quinta-feira, 24 de abril de 2025

Rubem Fonseca, 100 anos


"Excelente notícia saber que vão lançar material novo sobre ele em breve!", pensei na hora.

Enquanto lia o artigo na Folha de São Paulo sobre os lançamentos e celebrações para o centenário do escritor Rubem Fonseca (que acontece esse ano), me dei conta do quanto andamos carentes de uma obra literária como a sua. Digo mais: acho que não teremos de novo - nesse século - um autor que sequer chegue perto de sua verve narrativa. 

Ler Rubem sempre foi uma catarse sem igual. Para mim, então, que sou fascinado por literatura policial, era quase um deslumbre acompanhar seu textos. E o mais impressionante: ele conseguia tornar os temas mais mórbidos em pautas interessantíssimas para seus contos e romances. Exemplo disso foi o sapo Bufo Marinus no seu livro Bufo e Spallanzani (que teve até adaptação para o cinema) e que eu cheguei a ler três vezes.  

Acredito que sua obra mais famosa até hoje tenha sido o extraordinário Agosto (que rendeu, inclusive, uma minissérie produzida pela Rede Globo, que eu tenho tentado reassistir nos últimos tempos, mas sem sucesso). A trama, que envolvia o suicídio do presidente Getúlio Vargas, mexeu com meus brios da primeira à última página, e entrou no rol das melhores obras literárias que eu li até hoje.

Contudo, gosto de destacar também O cobrador, O selvagem da ópera (que aborda a famosa ópera de Carlos Gomes, O guarani), A coleira do cão, O caso Morel e Lúcia McCartney. Um de seus personagens mais famosos, o criminalista Mandrake ficou célebre também na televisão, sendo interpretado pelo ator Marcos Palmeira numa série da HBO. 

Embora recluso e avesso à entrevistas, Rubem era uma figura bem humorada e cheia de boas ideias. Seus livros estão repletos de excentricidades que eu considero, em muitos momentos, apaixonantes e também de tramas insólitas, dessas que prendem o leitor com facilidade. Sua partida deixou uma grande lacuna no gênero policial brasileiro que demorou a ser preenchida e, ainda acho, com representantes bons, mas aquém de sua genialidade e talento ímpar. 

É daquelas figuras que sempre vão fazer falta na literatura brasileira. 

P.S: quem não conhece a obra do escritor, corra atrás. Não deve nada a gigantes do nosso mercado editorial, principalmente na narrativa curta. Procurem seus volumes de contos. Aposto como irão reler muitos deles!

sábado, 19 de abril de 2025

O filme que definiu a minha geração


Faço parte de um período da história em que amores não correspondidos, videoclipes de última geração, loiras platinadas e rock n' roll tocando alto em toca-discos dividiam as atenções e se confundiam em meio a uma geração que ficou conhecida - pela música do Legião Urbana - como "filhos da revolução". E nessa busca incessante por referências e símbolos caçávamos em filmes, livros, LPs, peças de teatro, quadrinhos, todo tipo de narrativa que fosse capaz de nos definir (ou, ao menos, nos situar) dentro daquele mundo vertiginoso. 

E Clube dos cinco, longa-metragem dirigido por John Hughes, que completa 4 décadas de existência em 2025, conseguiu isso com folga. É, provavelmente, o melhor exemplo do que foi a minha adolescência - e a de muita gente - naquele período em que o mundo e, principalmente, o Brasil tentavam se redescobrir, encontrar um novo caminho.

Gosto mais do título original e nunca tive vergonha de admitir: The Breakfast Club (o clube do café da manhã, parece mais a cara e o estilo daqueles cinco jovens, que tiveram de lidar com a difícil missão de passar pela detenção escolar). E acreditem: ficar de castigo depois na aula naquela época era das experiências mais terríveis que um jovem poderia viver. 

Brian (Anthony Michael Hall), John (Judd Nelson), Claire (Molly Ringwald), Allison (Ally Sheed) e Andrew (Emilio Estevez) eram o retrato vivo da rebeldia juvenil daquela década. O nerd que não se encaixava em grupo algum, o bad boy revoltado com Deus e o mundo, a menina mais popular do colégio, a sua exata oposta: a impopularidade e excentricidade em pessoa e o metido a forte, ligado em esportes. 

Clube dos cinco é o pilar fundador da Brat Pack (ou geração BRAT, como chamávamos por aqui; um período em que o cinema hollywoodiano começa a se interessar por filmes para jovens, até então relegados a segundo plano nas semanas de lançamento).

Se a priori juntar na mesma sala, confinados, esses cinco desajustados com personalidades completamente diferentes parece uma grande loucura, com o tempo o que se percebe é que os problemas pessoais de todos eles parecem ressoar uns nos outros. A eterna luta contra os pais - que não os entendiam completamente; a busca por afirmação; as rivalidades egocêntricas por assuntos tão banais; os flertes e paqueras... Todos os dilemas jovens se mesclam e, ao mesmo tempo, se renegam num filme que marcou uma era. 

