Quase dei mole e deixei passar o falecimento do ator, dramaturgo e cineasta Domingos de Oliveira que nos deixou no último dia 23, para tristeza dos fãs da boa narrativa (artigo de luxo, quase em extinção no Brasil atual, cheio de fake news e gente querendo recontar a história do país à sua imagem e semelhança).
Muitos viam Domingos como um reles burguês que falava única e exclusivamente das alegrias de seu povo (no caso, a classe endinheirada e avessa a qualquer comportamento que não seja o dela mesmo). Eu, no entanto, analisando tudo o que li e vi dele, digo aqui que não concordo com tal visão.
Conheci a obra de Domingos, na verdade, através de sua filha, a atriz Maria Mariana, que escrevera a peça Confissões de adolescente, um sucesso entre os adolescentes da minha época de leitor de Marcos Rey e Orígenes Lessa (publicados pela hoje cult coleção vaga-lume da Editora Ática). Eu não sabia que ela era filha dele e acabei usando minha falta de conhecimento como mote para encontrar seus textos em algum lugar, antes mesmo da internet vingar aqui no Brasil.
Durante muito tempo li seu blog, disponível no site da Casa da Gávea e fiquei admirado com sua inteligência e conhecimento literário. E disse para mim mesmo: preciso ver o cinema dessa cara com mais frequência.
Ainda não consegui assistir sua cinematografia do jeito que eu desejo, mas do que vi, posso afirmar: foi um dos poucos realizadores cinematográficos que expôs as distorções da elite, sua eterna mania de apontar os defeitos dos outros às gargalhadas e, no entanto, não conseguir lidar com os seus próprios. E na hora de mostrar os defeitos sempre carregou na fina ironia, mostrando o quanto a dor e o ressentimento podem aparecer nas entrelinhas de tanto deboche e esnobismo.
Em sua série (uma quase trilogia) que engloba Amores, Separações e Feminices, realizou um grande ensaio sobre o niilismo de uma geração que adora vender a imagem de autosuficiente, pregando o velho discurso de "não preciso de ninguém", "estou além dos problemas vividos pela classe assalariada". Não se iludam! Tudo não passava, no final das contas, de uma grande e infeliz fachada.
Seu filme mais famoso continua sendo o primeiro, Todas as mulheres do mundo (de 1966), que traz como protagonista sua mulher na época, Leila Diniz (que depois viraria musa do cinema nacional, chegando a ficar conhecida como uma mulher à frente do seu tempo por sua imagem grávida de biquíni na praia).
Entretanto, recomendo aos fãs da sétima arte o ótimo BR 716, seu último longa, em que foi personificado pelo ator Caio Blat. Ali, ele realiza um retrato da falência da burguesia carioca, sempre amarrada a velhos ideais e querendo posar de vitoriosos o tempo todo. Posso afirmar com tranquilidade: o filme funciona como grande fio condutor para entender a vida desse homem de sábias palavras.
Seu teatro também não foge à polêmica em muitos momentos, mas uma polêmica sempre misturada a um humor refinado. Gostava de dizer para meus colegas cinéfilos que via Domingos como o nosso Woody Allen, pois ele gostava de mostrar a insegurança da elite e a fragilidade das relações humanas. E mesmo que eles não concordassem à primeira vista ou achassem minha opinião exagerada, entendiam meu ponto de vista. Principalmente aqueles que leram Todo mundo tem problemas sexuais, um de seus espetáculos mais debochados e Allenianos, no qual é encarnado por Pedro Cardoso, hoje vivendo em Portugal.
Em 2011 a atriz Maria Ribeiro realizou um documentário (praticamente uma homenagem) sobre o diretor e mostrou uma outra faceta dele: a do cara querido pela classe, que adorava reunir os amigos em sua casa, no teatro, no set ou onde mais fosse capaz de gerar um bom bate-papo.
O cinema nacional perde um de seus nomes mais cariocas (e olha que já havíamos perdido não tem muito tempo o também ótimo Hugo Carvana!) e deixa no peito dos fãs da boa sétima arte uma saudade que não tem tamanho exato. Uma pena. Precisamos de mais gente como Domingos hoje em dia.
Descanse em paz, mestre!!!
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