quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

A última esperança


Se existe um gênero cinematográfico que tem tudo a ver com a temporada de prêmios (leia-se: Oscar, Globo de ouro, Guilds, etc) e volta e meia dá as caras com uma produção inovadora ou, ao menos, bem feita esse gênero é o filme de guerra. E muitas vezes eles são vítimas de grandes roubalheiras na história dos mesmos prêmios (Spielberg que o diga!). 

Esse ano a bola de vez - e ela vendo sendo rotulada de forma ingrata como a "aposta anti-Netflix para vencer o Oscar de melhor filme" - é 1917, do diretor inglês Sam Mendes (que já faturou o prêmio em 2000 com Beleza americana). 

1917 não possui um roteiro de deixar os críticos e os votantes da academia de queixo caído. Pelo contrário. É uma história mais do que simples sobre dois soldados, Blake (Dean-Charles Chapman) e Schofield (George MacKay, que muitos acreditavam que figuraria na lista de indicados a melhor ator por conta da força da ala britânica entre os votantes do Oscar e dos sindicatos) que precisam adentrar o território inimigo em plena primeira guerra mundial para entregar uma carta que pede aos superiores no front que cancelem uma ataque que poderá levar à morte 1600 soldados. 

Em outras palavras: eles são a última esperança no intuito de evitar uma grande tragédia. 

Contudo, quando o assunto é a parte técnica do longa, 1917 exibe todas as suas cartas na manga e entrega um espetáculo audiovisual digno das maiores produções já feitas no gênero. Montado de maneira a ser visto como um filme rodado num único plano-sequência (assim como aconteceu com Birdman, de Alejandro González Iñáttitú, outro longa mau visto em sua época que acabou calando a boca dos críticos e puristas e levando a estatueta de melhor filme), ele acaba por narrar uma espécie de "passeio rumo ao inferno". 

Portanto, saibam segurar a respiração, meus caros leitores, pois este é daqueles projetos capazes de mexer com a sua cabeça e a sua capacidade de compreensão take a take, minuto a minuto. Enquanto os dois soldados atravessam os destroços do que um dia foi um país, vemos o retrato do horror, do caos, da ganância e da eterna mania dos homens de se acharem melhores do que a sua própria espécie naquilo que ele tem de mais vivo e cruel.

O filme a meu ver está repleto de citações diretas à outros filmes de guerra. Que o diga a própria carta a ser entregue pelos soldados que me remeteu a carta que passava de mão em mão entre os soldados do filme O resgate do soldado Ryan, de Steven Spielberg. E nos instantes finais, quando Schofield está perto de entregar a mensagem à seu destinatário, talvez eu tenha enxergado demais, mas me remeteu ao clássico Gallipoli, do diretor Peter Weir, feito no início dos anos 1980, que tem como protagonista o ator Mel Gibson no início da carreira. 

Vi alguns críticos da internet (sempre eles!) reclamando do final chocho do longa, em comparação aos outros competidores de melhor filme. Honestamente, vejo nessa mentalidade a eterna mania do público contemporâneo - viciado em remakes e franquias de ação - de querer que tudo acabe de forma espetacular, retumbante, avassaladora, à la Senhor dos Anéis e Game of Thrones. E não acredito que a sétima arte deva se render única e exclusivamente a isso. 

Na verdade, ao desfecho do filme me peguei perguntando sobre o que o soldado, terminada a árdua missão, estava pensando. Talvez sobre o sentido da guerra, que no final das contas é praticamente nenhum? Ou se já havia passado da hora de lhe mandarem de volta para a casa e rever sua família? E cá entre nós: qualquer produção cinematográfica que termine me fazendo pensar, durante a volta para casa, num algo a mais já valeu o meu dia. 

Segundo os resultados da temporada de prêmios até agora 1917 é o favorito absoluto ao Oscar de melhor filme desse ano. Tem quem diga até que já é barbada faz tempo. E não acredito que será injusto. Diferentemente do prêmio conferido ao insuportável Guerra ao terror, de Kathryn Bigelow, em 2010, último filme de guerra a ganhar a estatueta, o longa de Sam Mendes tem alma própria, diferentemente do filme de Bigelow que, na época, pegou carona no lobby político e na eterna mania dos norte-americanos de emularem o sofrimento decorrente da tragédia do 11 de setembro.  

É, Netflix... Eu até queria torcer por vocês, mas não deu. De novo. 

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