domingo, 7 de abril de 2019

Comemoremos?


Este é um poema triste 
sobre a derrota de uma nação 
repleta de homens sem memória
e de interesses escusos. 

Caso se sintam ofendidos 
não culpem o autor
e sim a quem praticou tais atos.

(E não, eles não são inocentes ou ingênuos.
Longe disso!)

Começa desse jeito:


"Não foi bem assim", 
disse o Presidente recém-empossado 
menos de 100 dias no comando do país. 
"Não foi bem assim", 
disseram seus ministros,
patentes iguais ou superiores à sua
orgulhosos de sua arrogância. 
Não foi bem assim", 
gritaram nos quarteis a plenos pulmões
generais, coroneis, majores
esgares de ódio nos olhos vermelhos, raivosos. 
"Não foi bem assim", 
concordaram os eleitores alienados, 
pau mandados nocivos
produtos de massa amorfa 
desinformada
esculhambada 
introvertida
lobotomizada. 

"Não foi bem assim", 
gritaram todos juntos 
um coro lamentoso (digo: enganoso)
cheio de vontade de incomodar. 

"64 foi lindo, 
salvou o país, 
salvou todos nós da miséria,
não fossem eles... sei não!".

"Errado é sempre o outro", 
dizia meu professor de história do segundo grau
(hoje chamam de ensino médio)
gozado!
hoje em dia ninguém mais fica na média
não foi à toa que a aprovação automática voltou... 

Tudo que era ruim 
ruim mesmo 
voltou
(não sei pra quê).

Ruas cheias para comemorar o...
O quê mesmo?
Já não lembro mais. 
Não participo há tempos 
de nada que envolva multidões de ignorantes. 

De ignorante já basta o país 
índices educacionais inferiores a Serra Leoa
e universitários orgulhosos de seus diplomas 
que não passam de papeis sem serventia alguma 
pois nas ruas nunca antes coabitaram tantos camelôs. 

Estão comemorando a data, o ano,
lá se foram 55 anos
(e tem gente querendo que tudo isso volte)
repito: não sei pra quê.

"A festa é fruto desse desespero torpe e mordaz que rege nossos habitantes, sedentos por justiça. De preferência, para eles", 
explica um filósofo de butique
num desses muitos programas de tv 
que fingem debater a política interna deste país. 

Certa vez um grande pensador disse 
que enquanto não houver educação por aqui 
nada mudará 
pois quem não estuda não pensa, muito menos reflete 
não toma decisões hábeis. 

Em outras palavras: 
vira um inútil.

No entanto, 
o que chamamos de educação, afinal de contas? 
Portadores de certificados de conclusão evasivos?
Meu Deus,
tende piedade de nós!

Na zona sul ruas lotadas de "cidadãos de bem"
que requisitam seu direito à serem... bestiais. 
O passado virou sinônimo de mentira 
de história para boi dormir.
"Não foi nada disso!", 
grita uma mulher raivosa na casa dos 80 anos, 
mais de 50 vivendo no regime casa-trabalho-casa
e se achando reserva moral da sociedade que ela mesmo não conhece.

E os filhos e os filhos dos filhos e os filhos dos filhos dos filhos dessa senhora  a chamam de sobrevivente desses tempos gloriosos...
Coitados! 

Eu ligo a tv e contemplo fileiras de bobalhões maquiados 
camisas da seleção de futebol no corpo
rostos em verde e amarelo 
cantando o hino nacional errado 
mão no peito 
semblantes sofridos 
mas orgulhosos de exaltarem a abominação. 

Sim, foi isso mesmo que você leu. 

Vivemos tempos abomináveis
de escuridão imposta a fórceps
de notícias fake bem construídas
de distorções necessárias para seguirmos em frente. 
"Pois só assim seremos democráticos de fato", 
complementa um deputado federal na plenária no dia anterior, 
acusado de crime de peculato 
mas que adora chamar o povo de vagabundo. 

Até mesmo nas reuniões familiares 
ficou difícil travar qualquer espécie de debate.
O candidato que "uniria a nação"
tornou-se o homem que afastou parentes 
delimitou regras de comportamento para todos aqueles 
que divergem de suas opiniões. 

Pai contra filho 
irmão contra irmão
genro, cunhada, neto, primo, sobrinho 
não sobra um.

Ser diferente nem pensar! 

O que é diferença mesmo?

Ah! 
tem a história dos filhos pequenos!

O menino que não vestiu azul 
apanhou dos colegas na escola 
e foi chamado de bicha pelos pais deles
a menina que não vestiu rosa 
foi chamada de anormal 
pelas amiguinhas que se vestem de miniputas 
para ir a boates e danceterias 
mas se apresentam como damas da sociedade. 

Detalhe: 
os pais não educam mais seus filhos 
não têm tempo. 

De novo: 
foi isso mesmo que você leu. 

Enquanto isso, 
na casa da família Silva...

Tio!
Que foi? Vai fazer sua palavra cruzada, menino!
Qual o sinônimo de filho da puta?
Quantas letras? 
Nove. 
Religioso. 
Pai, se alguém te ouve falando isso...
Eu não conto pra ninguém se você também não contar.
Tá bom. 

Pois é...
Tá ruim pra todo mundo
com fé ou sem. 

Voltemos à comemoração?
eu sei, eu sei... mas ainda não terminou.
ela foi planejada para durar o dia inteiro.

O enxame de engravatados
privilegiados de raiz
bem sucedidos 
religiosos de respeito
conhecedores da moral e dos bons costumes 
esvazia taças de champanhe veuve cliquot 
enquanto entoam gritos de 
"direitos iguais para todos!". 

E quem recriminou o ato 
que vá pra Cuba ou pra Venezuela 
é logo ali!

Enquanto isso
mal sabem eles
a lama invade Minas Gerais e Rondônia
as escolas são tomadas por atiradores de elite menores de idade
e corruptos compram corruptos para aprovar uma tal de "reforma"
(Ah se Martinho Lutero e Ítalo Calvino ouvissem isso!)

Eu sei que a estrada por aqui 
nunca foi de fato em linha reta, 
mas nos últimos anos, cá pra nós, 
virou uma curva infinita
maior do que a Estrada de Santos que o Roberto cantou. 
Entramos num túnel que não tem fim 
lâmpadas quebradas 
breu total 
e os pivetes doidos para fazer arrastão. 

"São menores", 
diz a imprensa sensacionalista.

Depois de tanta notícia ruim 
eu decido desligar a tv 
jogar o jornal no lixo 
e ir dormir mais cedo
(o dia hoje não mereceu meu respeito).

Deito na cama 
e me lembro de um detalhe:

No passado 
o Drummond (você sabe, o poeta) 
perguntou para o José:
e agora?
Agora 
eu pergunto pra você 
que conseguiu ler esse "poema" até o fim:
como é que fica?

Fica? 

Quando eu acordar 
te digo. 

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