imaginou e isso também interfere em seu juízo de valor. Contudo, isso é o que filme tem de melhor. Ao contrário de outras versões onde se tentou vender o heroísmo do personagem acima de qualquer outro raciocínio, aqui vemos um Batman que erra, se precipita, titubeia, não avalia todas as possibilidades e por isso recomeça e entende que errar faz parte do jogo. Em suma: o detetive é, acima de tudo, humano (logo, falho). 

Não quero contar nenhuma premissa da história para não estragar a experiência dos outros. Portanto, prefiro dizer que os criadores desse oitentão destemido - Bob Kane e Bill Finger - certamente ficariam orgulhosos ao ver o que Reeves fez com a criatura deles. O Batman de 2022, usando as palavras dele mesmo na película, é um homem que só queria fazer a diferença em meio a tanto caos. Se conseguirá ou não, só o tempo vai dizer. 

Até lá que esperemos a continuação (já anunciada na última CinemaCon, para júbilo dos fãs e nerds de carteirinha)! 


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