domingo, 29 de dezembro de 2019

Um experiência irresistivelmente brasileira


O ano vai chegando ao fim e com ele aparecem aquelas, por vezes sórdidas, por vezes agradáveis, listas de melhores do ano. Os melhores discos, filmes, livros, peças, exposições, etc etc etc (haja etc). Fim de ano é sinônimo de etc. E por vezes me pego pensando que estou no mundo da lua porque os melhores do ano nem sempre parecem de fato os melhores para mim. Tudo me parece um tanto combinado, um tanto programado previamente para aparecer naquelas listas. Será possível que todos escolham os mesmos artistas, os mesmos trabalhos, os mesmos melhores? É sério isso? Digo: é realmente sério? 

Então chego ao segundo parágrafo com um gosto amargo na boa: o de que o ano acabou e por conta disso não há porque esperar por mais nenhuma novidade, nada que me toque de uma maneira um pouquinho diferente que seja. Acabou. "Aceita que dói menos", dirão os alienados, os baba-ovos da indústria cultural, do mercado corporativo, com aquele discursinho típico de quem não pensa com a própria cabeça. 

Sinto desapontá-los, meus caros detratores, mas 2019 ainda não acabou no segmento música, pois eu ainda não tinha escutado o último álbum da cantora paulista Mariana Aydar, o excelente Veia nordestina

Resumindo de maneira bem primária: Veia nordestina é uma grande homenagem a um gênero musical pelo qual eu tenho uma enorme devoção (mais até do que o rock e o samba). Falo do forró. Figuras como Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira sempre fizeram parte da trilha sonora da casa de minha vó, uma fanática pelo ritmo musical. Se não tocasse "xote das meninas" na casa dela, ou tinha alguma coisa de errado ou ela estava doente. 

Contudo, aqui Mariana desconstrói o gênero, o mescla com elementos e ritmos eletrônicos sem perder o frescor do original, o tira de sua zona de conforto, levando-o além do óbvio corriqueiro que, a meu ver, vem sendo a tônica de certos segmentos da MPB nos últimos anos. 

O álbum abre, com a faixa-título, de forma deliciosa, delimitando o território agreste, o clima de cidade de interior, com poucos habitantes, vocês sabem: aquela velha história da cidadezinha que só tem uma praça, uma igreja, um mercadinho e olhe lá. Eu me senti viajando para dentro desse universo bucólico, mas extremamente engrandecedor por ser a cara do nosso país. 

A cantora chama o cavalheiro para a dança em "condução", mas avisa: sem preconceitos! menina dançando com menina não é aberração (uma puxada de orelha na ministra Damaris? Quem sabe!); em "se pendura" fala de encontrar um amor em tempos tão difíceis e melancólicos como o atual e vai logo deixando claro para o amado, cartas na mesa: "se não quiser, tem alguém que queira" e ""não vou prometer que é pra vida inteira"; e coloca até discos voadores na roda, dançando ao som do triângulo em "forró do ET" (muito bem acompanhada pela rainha do gênero, a eterna Elba Ramalho). 

O cover de "espumas ao vento" (clássico eterno de Accioly Neto) quase me fez ir às lágrimas. Considero essa canção uma das mais belas já feitas em nosso cancioneiro até hoje. 

Porém, Aydar não quer falar somente de alegrias. Ela sabe de antemão que esse universo musical também fala de um povo sofrido que luta para sobreviver. Em "represa" ela fala de raiva, de solidão, de conciliação, de casais que já deram o que tinha que dar; com "xilique" - uma das melhores faixas do álbum - ela se debruça sobre amores não consumados, jura tratar-se de uma história real, porém também pode ser um de muitos causos contados no nordeste, que adora lendas urbanas e ficções as mais diversas (não à toa é de lá que vem nossa melhor literatura); já com "São João do carneirinho" reflete sobre a fé, um tema muito caro à nossa cultura, e que vem rendendo muita intolerância nos últimos anos, e provoca os extremistas em determinado momento com a passagem "quantas formas tem Deus, quantos véus, quantos santos são seus". Achei de uma ousadia espetacular!

Ao lado de Maria Gadú em "triste, louca ou má" fala de rupturas, dessa mulher que não aguenta mais ser a coadjuvante, viver em segundo plano. E manda um recado para as covardes e submissas: nenhum homem, nenhuma casa, nem tua própria carne te define. Em tempos de "meu corpo é político" achei a proposta interessantíssima. É, com certeza, a música mais engajada, mais século XXI do disco. 

Mas a cereja do bolo é "na boca do povo" em que desmitifica o senso comum e o discurso dos moralistas, dos machistas, dos fascistas, dessa gente que adora pré-conceituar tudo e todos. E para isso, coloca em xeque figuras humanas e bordões que não saem da cabeça dos que se acham melhores do que o restante da sociedade: o homossexual, a piranha, a frase "bandido bom é bandido morto" (que ganhou força de novo depois das últimas eleições). E tudo cantado num tom irônico que é bem a cara desse ritmo travesso. 

