quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Um regresso aos bons tempos de leitor de gibi


Na carência  - e ela anda em alta ultimamente - de boas ideias e eventos culturais interessantes a comentar, deparo-me com alguns exemplares pocket de Striptiras, do cartunista Laerte, sendo vendidos a preço de banana (e compro todos, é lógico!). Uma coisa que aprendi com sebos e feiras de livros é não deixar as grandes oportunidades passarem...

E não que voltei no tempo coisa de umas duas décadas e me relembrei dos dias em que ia à Madureira, subúrbio do RJ, num antigo sebo num subsolo da loja Ultralar & Lazer, para comprar ou trocar quadrinhos sempre que me desse na telha? Pois é.

Striptiras é caos puro, mas no melhor sentido da palavra. É sempre delicioso ler as tirinhas de Laerte e se deparar (de novo e de novo e novamente) com seu humor ácido, com seu traço típico, com sua verve e coragem típicas. Nada parece estar em seu lugar, mas ao mesmo tempo nós, leitores, no fundo, não queremos que esteja. Pois, do contrário, não testemunharemos sua genialidade. 

Gato & Gata (e sua love story que tinha tudo - absolutamente tudo - para ser impossível), o Zelador (e sua eterna incapacidade de ser minimamente profissional), Virgínia Helena (segundo Laerte, a última beldade da história das HQs brazucas), Fagundes (o puxa-saco de mão cheia), Grafiteiro (o detonador do futuro) e tantos outros personagens icônicos que nunca caberão no discurso do politicamente correto de hoje em dia. 

E foi essa justamente a questão que me fez querer relê-los: onde foi parar o underground carioca, a cara de pau dos que desafiavam o sistema e as convenções sociais? Por que é tão difícil encontrar 10% disso na atual cultura carioca? Onde foi parar os culhões dessa gente contemporânea? Enfim... Que bom que nos resta o passado e sua eterna capacidade de esbarrar em nós de tempos em tempos, para lembrarmos do que valia a pena!

P.S: fiquei com vontade de reler Febeapá, do Stanislaw Ponte Preta, também. Será que encontro fácil para comprar (mesmo de segunda mão)?   


domingo, 8 de dezembro de 2024

30 anos sem o maestro


Eu não sei explicar com exatidão o que certos artistas possuem que os tornam tão ímpares, e mesmo assim eles o são. Talvez seja sua capacidade de encantarem o mundo fazendo o simples, porém bem feito (e digo isso em tempos de MPB e world music cada dia mais vulgar e tatibitate). De certeza, mesmo, apenas uma: Tom Jobim, que este ano completa três décadas de falecido, faz parte desse seleto grupo. 

E infeliz daquele ouvinte que crê que ele é apenas o autor de "Garota de Ipanema", um clássico do nosso cancioneiro para qualquer fã de boa música que se preze!

Tom cantou, compôs, arranjou, e encantou - muito. Não somente aos fãs da Bossa Nova (da qual fez parte ao lado de João Gilberto, Vinícius de Morais e outras feras), mas de todas as tribos e gerações. 

Quando parecia ter se realizado definitivamente, veio o show no Carnegie Hill, a ida para os EUA, as gravações com Frank Sinatra e o restante do mundo, que se tornou estreito demais para explicá-lo. Fez trilhas sonoras para longas americanos, foi regravado por artistas internacionais os mais diversos, foi enredo da escola de samba Estação primeira de Mangueira (em 1992) e, principalmente, se tornou uma marca registrada dentro da música popular brasileira.

Para aqueles que não conhecem nada sobre o artista (o que, desde já, vou logo dizendo: é uma lástima), faço duas belas sugestões: 1) o documentário A Música segundo Tom Jobim, de Nelson Pereira dos Santos (2012), que traz um interessante conjunto do repertório desse gênio, tendo como intérpretes vozes mundo afora; e 2) o disco antológico Elis & Tom (1974), que completou cinco décadas de existência - e deslumbre - esse ano. 

Aposto que depois de apreciarem essa dupla magistral, vão querer saber ainda mais sobre esse mestre da música brazuca.

