quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Guerra para principiantes


O cinema é capaz de nos encantar, de nos provocar, de promover polêmicas com tão pouco. E às vezes, é capaz também de ironizar de forma extremamente inteligente. E mesmo assim nem todo mundo irá entender a mensagem (ainda mais numa era moralista em excesso como essa na qual estamos vivendo). 

Jojo Rabbit, do diretor Taika Waititi, é um exemplar raro dessa categoria que ironiza fatos históricos. Daqueles projetos que já nascem dando o que falar, por tratar o nazismo pela alcunha do deboche e da fábula (algo que os moralistas excessivos vão reclamar, por acreditarem que o tema - sórdido por excelência - está sendo diminuído ou levado em pouca consideração;  e os neonazistas mais ainda, pois irão rotular o longa de "ofensivo e desrespeitoso à causa"). 

Contudo, o diretor não deu bola para nenhum dos dois grupos e contou a história de Jojo Beltzer (o ótimo ator mirim Roman Griffin Davis), um garoto de meros 10 anos de idade, membro da juventude hitlerista, que sonha em fazer parte da guarda pessoal do fuhrer Adolf Hitler, com quem conversa ocasionalmente, na linha amigo imaginário. E tudo prometia sair às mil maravilhas ao ser chamado para o treinamento de guerra para novos soldados quando descobre, escondida em sua casa, a jovem judia Elsa (Thomasin McKenzie), com quem começa a trocar informações e, por conseguinte, passa a ter uma outra visão da guerra. 

Até então, tirando a versão imaginária de Hitler - que é vivido de forma impagável pelo próprio diretor do filme - suas únicas fontes de confiança eram a mãe, Rosie (Scarlett Johansson), que é terminantemente contra o regime, e o Capitão K. (Sam Rockwell), responsável pelo treinamento dos jovens soldados e uma figura que parece suprir a carência do pai de Jojo, de quem não tem notícias há anos por estar em combate.  

E é desse choque cultural aliado, logicamente, a todo o clima infanto-juvenil que permeia a narrativa do filme que está o verdadeiro encanto desse projeto. 

Em muitos aspectos, guardadas as devidas proporções, Jojo Rabbit é um filme que dialoga com o extraordinário A vida é bela, do diretor italiano Roberto Benigni (que ganhou dois oscars pelo filme). Se na produção italiana vemos Guido transformar a guerra aos olhos do filho, Giosué, num jogo, aqui eu tive a ligeira impressão de estar vendo o que Giosué teria visto de fato se não tivesse a figura paterna para protegê-lo de todo mal a todo instante. 

Em outras palavras, o que vemos é uma guerra para principiantes, que pensam ter maturidade para entender o que de fato está acontecendo, mas na verdade não passam de ingênuos quando têm de lidar com o mundo cruel em que vivemos. 

Confesso que foi uma grata surpresa ver esse filme na lista de indicados ao Oscar deste ano. E já andei vendo alguns críticos na internet se dizendo incomodados com o contexto criado pelo filme. Mas como disse no primeiro parágrafo e repito: às vezes é preciso incomodar, polemizar, e principalmente ironizar. 

Vejo Jojo Rabbit como um filme mais do que necessário para entendermos esse século XXI cheio de pessoas amargas, que levam tudo para o âmbito ou da discussão ou da fé cega, extremada. Parece que perdemos a capacidade de rir de nós mesmos e do nosso passado. E por mais duro que pareça, às vezes é preciso rir também de nossas derrotas. Isso não é uma questão de insultar os judeus, mas sim de sobreviver a um mundo que caminha para o caos todo santo dia. Levamos tudo a ferro e fogo e não acredito, sinceramente. que isso nos levará a algum lugar. 

Em suma; o filme pode ser o seu inimigo público número 1 ou sua bóia salva-vidas para seguir em frente e tentar ser alguém melhor de novo. E de novo. E de novo. E isso cabe única e exclusivamente a você, espectador! 

E pensar que eu acreditava que esse diretor (que ficou famoso aqui no país após dirigir Thor: Ragnarok) fosse se transformar num novo J. J. Abrams, refém de franquias e projetos multimilionários. Não só queimou a minha língua como ganhou minha atenção para futuros projetos. Disseram que ele estava associado ao live action de Akira, mas o site do IMDb não informa mais isso. Uma pena. Confesso que eu veria esse projeto também.

Resultado: mais um nome para a minha lista de diretores "para ficar de olho sempre que puder".   

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