segunda-feira, 14 de outubro de 2019

O show business é um campo de batalha


Quando era mais novo e escutava as estações de rádio em casa (minhas preferidas eram a Rádio Cidade e a Rádio Fluminense, conhecida como a maldita) eu tinha a impressão, toda vez que ouvia um artista que considerava foda, na linha Marvin Gaye, Gal Costa, Ray Charles, Legião Urbana ou Led Zeppelin, que sucesso era sinônimo de talento e ponto final. E me parecia fácil àquela altura da vida entender o sucesso desses artistas. Eles eram soberbos na maneira como conduziam seu trabalho e ponto. Esse tempo - como tudo mais na vida - passou e comecei a formular outras impressões à medida que figuras insossas como Britney Spears ou Justin Bieber tomaram conta da parada de sucessos. E então entendi a duras penas que o conceito de mercado era mais importante do que qualquer outra coisa. 

Em outras palavras: o que interessa, de fato, para o show business é a maneira como o artista deve ser vendido e não aquilo que ele necessariamente produz em forma de arte. Aliás, arte? Vivemos tempos de entretenimento rasteiro e olhe lá! E quem não gosta disso, que vá embora, que desligue o rádio, que não compre mais nada.

Esta semana assisti um filme que certamente atrairá o público teen por razões completamente diferentes das minhas, pois eles certamente ficarão encantados com o mundo pop de celebridades efêmeras, construídas por uma mídia cada vez mais tendenciosa. Falo do longa Teen Spirit, do diretor Max Minghella, que me trouxe de volta ao pensamento a ideia do quanto a indústria cultural pode ser nociva, muitas vezes, para a vida das pessoas (e a grande maioria da população mundial nem se dá conta disso). 

Teen Spirit conta a história da jovem Violet (Elle Fanning, fantástica!), uma adolescente de vida difícil, que luta para pagar as contas da casa onde mora junto com a mãe. Ela não difere de muitas jovens brasileiras, moradoras de subúrbio ou de favela, daquelas que "vendem o almoço para comprar o jantar". Contudo, ela possui um talento: a voz. E muito provavelmente talvez essa virtude seja sua última chance de dar uma volta por cima. Por isso, se inscreve num desses muitos reality shows musicais tão na moda atualmente, com filas gigantescas e candidatos numa quantidade quase insuportável. 

E é nesse momento que o diretor faz com que o espectador se distancie por um breve momento da jovem e talentosa cantora para lhe apresentar a um mundo sórdido, de cartas muitas vezes marcadas, e onde o talento e a capacidade de cada um, na prática, é o que menos importa para que o estrelato seja atingido. E mais: no momento em que você, espectador lúcido, se depara com esse mercado não vai mais querer tirar os olhos de lá até entender todo o processo em questão. 

Os mais jovens certamente não darão bola para esse filme dentro do filme, mas é justamente esse aspecto que faz com que o filme fuja do clichê eterno em hollywood do artista bem sucedido e sua trajetória de glórias. 

De um lado Violet tem o apoio de Vlad (Zlatko Buric), um antigo cantor de ópera, que também viveu seus dias de glória no passado, mas acabou engolido pelo mesmo sistema sórdido que agora almeja devorar a jovem e talentosa "estrela". E o próprio conceito de estrela precisa, sim, ser colocado entre aspas para que os cinéfilos entendam o quanto essa fama é fabricada por agentes que vivem de inventar pessoas célebres. Do outro, ela precisa enfrentar as garras da ambiciosa empresária Jules (Rebecca Hall), que fará de tudo para enredá-la, colocando-a como mais um produto nas prateleiras das lojas de discos e nas turnês mundo afora. Para qual lado penderá, então, a balança da jovem Violet? O da ambição ou o da lucidez? 

Ao final da sessão, a sensação que me ficou foi a de um meio-termo incômodo. E isso, ao contrário do que possa parecer, é o que o filme de Minghella tem de mais interessante. Pois em qualquer produção sobre esse tema prefiro a inconclusão amarga do que uma reles love story bonitinha, repleta de clichês inverossímeis e casais apaixonados (coisa, por sinal, que o cinema americano adora vender).

Violet é como Rihanna, como Kate Perry, como Ellie Goulding, como Anitta e Ludmilla aqui no Brasil. Ou seja: um produto a ser vendido e mudado de tempos em tempos, segundo os gostos e parâmetros de um público vazio e pouco exigente. Com o avançar da carreira, recorrerá cada vez mais a seu corpo e menos à sua voz, como tantas divas em ascensão no showbiz desde que essa expressão existe no mundo.  

E Teen Spirit - assim como o The Voice, o X-Factor, o American Idol, e tantos outros "fabricantes de talentos" - é o retrato opaco de uma indústria fonográfica que deixou de produzir verdadeiras lendas da história da música (leia-se: Jimi Hendrix, The Who, Barry White, Stevie Wonder, Whitney Houston, etc etc etc) para perder tempo com rostinhos bonitos, corpos esculturais e conteúdo zero.

Logo, o resultado dessa equação disforme é: que grande filme. E, infelizmente, que indústria cultural escrota! 

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