E para que não me acusem de encerrar o trabalho de forma vazia, abrupta, a cantora ainda reservou a faixa final para homenagear o grande sanfoneiro Dominguinhos. Resultado: saudade pontuando toda a canção, o nome do artista virando verbo ("domingar") e um batimento cardíaco terminando o disco e deixando um tom de nostalgia no ar.  

Precisa dizer mais alguma coisa? Então toma. 

Veia Nordestina é a MPB em seu estado mais lúdico, mais agradável, voltando seu olhar para questões que o brasileiro típico parece ter esquecido dentro de alguma gaveta, por preferir se tornar rancoroso e cego às questões contemporâneas. Mais brasileiro do que esse disco nos últimos anos, impossível. E o mais importante: coloca Mariana Aydar (magnífica, coesa!), de uma vez por todas, no panteão de nossas melhores vozes femininas.  

Que álbum! Que experiência magistral! 

Por que a MPB não consegue ser isso mais vezes ao longo ano? Quem souber me responde aí nos comentários. 

P.S (eu não podia deixar ele de fora): a maneira como a dor de cotovelo aparece aqui nesse disco, de forma inteligente, irreverente, os sertanejos universitários - reis do ressentimento - nunca vão conseguir entender, que dirá replicar com o mesmo brilhantismo!

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Pequenas traições


O amor não é uma ciência exata e a sétima arte não cansa de avisar isso aos cinéfilos. E provavelmente o melhor exemplo disso que eu conheço é a cinematografia do diretor Woody Allen (que voltou a ser odiado nos últimos tempos por seus delitos do passado). Poucos em hollywood se debruçaram tanto sobre as distorções e os dilemas que envolvem os relacionamentos amorosos quanto ele. 

Com seu novo longa, Um dia de chuva em Nova York - que chegou a ter sua distribuição adiada aqui no Brasil, não somente por conta das acusações de assédio contra ele como também pelo processo que ele moveu contra a produtora do filme, a Amazon Studios -, Allen usa sua visão de mundo sobre a América contemporânea e a indústria das celebridades para nos mostrar que vivemos num mundo repleto de pequenas traições (e sequer nos damos conta disso em alguns momentos). 

O casal que dita o ritmo do filme é composto por Gatsby Welles (Timothée Chalamet, o atual queridinho de hollywood, após a fama conquistada por Me chame pelo seu nome), um dos muitos garotos privilegiados dessa América esnobe, que cursa uma das melhores universidades da Ivy League, mas está sempre reclamando de tudo, sempre passando a imagem de estar entediado de forma constante com a vida; e Ashleigh Enright (Elle Fanning), o estereótipo vivo dessa imprensa sensacionalista dos dias de hoje: uma profissional mal-formada, que cita referências apenas para acobertar a sua falta de informação sobre o tema, e que trata o próprio trabalho como uma reles paixão. 

Ambos vêm para a Big Apple para passar um fim de semana e conhecer os pais de Gasby, mas Ashleigh tem uma entrevista marcada com Roland Pollard (Liev Schreiber), um famoso cineasta por quem a jovem repórter tem verdadeira tara (ela o considera praticamente um Van Gogh do cinema). Contudo, Roland é um artista inseguro e acredita estar realizando um novo trabalho muito aquém do que esperava. E por conta disso desaparece no meio do encontro, fazendo com que a jovem corra a cidade toda, acompanhada do produtor do longa, atrás dele. Enquanto isso, Gatsby esbarra com a jovem Chan Tyrell (Selena Gomez), que é irmã mais nova de uma ex-namorada que teve no passado e esse encontro faz com que ele reveja sua atual relação.

Porém, mais do que uma sucessão de encontros e desencontros (as horas vão passando e ele vai percebendo que tudo o que o casal havia planejado fazer não se concretizará), a narrativa proposta por Allen foca numa subtrama mais interessante: o quanto estamos dispostos a ir para realizarmos nossas expectativas, mesmo que isso vá prejudicar a relação a dois. 

Como disse no título do artigo, Um dia de chuva em Nova York é um filme sobre traições. Mas não traições gigantescas, ofensivas. Pequenas traições, muitas vezes baseadas em atitudes impensadas ou simplesmente pela vontade de um ego inflamado ou de uma carreira bem sucedida que volta e meia costuma bater ponto para testar a boa fé de qualquer relação que se preze. Vi em algumas críticas postadas na internet gente reclamando desse aspecto do longa, dizendo que o filme vende uma imagem ruim da sociedade. Honestamente, não tive essa percepção.  

