segunda-feira, 29 de julho de 2019

A invenção do século que passou


Já tem tudo isso?

Leio em vários artigos e matérias jornalísticas na internet que o walkman completou 40 anos de existência e minha mente sempre saudosista viaja no tempo, mais especificamente o final dos anos 80 quando ganhei de presente de aniversário o meu aparelho. 

Ele era vermelho e a marca, CCE, era detonada por 9 entre 10 brasileiros metidos a entendedores de eletrônica. Qualquer um que comprasse um aparelho da marca em algum momento da vida ouviria a seguinte frase: "jogou seu dinheiro fora; ninguém quer uma porcaria dessas!". No meu caso não tive do que reclamar: o walkman nunca deu defeito, nunca precisei levá-lo a uma assistência técnica. Já o videocassete Sony - marca líder em vendas no país - foi pra autorizada mais de uma vez. Enfim...

Que saudades do meu walkman! A primeira lembrança viva que tenho do período foi o meu fascínio pelo que hoje a mídia chama de playlists. Eu adorava fazer trilhas sonoras com as fitas cassete BASF que eu comprava nas antigas Lojas Arapuã. Eu sei... Faz tempo!

Naquela época Rádio Cidade, Transamérica e Joven Pan disputavam minha preferência no dial e todas, claro, tocavam rock. INXS era meio que uma banda fetiche minha e fiquei arrasado quando Michael Hutchence, líder do grupo, morreu. Mas sempre havia espaço nas minhas fitas para Aerosmith, Scorpions, Whitesnake (meu primo tinha um álbum da banda que foi minha primeira experiência gravando com a ajuda do toca-fitas. Já deu pra imaginal o resultado?) e, claro, Legião Urbana e Cazuza. 

Eu virava as noites esperando as programações especiais das rádios (algum show internacional exibido ao vivo ou algum arquivo musical pertencente ao catálogo da estação. Para entenderem um pouco do clima dessa época, procurem no you tube o programa Sarcófago com relíquias daquele período!) e volta e meia fuçava os vinis dos meus pais à procura de algo diferente, que não fosse da minha época. Acho que foi nesse momento que entendi que a minha relação com música seria diferenciada desses fanáticos por rock e sertanejo universitário de hoje em dia. 

A praticidade proporcionada pelo walkman - não mais ter de ficar preso a sala, tendo de levantar do sofá para mudar de estação - está entre os maiores legados já propiciados à humanidade em toda a história universal. Pode parecer loucura às novas gerações, tão antenadas e práticas, mas vocês não fazem a menor ideia da revolução que foi poder segurar, por exemplo, um controle remoto nas mãos. E acreditem: isso era liberdade! 

Tem quem considere, após a invenção do CD player, do laptop, das câmeras digitais, etc, etc, etc, o walkman um objeto obsoleto, relegado ao passado. "Ninguém mais quer lembrar disso!", dirão alguns. Contudo, ele foi - e é até hoje - precursor da era da portabilidade e, porque não dizer também, da miniaturização. 

Reza a lenda (e lendas são sempre complexas e, às vezes, contraditórias) que a ideia do aparelho nasceu por conta de antigos habitantes das comunidades negras dos EUA que andavam pelas ruas do Harlem e do Brooklyn segurando por cima do ombro gigantescos micro-system, levando seus criadores a fabricar uma versão menor do produto, permitindo um manuseio mais confortável do produto. A ideia não só pegou como, com a chegada dos CDs ao mercado fonográfico, gerou o também inovador Discman. Eu tenho até hoje o meu guardado aqui em casa, mas confesso que não construí com ele a mesma relação de intimidade. 

Fitas que se desenrolavam, prendendo nos circuitos e levando os usuários à loucura; pilhas alcalinas que sempre se esgotavam mais rápido do que nós gostaríamos (e eu gastei uma grana com pilhas!); estações de rádio que nunca sintonizavam da forma ideal, sempre gerando estática e na hora das melhores músicas... Polêmicas à parte, o walkman mereceu o seu status de cult e foi visionário em todos os sentidos. Mudou a maneira de nos relacionarmos com a música e até hoje gera subprodutos que não envelheceram um segundo sequer (ainda mais em tempos tão vintage como os atuais!). 

Você nunca teve um? Sinto muito, mas você não foi adolescente. Pelo menos não na minha época. E para resumir este humilde artigo em poucas palavras: o walkman, gostem ou não, foi a invenção do século que passou. 

