2025: falam de "censura", de "ditadura", da "falta de liberdade de expressão" (o que, na maioria das pessoas que falam, nada mais é do que "direito de esculachar o próximo a hora que quiser e não ser responsabilizado por isso"), falam até de "fim dos tempos". Só não conhecem mesmo a história do Brasil. Não querem nem ouvir falar. Ler pra quê, perda de tempo isso. Cultura? Conhecimento? Não serve pra nada essa joça.
Termino de assistir O Agente secreto, de Kleber Mendonça Filho, o filme mais aguardado do ano (pelo menos, para mim), dois prêmios no Festival de Cannes (Melhor diretor e ator, para Wagner Moura) e representante do Brasil à uma vaga no Oscar de melhor filme internacional do ano que vem. E mal os créditos começam a subir na tela, percebo de cara o quanto o Brasil é uma doença crônica, cujos sintomas só se acentuam, ganham novas dimensões com o passar do tempo.
1977: acompanhamos a jornada de Marcelo (Wagner Moura, fantástico!), um pesquisador concursado que precisa se esconder longe de sua cidade, pois perdeu o seu cargo e passou a ser perseguido por bater de frente com conflitos de interesse promovidos por uma parcela da classe empresarial que só consegue se enxergar como dona de tudo - e de todos - nesse país que adora passar pano para endinheirados e capitalistas tendenciosos. Pior do que isso: viu sua esposa sucumbir na mão dessas pessoas.
Ele encontra abrigo no prédio administrado por Dona Sebastiana (Tânia Maria, a maior revelação de todo o elenco). Ali, encontra outros "refugiados" e perseguidos pelo sistema, à espera de um passaporte que os tire do país. O maior sonho de Marcelo é ir embora do Brasil com seu filho, principalmente depois que descobre que sua cabeça está a prêmio. E o relógio que move seus pensamentos, corre à velocidade da luz.
Começa a trabalhar numa repartição onde é responsável pelo setor de arquivologia, que o coloca em contato com o pior da rotina policial daqueles tempos, e vê os desmandos e abusos de uma classe desaforada que adora acumular privilégios e se dizer de grande importância para a realidade nacional. Seu objetivo (melhor dizer: sonho) é muito claro. O problema mesmo é executá-lo. E aqueles que a priori poderiam ajudá-lo a conquistar tal desejo, parecem tão presos - ou mais - ao sistema do que ele.
O resultado? Terrível, não tenham a menor dúvida.
Kleber mescla folclore e cinzas numa narrativa poderosa de quase três horas, mas que em nenhum momento me cansou. Alia carnaval, a lenda urbana da perna cabeluda (que, segundo o mito pernambucano, matava pessoas à noite, nas ruas), referências cinematográficas, imagens de arquivo e um sentimento de niilismo atroz, que persegue o espectador a cada frame como uma faca na jugular.
Usei no título do post a expressão Brumário, que remete ao segundo mês do calendário revolucionário francês, que ia aproximadamente de 22 de outubro a 20 de novembro, mas no seu sentido original, que é o de neblina ou nevoeiro. Era exatamente esse o clima da época, repleto de tensões e informações ocultadas da população. Tudo, obviamente, repleto de incertezas incômodas e que ainda geram desgaste e incompreensão até os dias de hoje.
Muitos criticaram na internet o final escolhido pelo diretor. O chamaram de "frustrante", "decepcionante", "broxante"... Achei-o, na verdade, extremamente coerente com o período reconstituído (aliás, no quesito reconstituição, o longa é uma joia rara - e como é bom ver alguém que sabe trabalhar com a ideia de passado de forma tão lúcida). Muita coisa foi destruída, desmentida, estraçalhada, após o fim do regime cívico-militar. Logo, querer ver todo o desfecho esmiuçado, mastigado, com início, meio e fim nos seus devidos lugares, naqueles tempos, era uma tarefa quase impossível.
Na verdade, o que Kleber Mendonça entrega aos seus espectadores é o mesmo que os militares da época entregaram aos familiares de quem morreu no período: praticamente um ponto de interrogação, um "se vira" para decifrar essa maracutaia toda. E nisso ele foi impecável. Se O Agente secreto chegará ao Oscar ou não, não faço ideia (e ainda é muito cedo para sabermos). Mas que o longa definitivamente merece o seu lugar ao sol, ah merece! E muito! Agora vão lá vocês assistir e tirem suas próprias conclusões.