terça-feira, 31 de outubro de 2023

De excluídos, eles não têm é nada


É curioso pensar na periferia e no que ela é capaz de produzir por conta própria...

Quase sempre escanteada pelo Estado e por aqueles que volta e meia se autointitulam como elite, os periféricos (tem quem os chame de marginais!) peitam o sistema, mostram suas garras e exibem uma força e uma coragem que é mérito de poucos desde que o mundo é mundo. E, claro, é sempre uma grata surpresa apreciar o legado desse trabalho. 

Fui ao MAR - Museu de Arte do Rio, na Praça Mauá, para conferir a exposição FUNK: Um grito de ousadia e liberdade e saí em êxtase com o que vi. O capricho, a moda, o deslumbre, o deboche intencional... Definitivamente um retrato definitivo desse grupo de pessoas que, de excluídos, não têm é nada. 

Primeiro detalhe que me ganhou: para as gerações que só conhecem o funk a partir da Furacão 2000 e do Kondzilla, enxerguem além de suas próprias zonas de conforto, pois o ritmo é bem mais do que isso. Foi um enorme prazer me deparar também com Tim Maia, James Brown, Gladys Knight e outras feras compondo o acervo. 

Calças justas, cabelo black power, bandanas multicoloridas, caras de poucos amigos, cheias de uma marra intencional, uma provocação àqueles que acreditam que eles não merecem ter o seu espaço na mídia, armas feitas de câmeras fotográficas, a rotina dos morros cariocas, caixas de som gigantescas, grafites estilosos... FUNK é, mais que um simples passeio, uma viagem alucinógena por um mundo por vezes à parte do próprio mundo. 

Em alguns momentos me peguei perdido, numa espécie de transe, tentando entender todas as referências. E me lembrei de antigas imagens que eu via nos programas de tv dos anos 1980 e 1990 na casa da minha falecida avó materna. Eram outros tempos, outro Brasil, outro mundo! E saber que essas figuras resistem no imaginário popular até hoje é não somente lúdico como visionário por si só. 

Deparei-me até com outros visitantes, caracterizados, cheios de estilo e caras e bocas. Conversei com uma delas, fã confessa de Tati Quebra-Barraco e Trinere (uma antiga paixão dos meus tempos de ouvir rádio a noite toda). O bate-papo rendeu tanto que quase perco a hora de voltar pra casa. 

Mas quer saber: deixa quieto! Tem dias que fugir da rotina chata é uma necessidade. E hoje foi um desses dias. Aproveitem. A mostra fica em cartaz até agosto de 2024. E vale cada segundo.  


quinta-feira, 26 de outubro de 2023

O amor sem limites


Ah o amor! E principalmente: as pessoas que o tratam de forma doentia, obsessiva...

Há mais de uma década fico me prometendo (e nunca cumpro) que lerei Os sofrimentos do jovem Werther, de Johann Wolfgang von Goethe. Fiquei sabendo da existência deste clássico através de um antigo professor da faculdade de comunicação, que era apaixonado pela trama. Mas sempre adiei a leitura. Até agora. 

E digo logo de cara: Werther virou minha percepção do mundo de cabeça para baixo, independente de seu comportamento excessivo em relação à mulher amada. 

Ele ama Lotte, representante da chamada burguesia alemã, mais que tudo na vida. Provavelmente até mais do que ama a si próprio. No entanto, Lotte prefere Albert. E o resultado disso é nosso protagonista vivendo em estado de total penúria afetiva. Mais que isso: ele é praticamente um incorrigível do amor. 

Enquanto passeia pelos salões da alta sociedade germânica e testemunha a pobreza de caráter latente naqueles cidadãos, Werther se comunica com o amigo de longa data Wilheim através de cartas regadas a frustração e niilismo. Será ele o último resquício de sanidade naquele mundo torpe? Honestamente... Acho muito difícil. 

Ele cria em meio a lágrimas de desapontamento e muita decepção um grande e elaborado ensaio sobre a vida, a natureza e a loucura (paixões eternas de Goethe, autor desta obra-prima). Sua prosa é limpa de vícios e mesmo assim sofisticada. Em outras palavras: um primor literário!