Acham exagero? Podem pesquisar e tirar suas próprias dúvidas.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Quem detém o conhecimento?


Nunca vou entender essa cultura vigente no nosso país de que o conhecimento está sempre nas mãos dos acadêmicos, dos bem nascidos, dos perpetradores do beletrismo, dos privilegiados. Somos uma nação que, infelizmente, não acredita em autodidatismo e sempre que pode os rotula de "falsos intelectuais". 

O gênio e o louco, de Farhad Safinia, é mais um daqueles filmes que foi lançado nos cinemas tarde demais (digamos: um década pelo menos). Faz parte de um imaginário que se perdeu no circuito exibidor de cinema: o de filmes inteligentes, para aqueles espectadores que desejavam sair da sala de projeção transformados de alguma forma. Hoje em dia isso caiu em desuso por conta do sucesso de empresas como a Marvel, a DC, a Lucas Film, que visam como primeiro objetivo o lucro e a quebra de recordes de bilheteria. 

Todavia, como não pertenço a esta geração que vê a sétima arte como mero entretenimento e sempre gostei do desafio de pensar (algo que anda em extinção na atual sociedade), foi com grata surpresa que me deparei com um longa que respeita os cinéfilos amantes da língua, da literatura como um todo e também de uma história bem construída. 

O filme de Safinia conta a história da criação do dicionário Oxford. E tão difícil missão passa pelas mãos de dois homens cujas formações incomodam à sempre pedante intelligentsia britânica. O primeiro é James Murray (Mel Gibson), um autodidata escocês, tudo que as cabeças mais brilhantes de Oxford detestam, por considerá-lo um homem indigno (por não possui diploma de nível superior) para tal missão. E o segundo, ainda mais grave, é o médico William Chester Minor (Sean Penn, fantástico!), condenado a viver num manicômio após ter cometido um crime leviano. 

Porém, o que entendem esses homens de terno-e-gravata, portadores de PHD, sobre estar realmente habilitado para realizar uma missão dessa magnitude?

Nunca imaginei que criar um dicionário pudesse dar tanto trabalho e gerar tanta política. O longa aborda toda a luta de Murray para construir um compêndio que pudesse representar toda a nação inglesa, e não somente a elite que considerava certas expressões e palavras populares desnecessárias. Houve, inclusive, um momento em que cheguei a correlacionar a saga de Murray à criação da Bíblia de Gutenberg, tamanho os interesses que estavam em jogo naquele momento. 

A eterna mania opressiva e radical dos engravatados acadêmicos de exibiram seus diplomas como solução para o mundo resvala na inteligência nítida de Minor, um homem atormentado por sua própria loucura, o que o leva a um comportamento por vezes quase animalesco, mas sob certo prisma coerente com a sociedade maquiavélica na qual vive. E é esse homem o único que realmente entende o sonho - para muitos, um delírio - de Murray. Somente esta dupla e não um bacharel, mestre ou doutor conseguirá entender a grande provação que é criar uma obra literária deste nível. 

Pena que os espectadores de hoje - os mesmos que acharam a adaptação de O código da Vinci, de Dan Brown, uma sucessão inesgotável de blá blá blás (pois é: conhecimento hoje em dia entrou para a categoria de desnecessário, vide o sucesso de certos "ignorantes" na indústria fonográfica e literária) - não tenham a paciência necessária para comprar o roteiro lúcido de John Boorman (criador de filmes memoráveis como Excalibur, Amargo pesadelo e Esperança e glória). 

Mais uma vez (como já disse em outros artigos cinematográficos meus): quem perdeu foram eles mesmos! 

O gênio e o louco não é franquia, remake, spin off ou sequel de nenhuma outra mercadoria gratuita que vem sendo feita nos últimos anos em hollywood. Pelo contrário: é filme para corajosos e sobreviventes dessa eterna mania do mundo globalizado de querer "esvaziar a cabeça das pessoas". Honestamente: não sou bexiga para comprar essa torpe realidade. 