Prefiro acreditar, ao invés disso, na teoria proposta por Zygmunt Bauman: a de que vivemos numa modernidade líquida, onde nada parece durar o tempo que gostaríamos. Nunca foi tão difícil manter um relacionamento amoroso como nos tempos atuais. Para todos os lugares que olho vejo casais reclamando de invasão de privacidade, falta de respeito, tratamento diferenciado para homens e mulheres, uma enorme parcela da sociedade reclamando do culto ao passado, quando a mulher se "contentava" em ser submissa. E o resultado disso na prática são casamentos efêmeros, o aumento da homossexualidade (o que gera muita intolerância e homofobia) e pessoas preferindo viver sozinhas, segundo a ótica do "antes só do que mal acompanhado". 

O que o diretor faz é pegar o clima reinante na hollywood atual, baseado em movimentos como o Me too e o Oscar so white, fora as inúmeras acusações de assédio que tomaram conta da meca do cinema nos últimos anos, e desdobrá-lo num cenário mais cotidiano, apontando as falhas de caráter de uma sociedade que sempre primou por se vender como a maior nação de todas e que depois da tragédia do 11 de setembro entrou, isso sim, em colapso, lutando contra sua própria inabilidade para recomeçar do zero. 

Ao final da sessão as luzes se acendem e eu vejo uma sala bem mais vazia do que o habitual num filme de Woody Allen. "As pessoas andam amargas atualmente", penso. Tudo é motivo para ressentimento e apontar o dedo acusador para os demais. 

Entretanto, mesmo com o clima adverso a ele, Allen acerta na mosca e entrega um filme interessante e reflexivo. Precisamos urgentemente nos reencontramos como sociedade. Precisamos reaprender a viver juntos e respeitar o próximo, suas escolhas, suas identidades. Não fazer do outro um reles acompanhante que precisa estar disponível somente quando desejamos. Do contrário, acabaremos por virar robôs rancorosos, que ficam à espreita, aguardando as falhas alheias para depois poderem dizer, se sentindo vitoriosos: "eu avisei que ele não valia nada". 

E isso, meus caros leitores, não é nada produtivo. Não mesmo.  

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

A guerra nua e crua


Começo a escrever uma crítica sobre o mais recente filme de Eddie Murphy quando leio nos jornais O estado de São Paulo e Folha de São Paulo que o filme Apocalipse now, de Francis Ford Coppola, completou quatro décadas de existência. Resultado: paro tudo o que estou fazendo até então e coloco o word na tela branca de novo para falar de uma das maiores obras-primas da história de hollywood e do cinema mundial.  

Que me perdoe quem não gosta do filme, mas considero o longa-metragem de guerra dirigido pelo mestre que entregou ao cinema a trilogia O poderoso chefão o maior filme de guerra já feito até hoje. Digo mais: Apocalipse now é a guerra nua a crua, sem rodeios, um tapa na cara do espectador. E para vocês terem uma ligeira ideia do meu fanatismo pelo longa o documentário que conta a saga pela qual Coppola passou para realizar este filme - o também extraordinário Apocalipse de um cineasta, dirigido pelo trio Fax Bahr, George Hickenlooper e Eleanor Coppola - é também de uma visceralidade que eu poucas vezes vi no gênero e merece todos os meus elogios ad aeternum. 

Apocalipse now é daquelas produções que só acontecem uma a cada década (e isso com muita sorte!) e um projeto que tinha tudo, mas tudo mesmo, para dar errado. A começar pelo ator Martin Sheen que enfartou durante as gravações e as inúmeras exigências envolvendo o ator Marlon Brando, que pediu 3 milhões de dólares por três semanas de trabalho no set (independente de seu trabalho ser usado ou não na montagem ou as filmagens com ele acontecerem de fato ou não). Entretanto, quiseram os deuses do cinema que o projeto fosse finalizado e entrasse para a história, ganhando inclusive a Palma de ouro em Cannes. 

O filme narra a missão do Capitão Benjamim L. Willard (Sheen) na guerra do vietnã em 1970, que precisa encontrar - e matar - o Coronel Walter E. Kurtz (Brando), dado como louco por seus superiores e considerado um perigo para o exército norte-americano. Contudo, não se iludam com a simplicidade de meu resumo genérico. Trata-se de uma viagem alucinante que retratará todas as nuances e paranoias da guerra na forma de homens/soldados destruídos seja pelo front, seja por seus líderes hierárquicos. 

Há um pouco de tudo na selva vietnamita: oficiais fanáticos por surfe, soldados rasos cujo único sonho é conseguir ver novamente uma mulher bonita em trajes sumários, helicópteros bombardeando cidades ao som de Richard Wagner, e mais, podem ter certeza, muito mais. 