Termino este breve post pensando no quanto a partida do maestro e o passar das décadas só fez empobrecer ainda mais o nosso mercado fonográfico, cada vez mais refém de modinhas, dancinhas, artistas fúteis, caras e bocas desnecessárias e uma indústria vazia e extremamente apelativa do ponto de vista sexual. Uma pena. 

Já tivemos uma das melhores músicas do mundo e deem uma boa olhada no sobrou, no que o mercado transformou em cultura... 


quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Cérebro podre? Sim... pra dar e vender


Milhões de cérebros danificados ou comprometidos pela cultura nociva do "eu acho" ou do "isso deve ser verdade, eu quero que seja verdade e ponto final...". Assim chegou à conclusão o Dicionário Oxford em 2024 ao escolher "brain rot" como a palavra do ano. E honestamente... acho que acertaram em cheio!

Mas o que significa "brain rot"? É algo, mais ou menos, como cérebro podre ou podridão cerebral. Mas com um adendo: o cérebro em questão apodrece por conta das notícias inúteis (fake news, junk literature, etc) consumidas sem critério ano após ano e formando uma sociedade altamente imbecilizante, mas cheia de marra.

Acreditem: o caso é bem mais grave do que sonha a nossa vã filosofia (e a de Shakespeare, claro!, também). Nunca estivemos diante de uma revolução dos idiotas - como já bem disse, no passado, o dramaturgo Nelson Rodrigues - tão grande quanto a atual. Não mesmo.

O amigo inseparável deles? O telefone celular, principal responsável pela propagação de toneladas indecentes de um contéudo de péssimo gosto, de baixo calão e, muitas vezes, sem o menor comprometimento com a verdade, que dirá com a opinião pública. Vivemos, isso sim, a era do que existe de mais fajuto, inventado e sem valor da história da humanidade. E ainda gargalhamos diante disso tudo. 

Lembram-se da gangue liderada por Malcolm McDowell em Laranja mecânica, de Stanley Kubrick, com aqueles imbecis saindo às ruas para tocar o rebu, quebrar, matar, indiscriminadamente? Então... Viramos uma versão online, confinada, mais covarde disso, mas não menos letal. E é preciso que fiquemos de olhos abertos, atentos. Porque o futuro promete algo ainda pior no radar, a dependermos de certas figuras públicas degradantes. 

Por ora só nos resta... o quê, no final das contas? rezar? aguardar? por quanto tempo? Olha! eu não faço (mesmo) a menor ideia. De concreto mesmo é que o mundo parece ter enlouquecido de vez.


sábado, 30 de novembro de 2024

Quarentona porralôca


Muito antes dos nerds começarem a encher o saco do resto da humanidade e os fãs de filmes de super-heróis passarem a acreditar que ditam a produção cinematográfica do mundo, uma doidivanas, quarentona, alcoólatra, ninfomaníaca, desbocada e desprovida de bom senso, já provocava o senso comum com suas tiradas cheias de desejo e malícia.

De quem falo? Da Rê Bordosa, claro! Criação do mestre Angeli para a antiga revista Chiclete com banana, suprassumo do underground carioca nos anos 1980. E não é que a própria personagem completou quatro décadas de existência? Bom saber disso. 

Rê Bordosa, bem como a grande maioria dos personagens desse segmento (e eu não vou citar todos eles aqui, pois somente mencioná-los já renderia um livro best-seller; por ora fique em mente com a seguinte informação: procure saber mais sobre Angeli, Aroeira, Laerte e toda aquela rapaziada abusada das HQs independentes) era fruto de uma época bem mais corajosa do que a atual. 

Naqueles dias em que a redemocratização começava a dar as caras e se expressar já não era mais um problema, essa mulher escancarou os limites do sexo e do erotismo. Prova viva de sua coragem é que até a roqueira Rita Lee chegou a ser a voz da personagem (refiro-me ao longa animado Wood & Stock: sexo, orégano e rock'n'roll, de Otto Guerra). 

