O mundo está cheio de Jacks, mas a humanidade (ah! a humanidade!) prefere o conforto da hipocrisia, e esconder suas mentiras preferidas atrás do discurso de que "fala sério! isso é mais uma invenção da cultura pop!". E por isso, defendo aqui o diretor Lars Von Trier. Ele matou a pau.
A casa que Jack construiu, último longa lançado pelo diretor (e que foi odiado de forma maciça pela crítica; teve até gente que abandonou a sessão no meio num dos festivais de cinema da Europa) é um grande ensaio sobre a hipocrisia latente que reina entre nós.
O Jack - interpretado pelo ator Matt Dillon, que depois de anos perdendo tempo com personagens inúteis, enfim faz uma boa escolha de carreira - proposto por Von Trier é o estereótipo máximo da psicopatia. Mata única e exclusivamente pelo prazer de matar. A ele não interessa nenhum juízo de valor ou moral ilibada. Ele é desse jeito porque decidiu ser assim. E suas vítimas são aquelas que aparecem diante de si quando a oportunidade se mostra. Ele não precisa de um motivo para caçá-las ou persegui-las. Nada disso. Na prática, ele aprecia o momento e exerce "sua arte".
E é nesse momento que o filme se torna ainda mais interessante como reflexão (e essa, por sinal, deveria ser a principal abordagem dos cinéfilos, e não buscar algum tipo de adoração ou repulsa pela barbárie ou tentar catalogá-lo dentro do universo "filme de terror"). O diretor faz uma inteligente correlação entre os crimes de Jack e as obras de artistas clássicos da pintura.
Me peguei a todo momento pensando nessa geração de hoje que não sabe separar a obra artística de um indivíduo de seus delitos morais e perniciosos. Pior: boicotam suas carreiras, chegam a fazer campanha para que outros a boicotem também. Estão perdendo tempo, coitados! É praticamente impossível encontrar no mundo das artes alguém - e olha que eu já procurei por isso - que tenha uma vida acima de qualquer suspeita.
Parece fazer parte desse mundo a ideia de perversão, de incômodo. E isso é muito bem trabalhado em forma de telas, películas, livros, fotografias, músicas, ou seja lá que plataforma artística eles escolham. Não se trata - sinto muito aos moralistas que estiverem lendo esta crítica - de uma ciência exata, de uma realidade feita apenas de virtudes. Quem dera fosse fácil assim!
E Jack entende isso como poucos. Chega a descer ao seu último grau de indecência para provar às suas vítimas e perseguidores o quanto sua "arte" é pura, e não atrelada aos desejos de outros. Ele é, na melhor (ou pior, dependendo de como você enxergue a situação) expressão do termo, um sobrevivente do caos diário. E por isso não deve justificativas àqueles que nunca irão compreendê-lo como um todo. Porém, um todo fadado a destruir e não a construir o que quer seja.
E nesse sentido a casa que ele "supostamente construiu" é apenas uma dúvida, uma lamento, uma tentativa inglória de permanecer humano, quando na verdade o que ele deseja de fato é destruir o mundo que o rodeia.
Adorei um passagem do filme no qual Von Trier me fez lembrar de O auto da barca do inferno, de Gil Vicente (se a correlação não era essa, peço desculpas! nessas horas, eu sempre enxergo demais e de acordo com meus próprios gostos e referências).
Volta e meia chamam Lars de devasso, de polêmico, de mau caráter e aqui ele deu todos os motivos para que seus detratores bufassem de ódio. Realiza uma espécie de manual prático para entender psicopatas, mas sem cair nas armadilhas dos jargões psicanalíticos. Ele recorre às artes plásticas para nos mostrar o quanto o mundo anda impregnado de morte e violência até o talo, e acha tudo isso um tanto natural, às vezes até necessário.
Digo isso porque nunca falamos tanto em andarmos armados 24 horas por dia. Nunca se pediu tanto como nessa sociedade contemporânea por uma terceira guerra mundial (e tem quem se faça de desentendido, dizendo que "não é bem assim"). E não bastasse todo esse ódio, essa apologia à violência, tem quem exija a volta de muros, regimes totalitários e cultue ditadores e genocidas. Mas, no final, quem não prestam são os artistas. Esses sim precisam sumir do mapa. De vez.
Ó, Deus, perdoai-os! Eles não sabem de nada! Que dirá o que fazem...
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