quinta-feira, 19 de maio de 2022

O mago grego


Psiu, ei! Você aí! É... Você que pensa que o único papel da trilha sonora num filme de cinema é enfeitar, enbelezar, dar requinte ao que já era bom. Definitivamente você nunca ouviu os melhores compositores da história. Não faz a menor ideia de quem foi Nino Rota ou Ennio Morricone (só para ficar no básico: dois autores fabulosos, responsáveis por muitas das obras-primas do audiovisual). Ou em outras palavras: você não entende é nada, absolutamente nada, de sétima arte. 

Sempre vi a música como o grande alicerce do cinema. Sem ela, os longas, curtas e documentários seriam peças frias, sem significado ou mesmo glamour. Conheço gente que só de ouvir a trilha de um filme diz na lata o nome, o ano de realização, o diretor, quantos Oscars ganhou, etc etc etc. Sim, meus caros leitores! É o poder da música dentro da indústria cinematográfica. 

E hoje fico sabendo, atrasado (o que é imperdoável), que o mundo do cinema perdeu um de seus maiores nomes quando o assunto é trilha sonora. Falo do grego Evángelos Odysséas Papathanassíu. 

Perguntam-me na mesma hora: quem é este indivíduo de nome difícil? E eu já escolhi colocar o nome de batismo dele aqui de propósito. Só pra provocar. Não se enganem! Se vocês, como eu, são fãs mesmo da sétima arte e não somente do que a Marvel e a DC produzem, sabem exatamente de quem estou falando. Afinal de contas, Vangelis é um lenda dentro dessa indústria tão notória e criador de muitas trilhas que falam por si só, independente do diretor e da produção na qual trabalhou. 

Melhor exemplo não conheço para definí-lo como sinônimo de boa música do que a trilha do longa Blade Runner - o caçador de androides, de Ridley Scott (1982). Até hoje, se eu continuo revendo o filme toda vez que ele é reexibido na tv a cabo ou exaltado em algum serviço de streaming, podem ter certeza: é, em primeiro lugar, por causa de sua exuberância musical. E olha que não foi nem aqui que ele foi agraciado com o Oscar. 

Esta honraria coube à também maravilhosa trilha do filme Carruagens de Fogo, de Hugh Hudson (1981), cineasta do qual nunca mais, infelizmente, tive notícias. E é bom que se diga logo, mesmo que me taxem de puxa-saco dele: Vangelis merecia mais prêmios. Sua música sempre mexeu comigo e, em grande medida, foi a alma das produções nas quais trabalhou.

Ouvir seu trabalho era o mesmo que me transportar para um universo paralelo ou uma realidade alternativa. E bastava que aguardássemos mais alguns segundos e provavelmente estaríamos vendo criaturas sobrenaturais nos dando tchau. Sua música não parecia algo desse mundo (e quando digo isso, falo sério!). Quem achar que exagero, procurem por sua discografia em algum Spotify ou Deezer da vida e tirem suas próprias conclusões.  

Assim como Morricone, citado anteriormente, Vangelis tinha a capacidade extraordinária que somente os grandes do seu segmento possuem de se apropriar dos projetos que participou, de tomá-los para si. Tanto que durante o final da década de 1980 e início de 1990 cheguei a me perguntar porque ele não dirigia seus próprios longas. Tenho certeza que seriam um luxo e um deslumbre à parte. Mas ele, no fundo, sabia que se entendia melhor com as partituras e bem fez ele. 

Em seu perfil no IMDb constam mais de 160 créditos na categoria trilha sonora e 81 como compositor (ou seja: uma carreira longeva). Nos últimos anos eu andei me perguntando por ele, que andava sumido. Ele preferiu se dedicar aos documentários e curta-metragens. Seus últimos trabalhos foram os podcasts The Sermon e Beyond the Sermon

Se William Shakespeare foi o nobre bardo, Carmem Miranda a pequena notável e Nelson Rodrigues o anjo pornográfico, certamente o melhor rótulo que cabe à Vangelis é o mago grego. Sua música foi pura mística que embalou os sonhos de uma geração faminta por boas canções. E mesmo tendo partido aos 79 anos de idade fica uma sensação de que ele ainda tinha muito a entregar aos seus fãs mais exaltados. Enfim... Que fique em paz junto com sua genialidade. Ele certamente a mereceu. 

P.S: ao pessoal que vai lá no Spotify e no Deezer dar uma conferida no legado do mestre, se encontrarem a trilha de 1942: a conquista do paraíso, também de Ridley Scott (1992), ouçam na mesma hora. É das coisas mais sublimes que eu já ouvi na vida. E eu jamais me perdoaria se esquecesse de citá-la aqui neste humilde artigo.

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