quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Na pista


É um álbum de música ou um desaforo estiloso? Foi exatamente essa a minha sensação dúbia ao terminar de ouvir as 16 faixas de Renaissance, novo disco de carreira da cantora Beyoncé Knowles. 

A nova empreitada musical da artista que pôs o mundo praticamente inteiro para dançar ao som de canções como "Dangerously in love", "Get me bodied", "Halo", "Irreplaceable" e tantos outros hits, dá as caras seis anos depois de seu último álbum, Lemonade, e claro deixou passar a angustiante pandemia bem como o catastrófrico governo Donald Trump que deixou os EUA mais do que divididos. 

E é bom ir logo avisando aos fãs: não esperem por trabalhos conceituais. Renaissance é dançante até a raiz dos cabelos e cheio de referências e tributos a uma época em que a música, honestamente, era muito mais do que apenas o autotune, artistas que só gritam e rebolam a bunda e músicas que se resumem a sexo e palavrões. Logo, um acerto se olharmos de um certo ponto de vista. 

O público começou a curtir a festa com o lançamento antecipado do single "Break my soul", que é uma das melhores coisas do álbum. Houve, lógico, aquela velha artimanha do marketing, dizendo que o disco vazou e os fãs claro agradeceram e puderam se deliciar com o restante do trabalho. 

Há um pouco de tudo aqui: homenagens à Quincy Jones e ao próprio tio da cantora, vítima da AIDS; um dueto com a estilosa (e sempre polêmica) Grace Jones; alusões à Bjork, ao fenômeno eletrônico Daft Punk, a banda Chic, Janet Jackson e musas da soul music - estilo musical, aliás, ao qual a cantora por vezes cai como uma luva - e, obviamente, exageros sonoros e vocais. Até porque não fossem eles também, não seria um álbum da Beyoncé. 

No quesito faixa a faixa, indico duas favoritas: "Plastic off the sofa" e "America has a problem". E não saberia escolher entre as duas a melhor. Mesmo. Beyoncé entrega em ambas aquilo que vem consagrando-a desde os tempos de Destiny's Child: seu vigor e garra. 

Mas o importante mesmo deste trabalho não são as melhores músicas ou intenções e sim o fato da cantora convidar todo mundo para a sua pista de dança privilegiada e esquecer, por um momento breve, os inúmeros problemas do mundo. E acredito que ela conseguiu. 

Contudo, há também problemas com os quais ela terá de lidar daqui para a frente. E não são poucos. 

Na canção "Heated" ela foi acusada de capacitista ao fazer menção a um termo médico desnecessariamente; Monica Lewinsky, pivô do escândalo com o ex-Presidente Bill Clinton, pediu que ela retirasse de uma das músicas um trecho que fazia alusão ao caso; e a compositora Kelis reivindica seu nome como co-autora em uma das faixas. 

Detalhe: em muitas canções o número de parceiros envolvidos é exorbitantemente grande, o que gerou desagrado por parte da crítica musical e da imprensa, que chegou a insinuá-la como oportunista. Enfim... O velho e contraditório show business de todo o sempre, mas principalmente deste século XXI viciado em samplers e se apropriar do trabalho alheio, rotulando-o de "singela homenagem".

E tirando tudo isso de letra - tarefa nada difícil para os fãs alienados de hoje em dia - resta mesmo é afastar os móveis da sala e remexer o esqueleto. Sim, nesse sentido o álbum ajuda e muito. Obs: o trabalho ainda por cima é o primeiro ato de uma trilogia. Então, aguardemos ansiosos pela parte II. 


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