Dito isso, recomendo o longa para aqueles que não aguentam mais sair de casa para ver os mesmos filmes ou a continuação dos mesmos. E, sim, ainda há vida inteligente na sétima arte. A diferença é que agora é você mesmo quem tem de procurá-la. 

domingo, 21 de julho de 2019

50 anos de uma história bem contada


Assisti nos últimos dias às matérias especiais que a internet e a Rede Globo realizaram sobre o cinquentenário da missão Apollo 11, que no dia 20 de julho de 1969, às 20h17min, pousou na lua. "Um marco para civilização moderna", dirão os mais fanáticos pelo tema. "Que história maravilhosamente bem contada", direi eu, "mas...".

Minha mãe - que a Deus a tenha no céu! - nunca acreditou na remota possibilidade do homem ter pisado na lua. Sempre viu essa história dos americanos como uma grande crendice popular, e por muitos anos eu não entendi a implicância dela com o feito realizado pela NASA. Já hoje em dia acredito que deveria ter lhe dado, isso sim, um voto de confiança. 

Em 1977, em plena efervescência da década mais eloquente do cinema americano (minha humilde opinião) o cineasta Peter Hyams - realizador de filmes notáveis como 2010: o ano em que faremos contato e Outland: comando titânico - dirige o longametragem Capricórnio um, onde expõe a missão espacial como uma grande falácia, fabricada para comover os corações e mentes de cidadãos americanos fanáticos. O filme é brilhante e para aqueles que ainda não se dispuseram a vê-lo, corram o quanto antes. "O melhor da sétima arte costuma fugir da gente", disse certa vez um crítico de cinema que eu adoro. 

Polêmicas à parte a missão Apollo 11 é, com folga, um dos maiores cases de marketing já criados pelos EUA. 

Era outros tempos, é bem verdade, e a América - como gostam de se autointitular - ainda não era vista como a megapotência que é hoje. E disputavam mano a mano com seus rivais da hoje extinta União Soviética a vitória na corrida especial. Gagarín até tentou, mas não teve jeito: a terra dos cowboys, de hollywood e da tão sonhada liberdade levou a melhor. Contudo...

Podem me chamar de maluco, de comunista, de babaca, do que for, mas não me canso de assistir o fatídico vídeo em que a Neil Armstrong pisa a lua e finca a bandeira dos Estados Unidos nela e pensar que a lua, satélite natural da terra, é do tamanho... de um galpão. Isso mesmo. Sabe aquela legítima sensação de que se fosse andasse saltitando ao redor do seu próprio quarto teria feito a mesma caminhada que Armstrong fez? Pois é... Eu já fiz isso. E mais de uma vez (que o diga quando criança!). 

E só para constar (e interpretar o velho papel de advogado do diabo que eu tanto adoro): há um site na internet com informações científicas precisas que refutam totalmente a possibilidade do homem ter realizado tal feito. Fica a critério de quem quiser pesquisar no amigo número 1 dos pesquisadores da nova geração: o google. 

Chego àquele ponto do artigo em que os parcos leitores restantes já estão me chamando de louco incurável ou inverossímil completo. Fiquem à vontade, mas é difícil acreditar na legitimidade da missão Apollo 11, tendo em vista que os próprios EUA criaram todo esse embuste para alavancar sua condição de "maior nação do planeta". Nos brothers nunca foram de dar ponto sem nó, não é mesmo?

Hoje, após repensar minhas próprias desconfianças e teorias, chego à conclusão que a chegada do homem à lua fez bem à terra do tio Sam. Que o diga o fenômeno que sagas como a multimilionária Star Wars se tornaram com o passar das décadas. Não terá sido esse, afinal de contas, o interesse dessa grande nação? A América é a terra do espetáculo, do exibicionismo, do oportunismo atroz, onde o que tem valor, tem valor de mercado, isso sim, e nada mais. 

As reportagens feitas pelo Jornal Nacional enfocam no novo desejo da terra de Mr. Trump: chegar à marte. E provavelmente conseguirão, pois a tecnologia hoje é muito mais sofisticada do que na década de 60. E o que sempre me assustou foi o fato da própria sociedade americana não achar estranho que um ano antes Stanley Kubrick realizara o seu antológico 2001: uma odisseia no espaço com riqueza de detalhes. Para mim, honestamente, quem realiza uma façanha ficcional daquelas, é capaz de inventar qualquer coisa!

Dito tudo isto e após ouvir atrás de minha nuca um leve murmúrio de "que cara maluco!" vindo da direção de alguns leitores, concluo aqui esta empreitada narrativa elogiando essa grande nação criadora de histórias majestosas e pensando comigo, quase desesperançadamente: quando é que nós, seres humanos, vamos tomar vergonha na cara e aprenderemos a pensar com a nossa própria cabeça?