Era ótimo poder concordar com Rê Bordosa, mas ainda melhor discordar dela. A moça não tinha papas na língua e enfrentava quem quer que fosse em nome da sua liberdade (e, por que não dizer também?, libertinagem). Nunca sabíamos o que esperar dela, qual seria sua próxima artimanha, e esse era o maior sex appeal da personagem. 

Ela também fez história no teatro, com o espetáculo "Rê Bordosa, o ocaso de uma doida" (1995), co-escrita por Betty Erthal - que interpretou a eterna desbocada - com Angeli. Dois anos depois, um novo projeto - "Rê Bordosa, vida e morte de uma porralôca" foi realizado, mas o manuscrito permanece inédito até hoje. Uma pena! 

E a chegada de mais essa quarentona me faz pensar - de novo - no quanto o tempo avança de forma assustadora e no quanto este projeto de colunista envelheceu. Mas, mesmo assim, é bom demais relembrar de uma época mais interessante do que os atuais (e indigestos) dias!  


quinta-feira, 28 de novembro de 2024

O último natal? Que seja, pelo amor de Deus!


Vem aí mais um especial de fim de ano do Roberto Carlos na Rede Globo... É sério? Sim, infelizmente. Não tinham comentado nas redes sociais que o do ano passado era o último, por conta da pífia audiência e repercussão? Pois é, mas... Não. Vai ter mais um. Mas dizem (leia-se: quem assistiu a gravação no Allianz Parque) que desta vez tem um clima de despedida.

Tomara.

O especial de fim de ano do Roberto Carlos na Rede Globo é uma história que já tem cinco décadas de existência e, cá entre nós, já poderia ter chegado ao seu término há, pelo menos, 10 anos. No barato. 

Roberto Carlos já foi (e eu empreguei o verbo no passado, não se esqueçam!) o rei da jovem guarda, há quem diga da MPB. Também já foi o maior vendedor de discos do país, líder em direitos autorais no ECAD por décadas. E muito por conta disso foi, por anos, um grande negócio para a emissora exibir seus shows na época natalina. 

Contudo, o tempo passou - e ele sempre passa numa velocidade e direção diferentes da que gostaríamos -, a MPB ganhou uma nova cara (não necessariamente mais interessante; na verdade, mais escrachada, vazia até) e ele, Roberto, angariou uma má fama em decorrência de suas próprias escolhas de vida. Vide o famigerado caso da biografia proibida.

Durante anos, acompanhamos o cantor e compositor de sucessos como "Emoções", "Sentado à beira do caminho", Cavalgada", "Café da manhã" e "Jesus Cristo", entre outros inúmeros hits, recebendo seus convidados (a nata da mesma MPB a qual ele foi rei) em apresentações, digamos, tradicionais. 

O problema? O mundo do show business e da classe artística hoje está na contramão do que vende Roberto Carlos. Vivemos a estética das multidões (como bem escreve o intelectual Pierre Bordieu), dos megafestivais, de preços extorsivos e estruturas astronômicas. Nunca foi tão difícil encontrar um show simples como agora. E Roberto quer permanecer clássico numa era em que o gigantesco fala mais alto. 

Resultado: seu programa chega ao ocaso refém da mesmice, da cafonice e não assimilando o que as novas gerações querem receber. Logo, melhor parar. Que seja agora, em 2024, fechando uma data redonda. E que vá cuidar da vida - e da fortuna - que acumulou ao longo da carreira. Acreditem: será bem mais sensato da parte dele. 


domingo, 24 de novembro de 2024

A bomba atômica ainda não foi desmontada


Vejo matéria no jornal comentando, no último dia 22, as duas décadas de How to dismantle an atomic bomb, do U2. É o último álbum da banda que eu realmente gostei (na verdade: que eu embarquei como um todo). E, lógico, que eu precisava comentar algo aqui.

A banda abre o trabalho avassaladoramente com "Vertigo" (e naquela época eles, de fato, pareciam viver uma grande vertigem musical, diferentemente do que veio depois, a chatice ideológica, os discursos engajados, a música sonolenta, as turnês milionárias e óbvias em excesso, etc).

