sábado, 14 de setembro de 2019

Não era apenas um garoto de Seattle


O mundo do rock é famoso por ícones desajustados, fora da zona de conforto, e por fãs que muitas vezes enxergam além dos fatos e da própria fama, criando em alguns casos "monstros ideológicos" que por mais que você, leitor, seja fã, não consegue entender o porquê de tanto fanatismo por trás de certas figuras midiáticas. Kurt Cobain, vocalista da banda Nirvana, morto em 1994 aos 27 anos, é a meu ver um dos melhores exemplos dessa paranoia sensacionalista que rege o mundo do show business.

Termino de assistir Cobain: montage of heck, documentário de Brett Morgan realizado em 2015 e que traz um mosaico de referências e entrevistas com parentes e amigos do cantor, visando entendermos a mente complexa por trás do rockstar responsável por hits como "smells like teen spirit" e "come as you are". Quando exibido nos cinemas por aqui não consegui assistí-lo, muito por conta do exagero em termos de paixão provocado pelos fãs da banda, que praticamente compraram todos os ingressos disponíveis na época. Contudo, para minha sorte, deparo-me com um dvd do filme esquecido numa das prateleiras das Lojas Americanas (sim, às vezes cinéfilos também precisam ter sorte!). 

Cobain: montage of heck é o retrato vivo e turbulento de uma da mentes mais criativas - segundo os depoimentos dados no doc - da década de 1990, e visto por muitos como "o último gênio da história do rock n' roll". Honestamente? Não acho para tanto. Nunca considerei Kurt Cobain um dos maiores da história no gênero e digo mais: após sua morte e todas as leituras que fiz sobre ele, considero-o mais um subversivo do que um artista. Vai ter gente me chamando de maluco por aqui, mas sorry! estou sendo profundamente honesto. 

Kurt foi um garoto de Seattle extremamente hiperativo (palavra dos próprios familiares) e estava sempre procurando uma forma de canalizar sua energia para algo construtivo. Acabou por escolher o rock que, cá entre nós, responde bem a seu temperamento por vezes nonsense, por vezes anárquico. Contudo, segundo suas próprias declarações no filme, não se via como uma figura ícone de uma década e não gostava da ideia de ser porta-voz de uma geração adolescente descrente com os rumos da América (tanto que por várias vezes questionou o governo Reagan não para usar sua fama num contexto político ou para angariar elogios, mas simplesmente porque discordava do caminho político proposto por ele). 

Em meio a vídeos de seriados antigos e desenhos bizarros da lavra do próprio artista (aliás: Cobain era fascinado por tudo aquilo que flertava com o mórbido e o sobrenatural, e deixava isso claro até na maneira como cantava: sua voz era praticamente um grito, um grunido) vemos um roqueiro fascinado pelo conceito de distorção. Ouçam, quando puderem, o álbum Nevermind e entenderão o que estou dizendo. Ele está repleto de sons guturais e berros ensandecidos, que viraram meio que a marca registrada do vocalista do Nirvana. 

Por sinal, o próprio nome da banda reflete muito da personalidade do cantor. A palavra, que dentre muitos outros significados, representa "estado de libertação", dialoga como poucas para entendermos o estado irrequieto de Kurt, que todas as vezes que eu via se apresentar em clipes na MTV me passava uma ideia de eterno descontente com a vida e com aquilo que chamamos rotineiramente de rotina. 

Em outras palavras: Kurt Cobain era um dínamo que não conseguia ficar parado mesmo que quisesse. Havia sempre algo o movendo para frente, numa quase velocidade da luz. 

A partir do momento em que seu relacionamento conturbado com Courtney Love exerce protagonismo na película vemos a mudança de comportamento do cantor mudar. É o começo de sua derrocada, do físico debilitado, de seus exageros no palco. Não é à toa que muitos fãs até hoje a considerem a verdadeira responsável pela morte do artista (e só para se ter uma ideia do clima: há sites e teorias na internet que explicam com riqueza de detalhes sua participação no "crime"). 

Polêmicas à parte, uma coisa é certa: os fãs irão se deliciar ao som das apresentações catárticas e das imagens de arquivo guardadas pela família, mostrando momentos da carreira que os fãs normalmente não teriam acesso. Nesse sentido, o longa é um colírio para os olhos. 

Se por um lado continuo não colocando Kurt Cobain e o Nirvana no meu hall da fama do rock n' roll por considerá-los excêntricos em demasia para o meu gosto, por outro entendo todo o delírio e a alienação criados pela indústria cultural para transformá-lo num quase gênero musical. E mesmo sua presença naquela famigerada lista - praticamente uma lenda urbana - dos astros mortos aos 27 anos (juntos com Janis Joplin, Amy Winehouse, Jimi Hendrix, entre outros) é apenas uma mera cereja no bolo. Cobain vende como imagem até hoje e a indústria fonográfica agradece, é claro! 

Lembram quando eu disse no quarto parágrafo que "Kurt foi um garoto de Seattle..."? Talvez para as pessoas normais e aqueles que não são fãs de rock essa definição baste. Mas na prática ele não foi somente isso. Kurt Cobain é uma figura do showbiz que ainda não foi totalmente decifrada. E talvez nunca venha a ser. E essa, por incrível que pareça, é sua melhor característica. Tanto que os fãs continuam falando dele até hoje.

Fenômeno. Invenção midiática. Gênio. Nunca saberemos até onde ele poderia ter chegado (se teria chegado). E não adianta chorar sobre o leite derramado. Já foi. Só nos resta, no final das contas, acompanhar o que sobrou: seu legado musical. 

E torcer para que um dia essa dúvida possa ser respondida.

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