Recentemente a atriz Molly Ringwald declarou que é contra fazerem um remake do longa. "Ele faz parte de um outro mundo", disse ela. E eu concordo totalmente. E certamente, se abordassem questões dos atuais jovens - que nem querem mais perder tempo com escolas, conseguem qualquer informação fake na internet e nas redes sociais - ele iriam acabar apresentando um projeto tosco, falho, sem identidade alguma, e escondido atrás de expressões como diversidade e empoderamento. Prefiro que o original permaneça, intocável.

No mais, fica meu convite para que as novas gerações o conheçam. Aposto como vão se surpreender com o teor da história e o clima "rebelde, mas nem tanto" do filme. Assistam!


segunda-feira, 14 de abril de 2025

R.I.P Mario Vargas Llosa


Ele era daquelas pessoas de quem eu discordava de quase tudo (principalmente de suas opiniões acerca da geopolítica mundial). No entanto, como ficcionista, foi um dos melhores que li em toda a minha vida como leitor. Digo mais: para mim, foi o último grande vencedor do Prêmio Nobel de Literatura - que ele ganhou em 2010. 

De quem falo? Do escritor peruano Mario Vargas Llosa, que nos deixou aos 89 anos. 

Li seu romance mais famoso aqui no Brasil, Pantaleão e as visitadoras, no começo da graduação em comunicação social e foi um acontecimento. Fez eu, inclusive, repensar minha opinião sobre a literatura latino-americana (que sempre foi uma coqueluche na minha vida).

Depois vieram A cidade e os cachorros, A guerra do fim do mundo (sobre a Guerra de Canudos), Conversas na catedral (que muitos críticos consideram sua melhor obra) e A festa do bode. Aliás, hoje em dia indico para quem está iniciando na obra dele: comece por este último. Costumo classificá-lo entre uma obra-prima não reconhecida e um clássico subestimado. 

São famosas suas brigas e discussões com Gabriel García Marquez. Na verdade, a relação entre os dois Nobéis era entre tapas e beijos. Mario via García Marquez como amigo de ditadores e ele, sempre um liberal, não via tal escolha com bons olhos. Contudo, não me compete aqui falar do indivíduo Vargas Llosa. Acho bem mais interessante - e complexa - sua faceta como autor. 

Era fácil ler seus romances. E, em muitos momentos, eu me senti personagem daquilo que lia. Principalmente suas criações literárias que viviam na berlinda, no submundo, enfrentando o sistema (um antítese do que ele era como pensador político). 

Um antigo professor de literatura da universidade onde estudei e com quem conversava na cantina de tempos em tempos chamava o autor peruano de "uma incógnita poderosa". E eu, confesso, custei a entender o que ele queria dizer com aquilo. Só com o passar do tempo pude concordar com sua visão acerca do escritor. Ele realmente soube separar o ficcionista de tramas políticas (e tensas) bem construídas, do homem ligado à direita que acreditava no neoliberalismo.

E acho que esse foi o seu maior legado para a história da literatura. Uma pena que a atual sociedade discuta tudo hoje em dia sob a ótica da polarização e da guerra cultural. Logo, muita gente que sequer o leu vai massacrá-lo nas odiosas redes sociais de forma gratuita e sem critério. Enfim... tem quem chame essa ignorância de modernidade hoje em dia. Tenebrosos tempos! 

Aos que fugirem dessa mentalidade covarde, recomendo: leiam Mario Vargas Llosa o quanto antes. Sua obra é magnífica e merece ser apreciada.   


domingo, 6 de abril de 2025

Tarantino rules


De tempos em tempos volto à Quentin Tarantino neste blog por considerá-lo um artista anacrônico e também porque há muita gente boa analisando a sua obra sob os mais diferentes prismas. A mais recente leitura, no caso, é o ótimo Quentin Tarantino - o cineasta icônico e sua obra, de Ian Nathan, que procurei que nem um louco por diversas livrarias, mas parecia esgotado. Acabei dando a sorte de encontrá-lo em pdf. 

Tarantinesco parece ser uma grande expressão para classificar o que viria a se tornar o cinema americano no início dos anos 1990, quando ele deu as caras como diretor. Na verdade, antes mesmo disso! Vendo os filmes Amor à queima roupa, de Tony Scott e Assassinos por natureza, de Oliver Stone, baseado em seus roteiros no começo da carreira, já dá pra ter uma bela impressão do que viria a seguir. 

Nathan esmiúça a obra de Quentin Tarantino desde a origem, reúne os fatos com a melhor precisão possível, e muito por conta disso deixou os já fanáticos admiradores do cineasta ainda mais enlouquecidos.

