Outro dia desses me peguei conversando sozinho no meio da sala de casa (e eu tenho feito muito isso nos últimos anos!) e cheguei a uma conclusão óbvia, mas incômoda: é nítido, pelo menos para mim, que a sociedade contemporânea se comporta neste primeiro quinto do século XXI como se o mundo fosse uma grande festa que nunca termina. Podem me chamar de maluco se quiserem, mas isso é um fato: nunca antes na história da humanidade tratamos a vida como uma grande celebração sem hora para acabar como fazemos hoje em dia.
Por onde quer que se olhe vemos raves em praias da zona sul carioca repletas de adolescentes viciados em ecstasy e dançando, quase em catarse, ao som de músicas eletrônicas que mais parecem lobotomizar as mentes desses frequentadores (tenho um colega que defende a ideia de que o Ministério Público deveria investigar de perto essas "festas" e, honestamente, não discordo dele). Em outros países proliferam festivais de música, regados a adrenalina, tumultos e, de vez em quando, até terroristas atirando contra a plateia. Nos chamados reality shows os dias de maior audiência do público são aqueles em que as festas acontecem noite adentro, com muito bebida, dj tocando música alta e sabe-se lá Deus mais o quê. E isso para ficar apenas no óbvio, porque o contexto é bem mais amplo do que isso.
Não se trata apenas de modismo ou diversão. Não, meus caros amigos e leitores! É um estilo de vida. Um modus operandi para que segmentos da sociedade não se comprometam com aquilo que nós, seres normais, costumávamos chamar de vida real. Você sabe: trabalhar, pagar a contas, etc. Em entrevista antiga para o programa Sem Censura o cantor Guilherme Arantes falou sobre isso e ficou meio estarrecido ao perceber o nível de alienação e desinteresse da humanidade por qualquer coisa que tenha a mínima relevância para o mundo. Caro, Guilherme! Você não é o único...
Esta semana enfim consegui assistir Clímax, do provocador e diretor de cinema argentino Gaspar Noé (de filmes polêmicos como Irreversível e Enter the void) e fiquei pensando mais uma vez no quanto estamos caminhando para uma sodoma e gomorra de proporções surreais. Em algum momento, por mais triste que seja dizer isto, a sociedade descarrilou do tempo e espaço e hoje encontra-se perdida, sem referenciais ou jornadas a serem seguidas. Pior: ainda por cima se orgulha disso e vende tal atitude como a mais acertada para sobreviver ao dia ao dia.
O longa conta a história de um grupo de dançarinos que se reúnem num prédio para festejar. O quê, exatamente, não fica bem claro (e esta não é a questão que move o roteiro da história). O que importa mesmo é a pista de dança. E lá que eles são os reis da noite, liberam suas endorfinas, podem ser livres como em nenhum outro lugar. Antes de suas apresentações, eles confessam em entrevistas o que a dança representa para eles. E, em alguns casos, há quem diga que até se mataria se ela não fizesse parte da sua vida.
O grupo - é bom que se diga em sua defesa - é talentoso e sabe fazer aquilo à que se pretende. Porém, entre uma dança e outra, conversam, expõem suas mazelas, seus preconceitos, seu sexismo, sua vontade de serem melhores do que realmente são. Em outras palavras: expurgam o niilismo de uma geração que não tem de fato para onde ir, daí a necessidade da dança como mecanismo de defesa para enfrentar o mundo selvagem lá fora.
O problema: a acusação de que a bebida da festa teria sido batizada com LSD promove uma retomada nas intenções do grupo naquele lugar. E a partir do momento em que os primeiros dançarinos começam a demonstrar sintomas de que algo não está bem, o que vemos a seguir é uma grande metonímia para entendermos o que está acontecendo com a humanidade neste século.
Brigas sem sentido, rivalidades amorosas, discussões entre familiares, a excitação tomando um viés incontrolável, uma mãe que tranca seu próprio filho pequeno numa sala onde ficam os disjuntores do prédio (aliás, quem realiza uma festa deste porte enquanto toma conta do filho de, o quê, 8, 9 anos? e foi quando me dei conta deste aspecto que comecei a entender no que se transformaria este cenário, até então, divertido), correria, em suma, gente enlouquecendo da maneira mais gratuita e bárbara.
Clímax guarda em si uma estrutura narrativa que me lembrou dos longametragens Ensaio sobre a cegueira, de Fernando Meirelles e Mãe!, de Darren Aronofsky. A diferença é que, enquanto no primeiro os personagens estão cegos por uma circunstância misteriosa - chamada de treva branca -, e no segundo o que motiva a barbárie e o desespero humano é a falta de religiosidade, aqui o que vemos é um escolha de vida que visa unicamente parâmetros estéticos. E me pego refletindo: que mundo é este em que a derrota e a miséria humana têm o semblante do entretenimento?
Por fim, o que vemos é um mundo de ponta a cabeça (e isso é mostrado de forma inteligente pelo diretor) com "sobreviventes" que mais parecem animais estilizados, reagindo instintualmente ao invés de pensar de forma lógica.
A grande mensagem que Gaspar Noé deixa para este que vos escreve é: espero que a sociedade como a conhecemos acorde. O quanto antes. Estamos nos transformando numa espécie de idiocracia movida a prazeres efêmeros e alucinógenos, onde o conceito de lucidez deu lugar a um apetite voraz por tudo aquilo que é polêmico, proibido e carnal. E a continuarmos por esta trilha nonsense só nos restará reconhecer que enlouquecemos de vez e desistir do lugar onde vivemos, pois não haverá mais nada pelo que as próximas gerações possam lutar.
P.S: desde já adianto: eu não quero estar aqui para ver isto. Não mesmo.