Quer saber? Melhor deixar quieto. E parabéns à NASA!

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Defina relevância


Na quarta-feira dia 10 de julho a revista Forbes realizou mais um de seus "levantamentos" envolvendo a vida financeira de famosos e celebridades dos mais diversos setores ao redor do mundo. E chegou à conclusão de que a celebridade mais bem paga do mundo hoje é a cantora Taylor Swift. Pergunto-me e também aos leitores de meus artigos: o que isso nos diz sobre a indústria cultural e o mundo em que estamos vivendo?

Honestamente? Que escolhemos ser uma sociedade vazia e baseada em beleza e sucesso. 

Não sou fã da cantora Taylor Swift (e acho que já deixei isso bem claro no curto parágrafo anterior) e, na verdade, não considero sua carreira digna de tanta relevância assim. Procuro por seu perfil no IMDb - o internet movie database - e vejo que ela fez uma aparição apagada no longametragem O doador de memórias, de Phillip Noyce (digo apagada porque, honestamente, nem me lembrava da participação dela no filme), participou da trilha sonora de Jogos Vorazes (que lançou a hoje famosa Jennifer Lawrence), realizou uma série de videoclipes que certamente os adolescentes adoram e recentemente participou de uma adaptação do musical Cats para o cinema (ainda em fase de pós-produção). 

Dito isto, fica a pergunta: de onde vêm tamanha popularidade junto aos fãs?

Em alguns de seus clipes que assisto no you tube vejo que ela sabe flertar com seu público (no caso, o teen) com extrema facilidade. Ela fala a língua dos jovens como ninguém. E mais: é uma das artistas mais requisitadas para propagandas nos EUA. Em outras palavras: é aquilo que a indústria cultural vêm chamando nos últimos anos de it girl ou uma "imagem a ser comprada pelos clientes/fãs". 

E é nesse exato momento que o sentimento de tristeza toma conta de mim. Infelizmente vivemos num mundo que classifica a palavra relevância para o mundo sob a ótica financeira. Você é aquilo que você produz, aquilo que você transforma em fama e dinheiro. Do contrário, nunca sairá do ostracismo. 

Cultuamos mercadorias vazias, efêmeras e Taylor Swift é ponta de lança nesse quesito. Aliás, a lista da Forbes a qual lidera está repleta de figuras igualmente vazias mas notoriamente célebres: Neymar, Kayne West, Ed Sheeran... Melhor até parar por aqui!

Chegamos àquela terrível curva da estrada em que a humanidade perdeu completamente a noção de valor (respeito e ética, então, é para colecionadores!), preferindo a zona de conforto oferecida pelo capitalismo exacerbado e selvagem e que muitos acreditam é capaz de responder à todas as questões e desafios propostos pelo mundo. 

Faça um teste com seus amigos de longa data, colegas de trabalho, de faculdade, conhecidos perto da rua onde moram: peçam-lhes para definir o que é relevância no mundo de hoje. Provavelmente ficarão arrasados com as respostas e, caso ainda permaneçam cidadãos íntegros, ilibados, preocupados com o futuro do mundo. 

Deprimido com a escrita dos últimos parágrafos chego à conclusão de que é melhor parar por aqui, pois não decidi escrever sobre o tema para me sentir pior como ser humano ou para dar um tiro na minha própria cabeça. Pelo contrário... Acho curioso uma sociedade que fabrica ídolos tão artificiais como Taylor e depois finge preocupação com o planeta terra (que o diga, aqui no Brasil, essa história do fim das sacolas plásticas nos supermercados!). 

Todos querem o deslumbre, a magia, a fantasia proporcionada pelo celebritismo. Mas esquecem do preço que estamos pagando ao idolatrar esse tipo de gente que nada faz pelo resto do mundo. Satirizando Aldous Huxley, "que admirável mundo novo esse nosso!". 

P.S: lembrei de um detalhe aqui agora - pra quê serve mesmo a Forbes, hein? Pois é... 