Os sofrimentos do jovem Werther foi uma façanha narrativa tamanha em seu tempo (o século XVIII) e também com o passar dos séculos, que a psiquiatria acabou por cunhar o termo "efeito werther", ou seja, "uma sensação de culpa muito grande, muitas vezes uma vergonha ou receio de falar sobre o assunto com outras pessoas". 

Críticos literários afirmam que o romance epistolar tem um caráter meio autobiográfico, tendo em vista que seu autor também foi vítima de um amor não correspondido (mais que isso: ela também se chamaria Charlotte). A publicação de Werther chegou a lhe custar, por um período de tempo, o fim da amizade com a amada. 

Polêmicas à parte, trata-se ainda de uma das maiores histórias de amor (embora um amor sem limites, logo complexo e doentio em suas intenções) da literatura ocidental, junto com Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Amor de perdição, e tantas outras...

Ao fim das pouco mais de 150 páginas, me peguei pensando: como eu pude adiar essa experiência fenomenal por tanto tempo? Eu devo realmente ser maluco. 


domingo, 22 de outubro de 2023

Terra sem alma


Scorsese de volta. E como é bom tê-lo de volta! Seu mais novo longa é a prova viva (pelo menos para bons entendedores e cinéfilos raiz) de que ainda é possível pensar o cinema como forma de arte mesmo em tempos de blockbusters excessivos baseados em quadrinhos, brinquedos, objetos comerciais, pacotes de biscoito, etc...

Assassinos da lua das flores (e fica aqui um quase ultimato: leiam, quando puderem, o livro homônimo de David Grann. Um escândalo!) nos traz um Estados Unidos que os boçais nunca vão querer enxergar, pois ser cego de umas décadas para cá virou sinônimo de virtude. Uma terra sem alma, mas que adora se disfarçar de religiosa, de "terra das oportunidades", de último resquício da ética no mundo.

A nação Osage é assassinada a torto e direito e as autoridades não estão nem aí. Ao contrário: fazem parte - direta ou indiretamente - da matança. O povo, considerado naquele período, o mais rico do país é motivo de inveja. Logo, não há lugar para inocentes. O que interessa é lucrar em cima, ficar com as terras, o direito de explorar o petróleo nelas. 

William Hale (Robert de Niro, impecável como não o vejo há bastante tempo!) sabe bem disso. Manipula seu sobrinho, Ernest Burkhart (Leonardo Dicaprio), recém chegado da guerra, com esmero e espera que ele cumpra sua parte ao casar com a Mollie (Lilly Gladstone, a força-motriz do longa). Mas não somente ele. Trata-se de uma pátria repleta de invejosos e ressentidos - na minha visão, os precursores dos chamados "pais fundadores" de hoje em dia na América, que adoram posar de honestos e cristãos acima de tudo. 

Quando o FBI, recém fundado e chefiado pelo temível J. Edgar Hoover, entra na história, o jogo muda e a narrativa expõe de forma brutal o que até então era somente o Lado B de uma nação contraditória. 

O diretor? Fala sério! É Martin Scorsese, droga! A lenda. Esperem tudo e mais um pouco: um plano-sequência escandalosamente bem feito e que praticamente me deixou sem ar, luzes, o uso do fogo como eu nunca vi em toda a minha vida, um elenco sublime, o respeito à história indígena (e nesse sentido ele toma um rumo distinto do livro, focando na cultura Osage) e um final... Ah, meus caros leitores! O final... O que foi aquilo? Só podia mesmo ser o responsável por longas eternos do cinema mundial como Touro indomável, Os bons companheiros e Táxi driver.

Em alguns momentos eu cheguei a fazer uma breve correlação entre Assassinos e Lincoln, de Steven Spielberg, mas não pela aproximação das narrativas (que em nada se assemelham) e sim pelo contexto conspiratório presente em ambas as histórias.

Scorsese fala de um ontem não tão distante assim, pois ecoa num hoje tão vivo, logo ali na esquina (que o digam os eleitores de Donald Trump, que sempre se acham mais donos da razão do que todo mundo atualmente). E nisso acerta em cheio e volta ao páreo dizendo a plenos pulmões: o cinema precisa ser mais do que meros parques de diversões. 