Com "Miracle drug", Bono diz que quer viajar dentro de nossa cabeça e passar o dia lá... e parece, por um momento, conseguir. Diz mais. Que as canções estão no nossos olhos. E eu me lembro dos maiores hits da banda ao longo da carreira, e penso: "é verdade, eles ainda estão comigo!".

Já em "Love and peace or else" temos um quase libelo anti-guerra, anti-violência. A banda diz que precisamos de paz e amor (já se passaram 20 anos e ainda precisamos, Palestina e Ucrânia que o digam!). Ao fim perguntam, quase no desespero: "Onde está o amor?". Como eu gostaria de saber, meus amigos...

"City of blinding lights" é outra pedrada na fuça. É a minha favorita do disco. Se na canção anterior eles perguntam sobre o amor, aqui querem saber o que aconteceu com a beleza que tinha dentro deles. "Foi a globalização e a falta de tato que fez tudo sumir, gente! Infelizmente..."

A partir de "All because of you", o grupo já pegou a manha, já entendeu o que precisa fazer para manter o nível de interesse do ouvinte. E faz isso de um jeito ímpar (algo que se perdeu nos últimos anos, confesso). E vale uma conferida, com carinho, também em "Crumbs from your table", "Original of the species", "Yahweh" e "Fast cars". Elas merecem a sua atenção.

Ao fim da audição um sentimento de saudade profunda. O U2, infelizmente, hoje não é mais esse. Uma pena! Mas, contudo, penso: "faz parte da história de todas as bandas esse distanciamento. O melhor sempre fica pelo meio do caminho. A própria música pop não é mais a mesma. Na verdade, virou um arremedo de cultura. E isso também é muito triste. 

As bombas atômicas continuam em voga, não foram desmontadas. Pelo contrário... Há até imbecis que se mobilizam por uma terceira guerra mundial (tudo que o mundo, em tempos de aquecimento global, inteligência artificial e fake news, não precisa - mesmo!). Ainda bem que ainda é possível ouvir de novo a mensagem desse álbum poderoso. 

Que ele permaneça vivo em tempos de caos e hipocrisia. 


quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Acredite se quiser!


O mundo da arte, infelizmente, se rendeu ao mercado nocivo das provocações, das criações inúteis, dos artistas como sinônimo de escandalizar ou tirar sarro da cara da sociedade contemporânea. E não bastasse tudo isso ainda somos convidados a aplaudir esse circo dos horrores segundo a visão torpe do mundo opaco da internet e das redes sociais, com comentários vazios, levianos, voltados única e exclusivamente para o consumo barato. 

Pego-me estupefato com a notícia de que "a arte da banana" (é assim que se referem a ela no google), obra conceitual do italiano Maurizio Cattelan, foi vendida por R$ 35 milhões em um leilão. Mais do que isso: que haviam 7 (sete) compradores disputando ela com unhas e dentes. 

A obra em questão não passa de uma reles banana presa a uma parede por uma fita isolante, como visto na foto acima. Detalhe: a peça chegou a ser mordida duas vezes enquanto exposta, por pessoas que pensavam se tratar de uma reles fruta para ser consumida no ato. Sim, é bizarro, eu sei...

E se levarmos em consideração que Vik Muniz já transformou lixo em quadros famosos (vejam, quando puderem, o documentário Lixo extraordinário) e Damien Hirst usou fezes de morcego e serrou animais em seus "experimentos", pergunto-me: o que sobrou de lúcido ou, ao menos, de inventivo nas chamadas artes visuais?

Andy Wahrol tornou a banana famosa no passado, bem como Carmen Miranda. E acho praticamente impossível dissociar a imagem da fruta do icônico álbum da banda de rock Velvet Underground. Logo, nada mais justo - na visão de artistas e marchands, é lógico - que Cattelan ousasse ainda mais e a transformasse num objeto ainda mais valioso e cobiçado. 

Tristes tempos esses em que vivemos no qual o fútil virou objeto de luxo extorsivo para agradar a burgueses imbeciloides e seus sonhos de consumo cada vez mais atrozes...