P.S 2: este artigo quase se chamou a nova Britney Spears, mas eu não quis criar ainda mais polêmica. 

domingo, 14 de julho de 2019

Vendendo a alma


Imagine uma empresa bem sucedida, de renome (uma Coca-cola, Rede Globo, Apple, IBM, McDonald's, etc), com uma folha de pagamento majestosa, funcionários felizes, realizados, certificados de responsabilidade ambiental, ações na bolsa de valores, o melhor dos mundos. Agora pense a respeito do que você NÃO CONHECE acerca dessas mesmas empresas, suas negociatas sujas, aquilo que não fornece de informação para a mídia, os escândalos e processos abafados na surdina... Imaginou a cena? 

Pois bem: por incrível que pareça o filme nos últimos anos que melhor delineou essa realidade ambígua do corporativismo empresarial foi um longametragem de cunho sobrenatural. Estou falando do remake de Suspiria, do diretor italiano Luca Guadagnino. 

O cenário do longa - a escola de dança Markos - nada mais é do que uma metáfora para muitas dessas corporações que se escondem atrás da fama de seus nomes e seus falsos engajamentos sociais. Não vejo diferença alguma entre a professora Madame Blanc (Tilda Swinton) e muitos dos executivos casca-grossa do chamado Vale do Silício, epicentro da tecnologia mundial hoje. E mesmo a jovem Susie (Dakota Johnson) não é o exemplo de profissional promissora que muitas empresas desejam ter em seus quadros, mas sim o gatilho catalisador de todas as desavenças que costumam ocorrer em qualquer organização administra. 

Contudo, há todo um clima surrealista, soturno, diabólico na maneira como Gaudagnino constrói sua narrativa. E isso é proposital. Ele força a mão em muitos momentos, pois quer mostrar o quanto esse animal (que chamamos corriqueiramente de ser humano) é tão complexo e autodestrutivo. 

O objetivo (ou meta, como costuma chamar o mercado corporativo) é montar o espetáculo Volk. Entretanto, trata-se de uma jornada árdua que custou o abandono de muitas dançarinas, exauridas tanto pelo processo de ensaiar, quanto pela rigidez da responsável por montar o espetáculo. Entretanto, a pergunta que me fica é: até que ponto abandonamos de fato uma empresa dessa envergadura? 

Conheci tempos atrás dentro do metrô uma moça, ex-funcionária da Infoglobo, uma das subsidiárias das organizações Globo, que me disse nunca ter conseguido virar a página após sua demissão. E mais: teve dificuldade de voltar ao mercado de trabalho e mesmo de conseguir uma carta de referência da empresa. 

Assim na vida, assim na ficção. As dançarinas começam a desaparecer e o diretor entrelaça seus sumiços com o jogo de corpos aprendendo a coreografia do espetáculo, que mais parecem engrenagens trabalhando em série como no Tempos modernos, de Charles Chaplin. E essa correlação não é acidental. Todas ali são peças descartáveis num mercado que descarta seres humanos com uma facilidade cada vez mais impressionante. 

Porém, como nem tudo na vida é sempre preto no branco, o diretor precisa inserir obstáculos e subtramas obscuras para confundir o espectador, deixá-lo à primeira vista perdido. Daí toda a crítica feita ao estado como mantenedor da ordem (o pano de fundo envolvendo o sequestro perpetrado pelo grupo terrorista Baader-Meinhoff é, no mínimo, um tanto melindroso), à sexualidade como via de escape para lidar com os problemas usuais da sociedade e mesmo à fé, artigo cada vez mais polêmico na atual conjuntura social vigente. 

E esmiuçada toda esta trama sórdida, o espectador se depara com uma grande desconstrução sobrenatural (dark mesmo) do que costumamos chamar de mercado de trabalho. Na verdade, estamos virando mecanismos de um esquema torpe que transforma homens em reles objetos de curta duração, logo substituíveis por outros mais jovens. 

Alguns mais afeitos à idolatria ao sistema chamarão isso de "a vida como ela é". Já outros, que preferem encarar de frente a dureza dos fatos e não perdem tempo acreditando em sorte, destino ou determinismos biológicos, sairão da sessão um tanto amargurados e ainda mais descrentes com a realidade cotidiana. 

Mesmo assim, recomendo Suspiria com orgulho. Quando soube do lançamento deste projeto a princípio fiquei temoroso pelo resultado, pois adoro o longa original de Dario Argento (de 1977) que foca mais no aspecto horror. Mas acabei admirando a nova versão por sua ousadia. Tanto que me propus a repensar o projeto à luz dos tempos atuais. 

