Está cada vez mais triste e difícil viver numa sociedade como a nossa, em que decisões são tomadas visando o lucro, a concentração de renda e o bem-estar de milionários que acreditam estar acima do bem e do mal em qualquer circunstância. O dinheiro, meus caros leitores, tornou-se praticamente uma constituição, um manual de regras dentro da realidade cotidiana em que vivemos. Se você tem, é o cara. Caso contrário, dane-se. E não conseguimos fazer nada que mude isso.
Sempre tive a impressão, desde adolescente, de que a sociedade fosse perniciosa e interesseira por natureza. E talvez por isso meus relacionamentos sociais sejam tão complicados e dignos de uma boa análise (falo no sentido terapêutico mesmo!). E a razão de pensar assim é bem clara: acredito piamente que seres humanos são criaturas incompreensíveis. Por mais que tentemos entendê-los, eles sempre encontram uma maneira ou de nos confundir ou nos decepcionar. Eu sei, eu sei... É uma visão de mundo extremamente derrotista, mas confesso-a aqui a vocês com uma enorme franqueza. E não consigo ver mudança alguma à vista.
Pois bem: meus temores aumentaram ainda mais nesta última semana depois que assisti ao novo filme do diretor Steven Soderbergh (cineasta famoso, a meu ver, por cutucar a onça com vara curta em assuntos espinhosos. Que o digam seus longas anteriores Traffic e Erin Brockovich!), o pequeno e extraordinário - embora alguns espectadores dessa nova geração viciada em franquias e remakes possam considerá-lo "uma grande bobagem" por não estar repleto de CGI ou efeitos especiais - A lavanderia.
Steven dessa vez se debruça sobre o escândalo do Panamá Papers e explica o desdobramento da tramoia de forma mais eficaz e menos confusa do que fez o diretor Adam Mckay no também interessante A grande aposta.
Duas figuras ilustres são fundamentais para entendermos toda essa maracutaia fiscal: os usurários e debochados Jurgen Mossack (Gary Oldman, fazendo o sotaque típico dos canalhas que sabem ludibriar os outros como ninguém) e o charmoso Ramón Fonseca (Antonio Banderas), sócios nessa empreitada e na arte de enganar investidores.
Após passarem a mão em fundos de pensão e economias de centenas de pessoas ao redor do mundo (e enviar essa bolada para paraísos fiscais em locais paradisíacos) eles acabam por esbarrar com a pessoa errada quando dão o calote na simplória, mas não menos inteligente Ellen Martin (Meryl Streep, ótima!). É ela que decide investigar as intenções do escritório pertencente a dupla quando o dinheiro responsável pela indenização dada após a morte do marido num acidente de barco simplesmente desaparece da conta.
Contudo, ela não é a única a ficar no prejuízo. Diariamente, milhares e milhares de pessoas ao redor do mundo vêem suas esperanças e projetos irem para o ralo após depositarem sua confiança em homens inescrupulosos como a dupla Mossack/Fonseca e suas empresas extraordinárias, que prometem um futuro de sossego, sem problemas financeiras, para seus investidores.
Fiquei o tempo todo comparando a realidade mostrada no longa-metragem com as inúmeras pessoas aqui no Brasil que fazem contrato para comprar um imóvel na planta com determinadas construtoras e ao receberem o apartamento se deparam com um produto de péssima qualidade, isso quando ele não possui falhas estruturais graves. E o meu sentimento de repulsa quando ouço depoimentos na tv de representantes dessas mesmas empresas é o mesmo. "Acidentes acontecem", eles costumam dizer com a cara mais deslavada do mundo.
Resumindo a ópera aqui narrada: A lavanderia nos mostra a que ponto chegamos em termos de ganância humana. Nunca antes na história da humanidade o crime se sofisticou tanto e de forma tão abjeta, tão atroz. E ao mesmo tempo tão brilhante. Nós, cidadãos de bem, nos tornamos reféns de seres execráveis que abusam de seu charme, seus paletós bem cortados e seus discursos polidos e bem embasados para arruinar a boa fé alheia. Está cada vez mais difícil acreditar em honestidade no mundo. E a tecnologia só piorou os fatos.
Ao fim da projeção, mesmo sabendo do desmascaramento da quadrilha (assunto que ganhou projeção internacional e principalmente nos EUA, na época), meu cérebro ainda fica inquieto pensando na quantidade de pessoas que ainda passam pelo mesmo golpe, não foram ressarcidas e pior: nem sabem mais da existência dos ladrões, pois eles encontram-se foragidos, gozando de uma vida ótima (com o dinheiro dos outros, é claro!).
E é uma pena (mais uma vez) saber que a única chance de vermos uma produção denunciatória e bem feita como essa é através de serviços de streaming como a Netflix, tendo em vista que as salas de cinema estão preferindo lobotomizar as pessoas com super-heróis e personagens sobrenaturais, ao invés de contar histórias relevantes e necessárias para entendermos o futuro do que chamamos de humanidade.
Quer dizer: se é que isso ainda existe (pois tem horas que eu tenho a impressão de que já viramos uma bolha disforme e sem vida)