Será que algum dia a humanidade tomará vergonha na cara e romperá definitivamente com a crueldade que conhecemos como racismo? Vejam o que está acontecendo nos EUA - exemplo mor do preconceito racial no mundo contemporâneo - por conta do assassinato brutal de George Floyd em Minneapolis. Pior: vendem, através do governo federal, a pecha de serem uma nação sem problemas, a qual as outras nações (a nossa, inclusive) querem copiar como modelo de retidão e ética. Malditos demagogos!
E em tempos de manifestações ao redor da terra do tio Sam e também em outros países ao redor do mundo (sim, pois racismo não é exclusividade da terra de Lincoln, Kennedy, Bush e Trump) há opções cinematográficas para discursar sobre o tema aos montes. E uma extremamente interessante é Luta por justiça, do diretor Destin Daniel Cretton.
O filme de Destin nos traz a história do primeiro homem a reverter uma condenação ao corredor da morte em toda a história jurídica dos EUA. Seu nome: Walter McMillan (Jamie Foxx, em atuação inebriante). O típico caso do homem escolhido por um sistema corrupto para ser o "homem certo na cena do crime exata". E esse mesmo sistema o condena à pena de morte pelo assassinato de Rhonda Morrison, que para os autos da justiça interessa apenas como "moça branca de família".
Quando ele é parado no meio da estrada pelo xerife Tate (Michael Harding) já sabe de antemão o que aquilo significa. Afinal de contas, na América ele pertence a "etnia errada". E por conta disso recebe sua condenação antes mesmo do julgamento acontecer. O que ele não sabe é que foi acusado através de uma trama sórdida que envolve não somente inúmeros interesses escusos, como também uma confissão forjada por um outro presidiário (ele, por sua vez, também ameaçado por esse mesmo sistema).
E ninguém quer meter a mão nessa cumbuca para defendê-lo. Até então. E digo até então pois eis que aparece na cidade de Monroe para elucidar o caso o jovem Bryan Stevenson (Michael B. Jordan, mais conhecido aqui no Brasil por seu personagem na franquia Creed), um jovem advogado idealista, formado em Harvard, e disposto a corrigir esse grave delito. Breve observação: o fato do diretor citar de forma direta e insistente a cidade de Monroe - onde a escritora Harper Lee escreveu o extraordinário romance O sol é para todos - é um aviso ao espectador, quase um prenúncio de que a barra vai pesar para o lado do advogado. Leiam o livro e tirem suas próprias conclusões para entender do que eu estou falando.
E acreditem: ela pesa. De todos os lados. Ninguém quer se envolver nessa história, sob pena de acabar pagando o pato também. Todos querem uma solução fácil, que atenda às necessidades dos moradores brancos do local. A única que acompanha a saga de Bryan - além da família, é claro! - é a jovem assistente dele, Eva Ansley (Brie Larson), que não escapa também de ameaças, bem como sua família.
O que Bryan precisa entender rápido nessa cidade é que não importa o fato de ele ser um advogado formado numa instituição de renome. Ele poderia ser médico, arquiteto, engenheiro... Fosse qual fosse a sua profissão, ainda assim aqueles que querem o caso resolvido como está, só conseguem enxergar a cor da sua pele. E nada mais. Logo, ele receberá o mesmo tratamento que qualquer criminoso.
No meu entender a frase que rege toda a trama, que dá significado à história, é aquela em que o protagonista diz ao seu advogado que, não importa o quanto ele lute, ele já "nasceu culpado". Walter entende perfeitamente o que significa nascer negro num país como os Estados Unidos.
O mais revoltante? Saber que depois de tanta escravidão, tanta luta, tanto sofrimento, nada mudou nessa terra que vive de vender hipocrisias como oportunidades para os outros. Luta por justiça é um longa que flerta bem com filmes de temática negra lançados nos últimos anos. Falo de Corra!, de Jordan Peele; 12 anos de escravidão, de Steve McQueen; Selma, de Ava DuVernay e O nascimento de uma nação, de Nate Parker, entre outros. Vejo todos esses filmes como uma espécie de cartografia da resistência aos mandos e desmandos de um país que se recusa a aceitar quem é diferente (mentalidade essa que nem mesmo o governo Obama conseguiu mudar).
E dessa catarse covarde, injusta, que sequer mostra sinais de mudança no ar (seja nos EUA, seja no restante do mundo) o que podemos perceber na prática é o quanto continuamos adoecendo como sociedade mundial por simplesmente não querermos uma mudança de postura, pois a manutenção da covardia a priori parece ter mais valor.
E enquanto isso persistir outros McMillans e Floyds e Luther Kings e Malcolm Xs continuarão perdendo suas vidas, sejam morrendo ou trancafiados em celas, ad aeternum...
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