E se por acaso não entendi nada da proposta atual e não passo de um louco que enxerguei demais onde não devia, mesmo como loucura minha reflexão me deixou um tanto satisfeito. 

E tudo isso através de um filme de terror... Quem diria!

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Um banquinho, um violão, um adeus


A notícia triste se deu às três da tarde (e, para mim, foi meio que uma tragédia anunciada, vide o clima dos últimos meses).

A morte do cantor João Gilberto no último dia 6 fez eu me lembrar imediatamente do antigo comercial da cerveja Brahma que ele participou em 1991, em que cantava "pediu cerveja, pediu Brahma Chopp" e exibia ao final da campanha o símbolo que eternizou a marca (a número 1). No últimos meses João vinha mal de saúde, chegando a ser interditado judicialmente pelos próprios filhos. E a última imagem que vi dele na internet, ao lado da neta, me assustou. Não era só uma questão de idade (João faleceu aos 88 anos). Ele estava mal mesmo. 

Enfim... A MPB perde um de seus maiores ícones. E a Bossa Nova seu inventor. Mais do que isso: João Gilberto foi responsável por uma grande revolução na forma como o violão passaria a ser tocado pelas gerações posterior. 

Nascido em Juazeiro, na Bahia, João não era um baiano arretado, pois preferia um outro estilo de vida, mais suingado, mais clean, contido. Foi adepto da cultura "um banquinho e um violão". E dessa maneira simples conquistou multidões, não só no Brasil como no exterior também (como deixou claro o antológico show no Carnegie Hall que fez a Bossa Nova ganhar os EUA). Entretanto, era um homem complexo, de comportamento por vezes difícil, visto até como antipático por alguns. Mas nada que afetasse seu talento óbvio. 

Prova disso são seus álbuns Chega de saudade (1958), O amor, o sorriso e a flor (1962) e Getz/Gilberto (1964) que redefiniram a MPB para o resto da vida. Quem é fã de boa música e não os conhece, não sabe - mesmo - o que está perdendo. Procurem no you tube urgentemente. 

João foi, direta ou indiretamente, responsável pela carreira de muitos artistas de renome. Que o digam Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Roberto Carlos e Os novos baianos (banda, aliás, da qual sou fã doentio, compro briga e tudo se necessário!), entre tantos outros. 

Hoje muitos fãs vêem seu histórico de indisciplina e rebeldia como uma espécie de charme inerente ao artista (para muitos, um provocador). Contudo, essa mesma indisciplina já lhe trouxe dissabores os mais diversos, principalmente entre os grupos musicais aos quais pertenceu na década de 1950. Polêmicas à parte, mais vale a pena lembrar do garoto que aos 18 anos se tornou crooner da Rádio Sociedade da Bahia e anos depois, ao lado de Tom Jobim e Vinicius de Moraes estabeleceu a bossa como gênero. 

Eu, confesso, custei a comprar o talento de João Gilberto. Achava-o a princípio um chato de galocha, metódico em excesso e sempre reclamando da luz, do som, do ar-condicionado... Até que ouvi sua versão de "Pra que discutir com madame" e pensei uau! esse cara sabe fazer música. 

É uma pena perdermos uma figura ímpar como João numa época em que a MPB anda tão carente de boas vozes e compositores e ainda por cima flertando em demasia com o ressentimento de pessoas que não aguentam levar um fora ou terminar uma relacionamento amoroso. Que as novas gerações redescubram a obra desse gênero para que ele não morra no ostracismo de vez (algo que adoramos fazer nessa terra cheia de poses e de pouco conteúdo cultural). 

Mestre, todo sucesso do mundo para o senhor (agora em outro plano espiritual). Toca "Desafinado" para eles ouvirem, toca! Num instante você vira ídolo de novo. 

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Cicatrizes não têm prazo de validade


Há mais ou menos umas duas décadas e meia (eu estava recém saindo do então segundo grau) fui à uma exposição no centro da cidade sobre escritores malditos que mexeu de forma definitiva com a minha cabeça e a minha relação com a literatura. Na entrada de um dos setores da mostra, havia um mural com os seguintes dizeres: "a humanidade, nada mais é, do que uma eterna criança que acumulou cicatrizes ao longo da vida". Como era bastante novo na época, a princípio não ficou bem claro para mim se eu havia entendido o contexto proposto pelo curador da exposição. 

