Lembro da primeira vez que ouvi a banda Queen. Foi inebriante em todos os sentidos. A voz de Freddie Mercury, a guitarra de Brian May, a bateria de Roger Taylor, o delírio, a gritaria dos fãs (era o vídeo de um show em wembley). Lembro também da primeira vez que vi na MTV o clipe de "I want to break free", com Mercury vestido de mulher, saia de couro preta, camisa rosada, brincões. Achei um tapa na cara dos provocadores que atiçavam Freddie e sua opção sexual. Ousadia pura.
O Queen entrou na minha vida desde o primeiro minuto porque eu assim o quis. E mesmo assim lembro de "colegas" me perguntando se eu fazia parte da galerinha (em outras palavras: se eu também era gay e por isso gostava do grupo). Coitados! Não conseguiam curtir um artista além de suas vidas pessoais. Volta e meia reencontro com um ou outro, agora mais velhos. Estão ainda piores do que naquela época.
Pergunto-me o que eles iriam pensar se fossem ao cinema assistir ao longametragem Bohemian Rhapsody, de Bryan Singer (que mais uma vez prova ser um bom diretor quando não está realizando filmes de super-heróis, que o catapultaram à fama em hollywood). Pena que ele acabou demitido durante a produção, acusado de assédio por uma das muitas mulheres que andam apoiando o movimento Me too atualmente nos EUA.
Bohemian Rhapsody é um projeto que já nasceu polêmico. Seja pela maneira como a opção sexual do protagonista (vivido no longa pelo ótimo ator Rami Malek, mais conhecido aqui no Brasil pelo protagonista na série de tv Mr. Robot) seria abordada no longa, seja pela eterna mania de certos fãs de defenderem a ideia mordaz de que certas bandas são imortais e não devem ser transpostas para fora de seu cenário original (no caso, os palcos, turnês e festivais). Mesmo assim, Singer comprou a briga e realizou um filme no mínimo honesto (para os fãs mais exaltados) e no máximo uma viagem nostálgica (para aqueles que gostam de lembrar de momentos pontuais da carreira da banda).
Tudo aquilo que você espera de uma cinebiografia está presente aqui: A voz do vocalista do grupo preservada (não adianta: ninguém ia querer assistir o filme se fosse o ator mesmo cantando... Certas vozes são eternas!), as brigas entre os integrantes, os rachas com gravadoras (aqueles que viram o Queen passar por seus escritórios e mesmo assim o esnobaram), os relacionamentos amorosos envolvendo o protagonista, desde a musa original até os... aham... vocês sabem, as canções mais famosas e como cada uma delas entrou num momento preciso da vida daqueles quatro rapazes.
Isso sem esquecer, é claro, de quando a AIDS entra na vida de Mercury, tornando a jornada rumo ao sucesso um verdadeiro "andar pelo gelo fino" e a relação obsessiva com Paul Prenter, que quase levou ao fim da banda.
A grande apoteose de Bohemian Rhapsody é, sem dúvida, a recriação quase mediúnica do show feito pelo Queen no Live Aid em 1985, não deixando de lado momentos específicos que poderiam até ser suprimidos, mas que o diretor fez questão de mostrar para exemplificar o seu fascínio pela banda. Procurem no you tube o vídeo original da apresentação. Tenho certeza que ficarão boquiabertos.
Entretanto, os brasileiros sentirão uma pontada de orgulho ao ver a lembrança do coro no Rock in Rio (também em 1985) cantando "Love of my life" lado a lado com Freddie, outro daqueles momentos que nunca saíram da minha cabeça e que tornaram a história do rock n' roll certamente mais divertida e gratificante do que ela já é. Eu confesso que quase fui às lágrimas nessa hora, lembrando-me do dia em que a cena aconteceu.
Bohemian Rhapsody tem suas falhas (como toda cinebiografia que se preze), mas acerta no quesitos nostalgia e emoção. É um filme extremamente emotivo e joga com seu público durante todos os 134 minutos de projeção. Digo: se houvesse mais meia hora de filme, ainda assim eu não deixaria a peteca cair, não acharia exagerado. A banda tem sim história pra contar. E muita.
Saio do cinema pela segunda vez em pouco menos de um mês (a primeira foi com Nasce uma estrela, e o espetáculo oferecido pela cantora Lady Gaga) em êxtase e orgulhoso de saber que o gênero musical - que muitos consideram datado, ultrapassado, envelhecido - ainda tem garrafas a vender a seu público. Basta um realizador competente com uma boa história nas mãos e pessimismos podem sim ser varridos para debaixo do tapete. E esse parece ser exatamente o caso aqui. Fãs do grupo: não deixem de ir. Foi exatamente o que eu, fã do grupo há décadas, estava esperando.
Ah! Esqueci um detalhe importante: foram esses caras que me ensinaram a ser fã, que definiram a minha geração.
Nota: vejo no facebook comentários a respeito de pessoas que foram à sessões do filme e criticaram as cenas gays envolvendo Freddie Mercury. Meu Deus! O conservadorismo está acabando mesmo com o país. E além do mais o Queen sempre foi muito mais do que a opção sexual de seu vocalista. Pena que no Brasil, país que adora escândalos e picuinhas, muitos não entendam isso...
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