E ele está coberto de razão. Como sempre esteve. Obrigado, mestre! Por mais essa experiência cinematográfica magnífica. O que será de hollywood quando o senhor partir? Eu não quero estar aqui para ver isso, não!  


sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Fragmentos de um cinéfilo apaixonado


Do pessoal ao universal; o microcosmo e o macrocosmo; o cinema como arte, como denúncia, como proposta de flerte; o dia-a-dia e um certo algo mais... Kleber Mendonça Filho acerta de novo em cheio e prova por a mais b porque é um dos cineastas mais interessantes - e relevantes - de sua geração. 

Retratos fantasmas, documentário que passou pelo Festival de Cannes em maio e é nosso candidato postulante à uma vaga no Oscar de melhor filme internacional, sabe ser lírico e ao mesmo tempo investigativo quando necessário. Mencionei a palavra documentário, mas em alguns momentos o diretor também brinca com o conceito de metaficção. E é muito bem-vindo nessas horas também. 

Nota-se de cara a evidente paixão de Kleber pela sétima arte. Ele fuça arquivos, lê jornais antigos, filma salas de cinema em Pernambuco (hoje fechadas), resgata a memória de um tempo, seleciona imagens com carinho, expõe sem vergonha a deterioração e o abadono de segmentos da cidade, ironiza ao mencionar a chegada das igrejas evangélicas que transformaram o local da cultura em centro de devoção.

Mais: vemos o carnaval de rua em sua máxima exuberância, testemunhamos o ator hollywoodiano Tony Curtis passeando pela cidade (cena que eu jamais poderia imaginar que pudesse acontecer) com todo seu garbo e elegância peculiares, apreciamos os vendedores de relíquias (cartazes e fotos de um tempo que, infelizmente, se foi), seguimos transeuntes e até mesmo gatos pelas ruas e vielas.

O apartamento da Setúbal onde morou, cenas de seus outros longas, de longas de outros diretores pernambucanos, até o surreal mezzo motorista de táxi mezzo fantasma, que encerra essa jornada com toques de universo fantástico, tudo está lá, a serviço da ode, do ontem, do que passou, do que poderia ter sido e não foi, por ganância (ou desleixo) de alguns. E ainda assim sem perder o foco e as implicações do hoje, do que estamos vivendo - e, claro, perdendo por conta desse mesmo desleixo. 

Se não falei da trilha sonora, melhor assim. Quero que vocês ouçam e tirem suas próprias conclusões, não vou meter minha mão nessa cumbuca. E as trilhas do Kleber são sempre ótimas! 

Retratos fantasmas fala, no final das contas, do papel da arte num país sem o menor compromisso com ele mesmo. Memória, cultura, conhecimento, pra quê? O que importa, para muitos alienados, é pedir a volta de um passado que nunca existiu ou foi deformado por falsas convicções. O resto: é perda de tempo. Se leva o Oscar ou não é o de menos. Valeu, Kleber! Que filme! Que viagem no espaço-tempo! 

P.S: desde já agradeço imensamente à Roland Barthes pela inspiração para o título desse famigerado post. 


quinta-feira, 19 de outubro de 2023

R.I.P Burt Young

 

Paulie se foi. 

Hã? Você não sabe quem foi Paulie? Você nunca assistiu um filme sequer da franquia Rocky nos cinemas? Sério? Então, na boa, na boa MESMO, este texto definitivamente não é para você.

Burt Young, que faleceu hoje, aos 83 anos, é o melhor exemplo que eu conheço em hollywood de um "coadjuvante de luxo". Na franquia eternizada pelo astro Sylvester Stallone ele era - pelo menos, para mim - a voz da consciência de Rocky Balboa, o garanhão italiano. 

Era através de suas piadas e discurso irônico, por vezes amargo, que ele alertava o lutador para o mundo fora dos ringues. Parecia querer dizer a todo momento: "Rocky, sua vida não se resume exclusivamente a derrotar Apollo Creed, Clubber Lang, Ivan Drago... Seu maior adversário está aqui fora, louco para lhe tirar todas as oportunidades de trabalho e sucesso. Fique atento!".

E ele fez isso com uma simplicidade fantástica. Algo que somente os grandes atores possuem. 