Quentin é daquelas figuras cheias de enigmas, ironias e pequenas teorias da conspiração, algo que todo cinéfilo fora da curva adora. E aqui, nessas pouco mais de 180 páginas, conseguimos vislumbrar a grandeza de seu legado ao mesmo tempo em que fica a dúvida se ele irá se aposentar, de fato, no décimo longa ou não. Sei lá... Parece tão ilógica essa decisão! 

A parte visual do livro é um escândalo e completa de forma sublime o grande delírio que é viajar pela mente do diretor - um indivíduo com uma mente fervilhante de ideias e que está sempre reescrevendo seus rascunhos, à procura de uma perfeição que ele mesmo saber ser impossível de atingir.. 

À medida que acompanhamos filme a filme a sua carreira - de Cães de aluguel à Era uma vez... em hollywood - e nos deparamos com seus sucessos, deslizes, frustrações, e entendemos o que deu certo e o que poderia ser modificado, além das críticas recebidas ao longo da carreira, é fácil imaginar porque ele se tornou um fenômeno em hollywood. 

Não quero me estender demais nesse post (pois acho que a leitura desse livro deveria ser obrigatória para qualquer pessoa que diga amar a sétima arte). Logo, despeço-me apenas advertindo: é provável que vocês, leitores, queiram lê-lo mais de uma vez. É. com folga, um dos melhores trabalhos literários já feitos sobre a obra dessa grande incógnita em forma de artista chamado Quentin Jerome Tarantino. 

P.S: leiam em doses homeopáticas, pois vocês vão querer que a experiência dure o máximo possível.


quarta-feira, 2 de abril de 2025

R.I.P Val Kilmer


Parece até mentira - por se tratar do dia primeiro de abril -, mas não. O ator Val Kilmer realmente faleceu ontem, aos 65 anos de idade, vitimado por uma pneumonia. E hollywood perdeu mais um grande artista.

Kilmer tinha fama de ator difícil. Bateu boca com Marlon Brando durante as filmagens do remake de A ilha do Dr. Moreau, de John Frankenheimer, chegou a socar uma atriz durante um ensaio, mas polêmicas à parte, nada disso afetou o seu talento inegável. E colegas que trabalharam com ele em diversos longas diziam que era sempre uma experiência única atuar ao lado dele. 

Vi-o na tela pela primeira vez na comédia Top secret!: superconfidencial, dos mesmos criadores de Apertem os cintos... o piloto sumiu! (que era muito exibida nos anos 1980 e 1990 na sessão da tarde, da Rede Globo), mas o ator era, além de um interessante ator cômico, um artista pra lá de eclético. 

No tempo em que as videolocadoras e os cinemas de rua moldavam meu gosto cinéfilo era sempre um enorme prazer assistir aos filmes de Val Kilmer. O Santo, Batman eternamente - sim, ele também interpretou o cavaleiro das trevas, na versão dirigida por Joel Schumacher -, A sombra e a escuridão, Tombstone, o extraordinário Fogo contra fogo de Michel Mann, Amor à queima roupa, Os crimes de Wonderland... A lista é enorme.

Contudo, dois trabalhos em específico marcaram minha relação com o ator de forma mais duradoura. O primeiro, óbvio, é Top Gun - ases indomáveis, de Tony Scott. Muito se fala do Maverick de Tom Cruise, mas sem a presença antagônica de Iceman o filme certamente não teria o apelo que teve. E finalmente The Doors, de Oliver Stone, no qual dá vida de forma quase mediúnica ao vocalista Jim Morrison (para mim, seu melhor trabalho na carreira e até hoje não acredito que ele não ganhou o Oscar de melhor ator pelo filme).

Sua saída de cena após a descoberta de um câncer na garganta em 2015 foi dolorosa para os fãs. E para quem quiser saber mais sobre o período e a barra que ele enfrentou recomendo de olhos fechados o documentário Val, dos diretores Leo Scott e Ting Poo, que mostra o lado humano do artista em meio a tantas provações e dificuldades. Seu último ato interpretando foi uma pequena participação em Top Gun: Maverick, continuação do clássico oitentista.

Ao fim, para contextualizar com esse breve epitáfio: fiquei meio estarrecido com a notícia de que Val Kilmer não procurou ajuda médica por pertencer à ciência cristã, um dogma que não reconhece a existência de doenças e cuja única fonte de cura seja a oração. Ele chegou a afastar até amigos e entes queridos que quiseram ajudá-lo a se tratar. Uma pena!  

Sobra agora a nós, espectadores, manter seu legado vivo para a próxima geração de cinéfilos. E ele tem muita coisa boa no currículo que merece ser revista de tempos em tempos.