Eis que passado tanto tempo me deparo com o mais novo filme do diretor Pedro Almodóvar, Dor e glória, e enfim consigo contextualizar o que a minha versão adolescente não conseguiu. 

Dor e glória é a volta do mestre do cinema espanhol a uma temática que ele conhece como poucos: o sofrimento. E confesso que estava ansioso pela estreia do longa, pois minha última sessão de um filme dele, o irregular Os amantes passageiros, me deu a impressão de que o diretor encontrava-se cansado, carente de boas ideias. 

E é exatamente essa sensação de cansaço que abre o filme quando seu protagonista, o também cineasta Salvador Mallo (Antonio Banderas, vencedor da Palma de Cannes de melhor ator este ano), submerso na piscina, cheio de cicatrizes, exaurido pelo tempo, começa a relembrar de sua infância. 

Salvador carece de boas ideias para dar continuidade à sua carreira. Seu maior sucesso, o longa Sabor, foi remontado pela filmoteca e será exibido. A filmoteca o convida para um debate após a reexibição do longa e ele quer que seu protagonista, o ator Alberto Crespo (Asier Etxeandia), com quem cortou relações após as filmagens, o acompanhe no evento. Rusgas vêm à tona novamente e após um pedido de desculpas, Alberto encontra um monólogo teatral inédito escrito pelo diretor e pede para encená-lo. Contudo, Salvador é reticente, vive refém de suas dores pelo corpo todo e das memórias da mãe Jacinta (Penélope Cruz), uma época em que era mais feliz apesar da pobreza e da educação rígida, imposta por um colégio de padres.

Não bastasse tudo isso há ainda a possibilidade de um diagnóstico de câncer que pode mudar completamente o seu futuro e as escolhas inusitadas que faz a essa altura da sua vida (por exemplo: ele descobre a heroína como anestésico para seu sofrimento físico). 

Muitos críticos de cinema vêm chamando a obra de uma autoficção, mas ela é bem mais do que isso: é uma grande colcha de retalhos sobre a vida, as más escolhas que fazemos e a dificuldade de seguir em frente após uma certa idade, principalmente num mundo contemporâneo apegado em excesso ao ritmo veloz e as relações líquidas, efêmeras. 

Banderas entrega de forma brilhante um expoente desse homem do século XXI, perdido em meio a uma sociedade que muda de caráter como quem muda de roupa e onde ninguém se importa mais de fato com ninguém. Para muitos, o tom do filme - que poderia ser niilista - acaba surpreendendo ao mostrar um Almodóvar que soube fazer uma pausa na carreira na hora certa, visando encontrar dentro de si um outro artista, mais maduro e consciente desta nova realidade em que vivemos. 

Se por um lado muitos espectadores mais ranzinzas dirão que Dor e glória passa longe de seus trabalhos mais notáveis (como O matador, Tudo sobre minha mãe e Fale com ela), por outro ele entrega seu melhor trabalho nesta última década, e deixa um aviso para seus fãs mais alucinados: até o melodrama às vezes precisa ser revisto em nome do amadurecimento pessoal. 

E em um ano cheio de filmes meia-boca e promessas não concretizadas, é louvável ver um cineasta ter a coragem de falar de si de forma tão humana e direta. 

Pronto. já fiquei ansioso pelo próximo trabalho dele...

segunda-feira, 1 de julho de 2019

A revolução impressa


Muitas vezes eu me pego idolatrando fenômenos da mídia e da cultura anteriores à época em que eu nasci. Acreditem: isso na minha vida é mais comum do que parece. Por exemplo, a beat generation  e sua trinca de autores genais - Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs - que começou bem antes de 1976 (ano de minha chegada ao mundo) e mesmo assim me deixou louco e refém para o resto da minha vida.

Com O Pasquim aconteceu uma relação parecida. Ele deixou de dar as caras nas bancas de jornal nacionais em 1991 (eu era um mísero estudante de segundo grau em uma escola pública) e até hoje me ressinto de não tê-lo conhecido como gostaria. Até porque as pessoas mais velhas com quem eu conversava nessa época volta e meia me diziam: "você não faz ideia do que perdeu!". 

E não é que O Pasquim chegou ao seu cinquentenário no último dia 26 de junho não só mais moderno e atual do que nunca, como também prometendo o lançamento de todas as suas edições na internet, na íntegra, a partir de agosto? Sim! Sim! Sim!!!!  Ainda há esperança para o mundo!