Lembro-me sempre dele também como Lou, o segurança do tresloucado milionário Thornton Melon (vivido por Rodney Dangerfield) em De volta às aulas, que retorna para a universidade para incentivar o filho a não largar os estudos. Era minha comédia preferida dos tempos de sessão da tarde nos anos 1980 e 1990!  

Além disso, Burt trabalhou em longas hollywoodianos que entraram para a história do cinema, como M.A.S.H, Era uma vez na América, Chinatown, e até mesmo uma participação na série de tv cult Miami Vice.

Contudo, é extremamente difícil para os fãs dissociá-lo do amigo e cunhado de Rocky Balboa. É daqueles legados que acompanham certos artistas para todo o sempre. Uma pena não podermos mais contar com a presença dele na indústria, justo num momento de crise no cinema americano, em meio a greves, falta de criatividade para propor ideias novas e uma carência de astros e artistas realmente cativantes. Hollywood tem muito a lamentar pelo dia de hoje. 

Só nos sobra rever sua carreira e reassistir (de novo) a franquia mais famosa de boxe. Querem apostar como algum canal na tv a cabo hoje reprisará Rocky? Podem me cobrar depois! 


domingo, 15 de outubro de 2023

A diva celebrando tudo!


Enfim Madonna se recupera do problema de saúde e inicia a tão aguardada Celebration Tour. Os fãs, certamente, não aguentavam mais de tanta angústia. Queriam ver a diva celebrando tudo!

Não à toa compareceram fantasiados, reverenciando a eterna rainha do pop. Ela certamente gostou. Mais: exibiu no palco imagens de sua própria história, o passado glorioso, a infância, a juventude. Em alguns momentos gravações épicas substituíram até mesmo a banda. 

Madonna tem muio a cantar. Imagino a dificuldade de montar o set list. Eu, como fã assíduo, se lá estivesse na estreia, me sentiria enganado se ela não oferecesse ao público canções indispensáveis (para mim, pelo menos) como "Vogue", "Express yourself", "Frozen", "Material girl", "La isla bonita" e "Music". E isso para falar no básico.

No quesito figurino ela optou por um futurismo sensual (claro, recatada é que não seria!). Já quando o assunto é polêmica e engajamento, a diva lembrou da guerra entre Israel e Hamas e não deixou de lembrar das vítimas da AIDS, uma causa que acompanha a cantora e popstar há décadas. 

De notícia chata, só uma: o Brasil escanteado na turnê. Novidade nisso? Zero. Beyoncé também não trouxe sua Renassaince tour e o público soltou cobras e lagartos nas redes sociais. Mas show business x Brasil é sempre uma batalha inglória. Que o diga o Rock in Rio, sempre trazendo as mesmas atrações para o mesmo público.

Fico me perguntando se ao longo da turnê ela trará pérolas da carreira, como por exemplo as canções que fiz para trilhas de cinema (como Dick Tracy e Evita) e B sides para agradar aos mais fanáticos... 

Como disse (com outras palavras) no terceiro parágrafo: o repertório de Madonna é vasto e abrange muitas nuances e provocações. Quem sabe um gostinho de Na cama com Madonna também... O público certamente iria ao delírio. 

No mais, só me resta aguardar que o show vaze no you tube. Sim, porque esperar um serviço de streaming lançá-lo oficialmente vai demorar muito e eu ando sem paciência em 2023.   


quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Fernando Sabino, 100 anos


Comemoramos hoje o centenário de um gênio (sim, ele era!) que, infelizmente, a meu ver, nunca teve o destaque que mereceu. Talvez porque preferisse falar sobre o simples, o cotidiano, ao invés de perder tempo - como muitos autores contemporâneos - querendo "causar" (palavra que sempre ponho entre aspas, pois nunca entendi a necessidade ou o mesmo o significado dela para a sociedade). 

Seu nome: Fernando Sabino. Nos deixou em 11 de outubro de 2004, véspera do seu aniversário de 81 anos. Um mente cheia de ideias vencido por uma doença ingrata. 

Jornalista, contista, editor, roteirista, adido Cultural, cronista de mão cheia, funcionário público, professor... O que mais ele foi? O céu era o limite para esse moço que sabia retratar e descrever a vida (principalmente a dele) como poucos.

