Fiquei pasmo com a notícia do falecimento da escritora e atriz Fernanda Young. E pior: ela faleceu aos 49 anos, praticamente no auge da sua vida e carreira. A princípio fiquei matutando se ela merecia um artigo aqui na minha série de obituários pelo fato de não conhecer tanto assim de sua obra e não considero ela um pilar indispensável na minha formação cultural. Entretanto, ela possuía algo em sua identidade cultural que me agradava: escrevia sobre o nonsense, o submundo, sobre pessoas que normalmente não vemos com frequência na programação televisiva e mesmo nas ruas.
Então pensei de novo e disse: por que não?
Muito do que conheço a respeito do trabalho e da carreira de Fernanda está registrado em sua série mais famosa, Os normais, que fez muita gente ficar acordada até de madrugada na frente da tv. Seus protagonistas, Rui (Luíz Fernando Guimarães) e Vani (Fernanda Torres), são o estereótipo do casal brasileiro classe média que finge estar na boa, mas na verdade, está cheio de dilemas morais e conflitos povoando a sua cabeça - e também suas decisões.
Foi por causa da série que procurei seus livros e logo de cara fiquei interessado por dois deles: Aritmética, provavelmente seu romance mais desafiador, e Tudo o que você não soube, que praticamente caiu na minha frente de uma das prateleiras da biblioteca pública da qual era sócio quando morava no Méier. E imediatamente entendi que ela era gosto adquirido (ou você gosta ou odeia, com a mesma intensidade) e não uma ficcionista best-seller, dessas de quem se fala em todos os lugares, outdoors, sites na internet, banners em ônibus, etc, o tempo todo.
Ainda tem muita coisa dela que eu quero ler (aqui mesmo, em casa, estou com um exemplar de Pós-F: para além do masculino e do feminino, que encontrei na promoção numa das lojas da saraiva outro dia desses, mas ainda não abri), mas desde já adianto: é preciso ter coragem para lê-la. Fernanda não agrada a moralistas e religiosos enfadonhos.
Vejo muita gente falando sobre ela nos sites que anunciam sua morte, se referindo a sua persona criadora como "polêmica", "de humor ácido", "extrovertida", "anticonvencional". São excelentes interpretações para uma mulher que sempre deixou claro que preferia andar na contramão do sistema. Fernanda não escrevia sobre o óbvio, porque isso não lhe interessava (aliás: a mim também não).
Até mesmo quando posou nua para a Playboy polemizou, seja por seu corpo repleto de tatuagens, seja por seu discurso forte, sem rodeios, sem a intenção de agradar a todo mundo. Quando apresentava na tv a cabo o programa Irritando Fernanda Young nunca perdia a chance de colocar seus entrevistados contra a parede, de forma extremamente inteligente e versátil. Em outras palavras: rompeu com o padrão do que conhecemos como talk show e certos entrevistadores monótonos.
Vocês devem estar pensando: "para quem disse que não conhecia tanto a respeito do trabalho dela, você a viu fazendo muita coisa, não é mesmo? À primeira vista pode parecer exatamente isso, mas na verdade isso reflete a força e a intensidade de seu trabalho, na tv e no cinema. Fernanda não enfeitava o pavão (como costumo dizer a respeito de certos "escritores" que andam na moda atualmente). Ela era direta, sabia escrachar quando necessário e não era devota do discurso politicamente correto tão em voga na nossa arte e cultura atualmente.
Chego ao fim deste texto mais uma vez triste porque nosso mercado editorial perde uma de suas figuras mais loucas, ímpares, autênticas, espontâneas. E isso num país que vem encaretando de forma agressiva nos últimos anos é quase um tapa na cara dos verdadeiros leitores e amantes de boas histórias!
Fica em paz, minha querida! E continue produzindo suas "polêmicas" aí em cima. O país e o mundo anda precisando MUITO delas.