A página da Wikipédia - pai dos burros para essa geração alienada e que vem adorando recontar a história do país a seu bel prazer - sobre o Pasquim chama-o logo de cara de "semanário alternativo brasileiro, de característica paradoxal". Putz! E ainda me perguntam porque eu não leio quase nada nesse site. Eles não fazem a menor ideia do que foi tal veículo de comunicação. 

O Pasquim, muito mais do que uma mera publicação impressa, foi um grande ato político, de resistência, contra um regime opressor em vigência no país na época. Seus criadores e colaboradores desafiaram a velha máxima arcaica e enfadonha da moral e dos bons costumes. Inspirado pelo jornal underground Village Voice, o veículo confrontou o cenário da contracultura dos anos 1960 com a oposição ao regime militar em pleno fervor por aqui. 

Parece loucura para os padrões da época e é. Fico imaginando a vida que esses caras levariam no Brasil de hoje, polarizado, defensor do passado e completamente desinformado sobre as principais questões que regem o pais. Pois é... Coube-lhes os anos de chumbo fo governo militar que por aqui perdurou até 1985. 

Com muita inteligência, deboche, perspicácia e, claro, resistência aos desmandos propostos pelo Ato Institucional número 5 (o pior de todos os atos até então impostos), o grupo, liderado por Jaguar, Ziraldo, Millôr Fernandes, entre outras feras, decidiu não recuar mesmo sabendo que naqueles tempos a barra andava pesada demais (principalmente para a classe artística. Que o digam os atores da peça Roda Viva, espancados durante o período!). 

Grande parte do sucesso do jornal estava associado às capas para lá de provocativas (o travesti Rogéria caracterizado como a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci; "Maysa em matéria de uísque é zero ou 80", fazendo alusão a cantora musa da fossa e seu problema com o alcoolismo; "O pasquim um jornal que vai ou ra...", ilustrado por um punho opressor esmagando uma das ilustrações do mestre do cartum Henfil; as mulatas com as coxas mais do que generosas e provocadoras do caricaturista Lan; etc etc etc e haja etc) e as entrevistas curiosas, cheias de coloquialismos e frases polêmicas (a mais famosa delas certamente foi a da atriz Leila Diniz, símbolo sexual do período, que teve todos os seus palavrões e alusões a sexo substituídos por asteriscos; entretanto, para quem quiser conhecer um pouco mais do clima proposto pelo autores do jornal, recomendo a leitura do livro O som do pasquim. Só posso lhes adiantar que seria trágico se não fosse cômico e... muito ousado!). 

Entre seus muitos colaboradores, feras da lavra de Sérgio Cabral, Tarso de Castro, Paulo Francis, Chico Buarque, Caetano Veloso, Ivan Lessa, Luiz Carlos Maciel, entre tantos outros. Não tem muito tempo foi publicada uma seleção em dois tomos com o melhor do vespertino, mas não consegui comprar o meu porque a procura foi muito grande. Uma pena! Mas volta e meia dou uma fuçada nos sebos para ver se encontro alguém exemplar abandonado nas prateleiras. Até agora, óbvio, nada. 

Quando assisti no Canal Brasil ao documentário O Lampião da esquina, sobre o primeiro tabloide brasileiro de inclinação homossexual, vários de seus colaboradores referiram-se aos autores do Pasquim como  misóginos e cafajestes (e alguns deles, infelizmente, de fato o são até hoje). Contudo, também acredito que para o período em questão eles eram a força-motriz e a personalidade necessária para combater um regime covarde, que adora chamar os outros de incompetentes. Dificilmente pessoas extremamente polidas e centradas conseguiriam bater de frente com o modelo governamental vigente no período. Fazia-se necessária essa aura de sujeira, de brutalidade. Fiquem à vontade para me criticar, caso necessário. 

E em meio a elogios e dissabores - como toda boa publicação que se preze - este libelo da comunicação rebelde completa 50 anos, provando que o Brasil ainda tem muito o que mudar e ainda precisa de pessoas com coragem e falta de vergonha na cara para enfrentar os velhos demagogos e impositores de sempre. 

Chato mesmo, no final das contas, é saber que não há um grupo de pessoas dispostas a isso hoje em dia!