Conheci sua obra pela primeira vez lendo os contos e crônicas que saíam publicados na coletânea Para gostar de ler, da Editora Ática, junto com outras feras do gênero. Foi aqui, aliás, que conheci "A última crônica", um de seus textos mais famosos. E desde o primeiro me impressionei de cara. Ele narrava com uma facilidade esplêndida e sobre os mais diversos temas, do complexo ao banal. 

Fascinado por jazz americano, campeão de natação (chegando a ser dono até hoje de um recorde, pois sua categoria - os 400m de costas - foi extinta sem que nenhum outro nadador a superasse), e cineasta bissexto (muitos leitores e cinéfilos adoram os documentários que ele realizou sobre grandes grandes figuras da nossa literatura), Sabino era uma enciclopédia de conhecimento. 

Logo, imagine o que ele fez em suas obras literárias mais ambiciosas!

Em 1936, teve seu primeiro conto policial publicado na revista "Argus". Em 1941 reuniu seus primeiros contos no livro Os Grilos não Cantam Mais. Daí em diante não parou mais. Entre suas obras mais conhecidas, indico aos leitores de primeira viagem O grande mentecapto (1979) - pelo qual ganhou o Prêmio Jabuti ; O Menino no Espelho (1982) - um dos melhores registros sobre a infância que eu li até hoje; A faca de dois gumes (1985); Martíni Seco (1987); O encontro marcado (1988); O homem nu (1998) e Amor de Capitu (1999).

Quando não estava produzindo, Fernando Sabino formava um grupo inseparável com os também escritores mineiros Hélio Pellegrino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Rezende. E eu fico aqui comigo imaginando o que não foram as conversas desses quatro...

Triste pensar que não teremos mais um intelectual desse nível produzindo. Resta, enfim, o seu legado. E que a nossa sociedade viciada em status, que adora modinhas e autores vazios, porém best-sellers desse mercado editorial cada vez mais confuso, deixe de lado essa patacoada comercial e dê uma chance a ele. Aposto que se surpreenderão. Saudades eternas, Sabino! Você era foda! 


domingo, 8 de outubro de 2023

Um índio na ABL


Em meio às quedas de energia aqui na rua e o meu navegador da internet querendo me sacanear constantemente quase não consigo comentar a eleição do Aílton Krenak para a Academia Brasileira de Letras. Sim, um indígena agora é imortal da ABL... Que ousadia! 

E mais do que isso: um passo importante e visionário de uma instituição a qual sempre tive um pé atrás, desde moleque.

Por mais que eu seja fã de literatura (e arte de uma maneira geral) sempre fui crítico - no mau sentido - da ABL. Eles sempre inventaram desculpas para não eleger figuras importantíssimas da nossa cultura. Seja pelo alcoolismo, a origem humilde, a opção sexual, a Academia nunca escondeu de ninguém seu lado "elite branca". Lima Barreto e João do Rio são dois grandes exemplos boicotados que não me saem da cabeça. 

Logo, ver Krenak figurando nesse meio me traz um sopro de esperança, muito bem vindo em tempos tão sombrios quanto o atual.

Não conheço tanto de sua obra, mas o pouco que li me agradou - e muito. Krenak luta para que o índio não seja visto apenas como "sobrevivente" ou "salvador do planeta". Na verdade, o que ele deseja é que todos (brancos, negros, asiáticos, judeus, etc) sejamos parte do problema, paremos de empurrar a discussão para os outros. E nisso atingiu em cheio a minha atenção. 

Recomendo para os desavisados e desconhecedores de seu trabalho, que procurem nas livrarias por Ideias para adiar o fim do mundo e O amanhã não está à venda, duas reflexões interessantíssimas acerca do que estamos fazendo (na verdade, deixando de fazer) com o país e o mundo. E isso precisa mudar, urgentemente!

P.S (necessário, mas indigesto): já estou aqui imaginando os haters e detratores dele acusando a ABL de, mais uma vez, estragar a instituição elegendo-o (algo que já havia acontecido quando da eleição do cantor e compositor Gilberto Gil). Pois é... Esse pedaço atrasado do país ainda está por aí e, segundo Krenak, impedindo o nosso futuro.