domingo, 17 de abril de 2022

O exército de um homem só


Quem, como eu, foi testemunha ocular do cinema americano que era feito nos anos 1980 sabe a quantidade de arquétipos e estereótipos que hollywood criou para manter viva a cultura brucutu daqueles tempos. Arqueólogos destemidos, rebeldes sem causa, pugilistas imbatíveis, lutadores das mais variadas artes marciais, etc etc (e haja etc). 

Era bastante comum naquele período a expressão "exército de um homem só" para se referir a esses protagonistas avassaladores que nenhuma força da natureza ou forças armadas era capaz de destruir. E a geração músculos estava repleta de versões as mais variadas dentro deste perfil (Dolph Lundgren, Arnold Schwarzenneger e Bruce Willis, entre tantos outros, que o digam). 

Entretanto, nenhum deles a meu ver conseguiu construir a mesma imagem que Sylvester Stallone carregou por toda a carreira. E muito disso se deve à Rambo: programado para matar, de Ted Kotcheff, que completa quatro décadas de existência agora em 2022. O garanhão italiano - como é bastante conhecido até hoje - já era famoso pelo personagem Rocky Balboa quando deu vida nas telas ao ex-boina verde acometido pelo stress pós-traumático por conta do conflito na guerra do Vietnã, mas foi aqui que ele construiu sua lenda. 

A história de John Rambo não tinha (e ainda não tem) nada de excepcional para os padrões da época: ele regressa à cidade de Hope, em Washington, após o fim da guerra para reencontrar um amigo de farda e acaba descobrindo que todo o seu pelotão morreu após voltar do conflito. Se depara com o xerife linha-dura Teasle (Brian Dennehy), que o vê como um reles vagabundo e perigoso, tudo porque ele porta uma faca e está andando a esmo pela cidade. É espancado, torturado, humilhado, se revolta e foge. 

Porém, dessa perseguição policial é despertado um gatilho para que uma nova guerra aconteça, agora dentro da sua mente. E as consequências desse novo combate são certamente catastróficas. 

A produção do longa por si só já renderia um filme próprio, cheio de lendas urbanas as mais diversas. O projeto, segundo declaração de pessoas que participaram da pré-produção, chegou a ter 26 versões diferentes de roteiro (a obra original é de autoria do escritor David Morrell) até que o próprio Stallone escrevesse a versão final. E o corte inicial, que tinha mais de três horas de duração, foi rechaçado pelo astro, que cogitou a possibilidade de comprar os direitos para destruir a cópia, que acabou sendo reeditada até ficar com os 93 minutos de projeção finais. 

Ted Kotcheff não foi a primeira escolha para dirigir o longa, que quase teve na cadeira de diretor nomes como Mike Nichols (de A primeira noite de um homem), Sydney Pollack (de Entre dois amores) e George Miller (responsável pelo sucesso de bilheteria Mad Max, com Mel Gibson).

Já quando o assunto é elenco a empreitada ficou ainda mais trabalhosa. Vários atores foram cogitados para interpretar John Rambo, dentre eles Clint Eastwood, Robert de Niro, Al Pacino, Kris Kristofferson, Chuck Norris, James Garner, Dustin Hoffman, John Travolta, Ryan O' Neal, Paul Newman e Jeff Bridges. O ator Gene Hackman chegou a fazer teste para interpretar o Xerife Teasle, mas acabou abandonando a produção. Já os atores Kirk Douglas, Rock Hudson e Lee Marvin foram cogitados para interpretar o Coronel Trautman, personagem que acabou sendo vivido pelo ator Richard Crenna. 

E por falar no Coronel Trautman, ele é a voz da consciência de Rambo, o único homem capaz de realmente entender o que se passa em sua mente perturbada e trazê-lo de volta à razão, quando possível. E é nesse momento que ele e Teasle se desentendem, pois têm opiniões discordantes acerca do país, do que consideram patriotismo e do papel da violência na atual sociedade americana.

Considero o monólogo final do soldado, quando ele desabafa sobre o que foi a guerra do Vietnã e o que os Estados Unidos se tornaram depois do conflito, uma das melhores sequências da história do cinema americano e uma prova mais do que irrefutável do talento de Stallone, que sempre foi visto pela crítica como um reles brutamontes. E o legado que o filme deixou para as gerações posteriores está intacto até hoje, tanto que hollywood nunca encontrou um sucessor para o personagem.

O que faltou dizer depois de toda essa singela homenagem de minha parte? Que o cinema de ação feito hoje não chega no calcanhar do que realizaram aqui. Difícil é fazer os atuais cinéfilos ofuscados pelo mundo nonsense da Marvel e da DC entenderem isso!


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