Os Estados Unidos, que certos brasileiros frustrados adoram chamar de "a maior nação do planeta", é um país no mínimo irônico. Vive de fabricar maniqueísmos os mais diversos com o intuito de se promover e, com isso, conseguir mais adeptos alienados, antenados com a sua "causa" aham patriótica. E o maior exemplo disso é a maneira como constrói para a opinião pública seus conceitos de herói e vilão.
Dito isso, confesso que foi uma grata surpresa assistir o último longa de Clint Eastwood, O caso de Richard Jewell. E digo surpresa porque antes mesmo do filme ser lançado em nossas salas de projeção, já aportou por aqui carregado de polêmica por conta da maneira como o diretor expôs o ponto de vista de uma das personagens principais da trama.
Contudo, o protagonista desta história, Richard (vivido de forma exuberante pelo ótimo Paul Walter Hauser) tem seu próprio calvário para enfrentar. Ele é um reles segurança, ex-agente policial, que busca melhorar de vida para poder pagar suas contas e ajudar a mãe, Bobi (Kathy Bates, também excelente!). Mas sua vida muda completamente quando decide trabalhar nas olimpíadas de Atlanta, em 1996.
Uma bomba é colocada no Centennial Park e Richard é o primeiro a localizá-la e informar as autoridades. A explosão causa graves sequelas no público presente, mas a maior delas certamente na vida do próprio segurança. E tudo por causa da personagem que rendeu polêmica (como citado no segundo parágrafo). Kathy Scruggs - vivida por Olivia Wilde - é uma jornalista ambiciosa à procura de um furo de reportagem que tire a sua carreira do tédio. E que vê numa informação tendenciosa obtida através de um agente do FBI razões suficientes para colocar sobre Jewell a culpa pelo atentado.
A razão por trás da suspeita: o passado de Richard advoga contra ele e, nesse momento, surge uma cultura muito comum na sociedade globalizada em que vivemos. A eterna mania de ver o pior nos outros e não acreditarmos que as pessoas mereçam uma segunda chance.
(Detalhe: a polêmica que engoliu as intenções do filme em conseguir indicações para as principais categorias do Oscar e da temporada de prêmios em geral tem a ver com o fato da jornalista, no filme, trocar sexo por informação privilegiada sobre o caso. E é nesse momento - em tempos de feminismo ganhando espaço nas redes sociais e na internet, Me Too, etc - que a coisa começa a feder.
E fazendo aqui um aparte em defesa das mulheres que chegaram a rotular Clint de misógino e cruel, acredito que Eastwood queimou seu filme de graça aqui, pois vende a imagem de Kathy desde o primeiro fotograma como uma mulher promíscua, capaz de qualquer coisa para se dar bem. E só por isso já temos motivo suficiente para tomarmos cuidado ao analisar o projeto.
No final das contas, o que salvou o filme do eterno Dirty Harry de não cair no ostracismo e virar alvo de ativistas é o grande painel que ele construiu sobre os EUA controverso de hoje. Há um pouco de tudo aqui: a eterna mídia sensacionalista, que volta e meia bagunça a vida dos outros e, quando erra, não pede desculpas; a cultura viciante da hierarquia policial, não por estar preocupada em fazer justiça e averiguar os fatos, mas porque quer assumir o caso visando a fama; e a indústria dos ressentidos que adoram pegar volta e meia alguém para Cristo.
E Richard Jewell funciona bem como o Cristo da vez. Ele não se encaixa no padrão do que a sociedade americana gosta de vender como correto, como modelo. É gordo, nunca é levado a sério, mora com a mãe - para muitos, o suficiente para ser rotulado como um perdedor - e está sempre disponível (para o senso comum: disponível em excesso).
O monólogo final do personagem, quando enfrenta cara a cara o agente do FBI que quase destruiu sua vida, é extraordinário e mostra uma realidade nua e crua. Não é à toa que tão poucos ajudam no mundo, e tantos prefiram fugir, se esconder, virar a cara para o outro lado. No final das contas, parece que bandido é "aquele que faz a sua parte, que se preocupa, que toma uma atitude".
Logo, que país é esse que se esconde atrás de super-heróis e presidentes machões, mas adora varrer para debaixo do tapete a verdade sobre certas histórias contadas ao povo? Richard Jewell nada mais é do que um Lee Harvey Oswald aprimorado. Aquele que deve herdar a culpa para que não precisemos ir longe descobrir a verdade.
Mas vai ter gente por aqui dizendo que "não é bem assim", pois não tem recursos para formar uma opinião melhor do que essa.
P.S (e numa era cheia de politicamente correto e demagogos religiosos no Brasil, eu não posso terminar essa crítica sem dizer isso): você, cristão chato e que chama tudo de blasfêmia, que se incomodou com o título do meu texto, na boa... O problema é seu e só seu. Eu tenho mais o que fazer do que esperar a sua benção sobre tudo o que eu penso, digo ou escrevo. Anotou?
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