Corridas de automobilismo possuem um sentimento antagônico para mim: o da relação com a velocidade, a adrenalina, a paixão pelo esporte, mas também a aflição, a sensação de risco pontuando cada movimento, acompanhando o piloto em cada reta, em cada curva. E se é desse jeito para quem assiste pela tela da tv, imagine então quem está dentro do cockpit. Cá entre nós: nada supera essa dualidade.
Ferrari, regresso do diretor Michael Mann ao cinema após um hiato de 9 anos, é mais do que um filme sobre competições, quem ganhou ou perdeu mais, quem será lembrado por seus títulos ou legado para o esporte. Não. Trata-se dos dilemas e do amor pela velocidade de um homem complexo, rodeado de conflitos e escolhas extremamente difíceis (mas que precisavam ser feitas).
Enzo Ferrari (Adam Driver) construiu sua escuderia em meio ao pó deixado pela segunda guerra mundial. E junto com sua mulher Laura (Penélope Cruz) tiraram leite de pedra e produziram um nome cuja história se confunde com aquele universo. Mas depois da morte do filho, algo se rompeu de forma drástica. Laura afundou no luto, enquanto Enzo construiu na surdina uma nova família. Só o que os unia a partir de então era a empresa.
Contudo, ela está mal das pernas, precisa de novos compradores, novos investimentos, precisa crescer. A falência está ali, logo na esquina, e é proposto a Enzo que ele se associe a alguém. Mas principalmente: a Ferrari precisa vencer as corridas, pois só assim terá o prestígio necessário para conseguir novos contratos e parcerias.
Mann utiliza como poucos - é um mestre da imagem e já deixou isso claro em longas como Fogo contra fogo e Inimigos públicos - o recurso do encantamento propiciado pelas corridas. Em muitos momentos, me senti tão intimamente ligado a elas que me lembrei dos tempos em que assistia Fórmula 1, com Senna, Prost, Mansell, Piquet...
Mas a sensação que tive ao longo do filme foi a de um carro que, a princípio, parece fora da estrada, perdido entre a vontade dos mecânicos e o desejo de vitória do seu criador. Com o tempo, entretanto, ele vai acelerando aos poucos, os pilotos encontram seu estilo, seus jeitos de conduzir, e logo estamos quase dentro do carro junto com eles.
Detalhe que me deixou estático: as cenas dos acidentes que levaram à morte dos pilotos estão entre os momentos mais fenomenais que eu assisti no cinema nessa última década. Inclusive fiquei mais impressionado do que com a explosão da bomba atômica em Oppenheimer. Sério! Queria poder ter visto como eles conseguiram filmar aquilo!
Ao fim das pouco mais de duas horas de adrenalina, divergências financeiras e conflitos familiares (que, em um determinado momento, chegaram a me lembrar até da família Corleone, de Francis Ford Coppola), ficou minha certeza do quanto é bom ter um diretor como Michael Mann de volta à cena audiovisual. E que ele não desapareça de novo, por favor! Seus fãs não aguentariam outro sumiço.
P.S: e antes que comentem: e o brasileiro Gabriel Leone, que interpreta o piloto espanhol Alfonso de Portago? Gostei muito. Na verdade, esperava uma reles ponta e me surpreendi tanto com o seu desenvolvimento quanto, principalmente, o seu desfecho na trama. Espero que ele tenha novas oportunidades em hollywood, como aconteceu com Rodrigo Santoro e Wagner Moura.
No mais, assistam. É daquelas experiências que realmente precisam de uma tela maior para ser apreciadas como merecem...