Dizem as lendas urbanas que regem o mundo das celebridades e dos tabloides sensacionalistas que foi com este filme que Coppola tomou uma decisão que pontuaria todo o restante de sua carreira: nunca mais se envolver em projetos cinematográficos gigantescos e milionários. E, honestamente, eu o entendo. Fico imaginando Frank quando viu Marlon Brando completamente fora do peso e careca no set de filmagem, logo ele que no passado foi um dos maiores ícones de beleza da história do cinema americano. Ele deve ter pensado na hora: "onde eu fui amarrar o meu burro!". Isso fora problemas com orçamento e prazos a cumprir.

Existem filmes e filmes. Os primeiros são aqueles que à priori muitos não apostam, chegam a debochar deles, jogam na cara do diretor "por que é que você quer perder o seu tempo envolvido nisto?". E quando menos se espera eles entram para a história, ganham Oscar, marcam uma geração, tornam-se cults. Já os segundos são aqueles que por mais que os detratores tentem, nada irá fazê-los deixar de existir, cumprir com o que está estabelecido para acontecer. Eles se tornarão gigantescos por mais que tentem impedí-los. Apocalipse now faz parte dessa segunda categoria. 

Em 2001 o diretor lançou uma versão estendida do filme chamada Apocalipse now redux com quase três horas de duração e o público cativo do longa foi à loucura. Foi aqui, neste momento, que começou a minha relação quase doentia de devoção ao projeto. 

Coppola fez parte de uma geração (tem gente que chama de Nova Hollywood, tem gente que chama de geração Easy Rider) que revolucionou a forma de se fazer cinema na América. Seus amigos, Steven Spielberg, Martin Scorsese, William Friedkin, Brian de Palma, Peter Bogdanovich e tantos outros, transformaram hollywood de forma definitiva com produções que entraram não só para a história como ditarão conceitos a serem seguidos nas décadas seguintes. Era o que se chamava de cinema de autor. Algo muito diferente do que vemos hoje em dia, num mercado cooptado por estúdios que visam, na maioria das vezes, unicamente o lucro.  

Por que estou comentando isto? Porque acredito piamente que uma produção como Apocalipse now só poderia existir numa época como essa, que propiciasse o mínimo de liberdade criativa para seus autores. Do contrário, seria apenas mais um filme comercial que, com muita boa vontade, talvez conseguisse realizar mais duas ou três sequências, transformando-se numa reles franquia.  Porém, conheço pessoas que também escrevem sobre cinema que preferem dizer que eu estou falando bobagem. Enfim, cada um segue a filosofia de vida que melhor lhe agrada. 

Ver uma obra-prima como essa completar 40 anos e mesmo assim persistir relevante e gerando debates para gerações e mais gerações de cinéfilos é um feito que só me faz amar ainda mais o cinema e deixar claro o quanto eu estava certo quando decidi fazer da sétima arte uma parte da minha vida. Eu não seria ninguém não fossem momentos como esse! 

Vida longa à Coppola e seu projeto extraordinário! E que venha o cinquentenário...

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Balançando em todas as direções


Quando eu era mais novo (mais especificamente: por volta dos 15, 16 anos) acreditava que toda exposição precisava de um motivo grandioso para existir, um grande tema que justificasse toda aquela infra-estrutura e investimento.. Algo na linha "o centenário da Revolução Francesa" ou " 500 anos do descobrimento do Brasil". E qualquer assunto que soasse o mais banal possível deveria permanecer longe das galerias e centros culturais voltados para as artes plásticas e visuais. 

Meu Deus. Como adolescente é burro! 

Entro no prédio do Centro Cultural Banco do Brasil - instituição que já faz parte da minha formação cultural e que eu considero um dos maiores achados culturais dessa cidade - e me deparo com redes. Isso mesmo. Redes de dormir. Por todos os lados. Um artigo banal, facilmente encontrado nas casas de nossas avós (que saudades eu sinto da minha!) e parentes mais idosos. E descubro que por trás de um objeto tão simples há um estudo precioso e uma riqueza de significado sem igual. 

A exposição Vaivém, que é fruto de uma pesquisa de doutorado de Rafael Fonseca, curador da mostra, traz à tona as mais diversas histórias envolvendo um artefato repleto de memórias afetivas as mais diversas (o que eu conheço de gente que tem boas histórias para contar envolvendo redes vocês não fazem ideia!). 

A mostra, composta de 300 obras de mais de 140 artistas (sendo 31 deles indígenas) traça um paralelo entre descanso, arte e cultura visual no Brasil. Refiro-me è descanso de forma irônica, pois é de conhecimento notório sobre o objeto que ele sempre teve de lutar contra  o estigma da associação à preguiça  - como narrado em Macunaíma, de Mário de Andrade. Muitos são os que vêem as redes de dormir com olhos preconceituosos, associando seus portadores à vagabundagem. 

E a curadoria nos apresenta um passeio delicioso por entre fotos, pinturas, xilogravuras, redes estilizadas feitas de madeira, etc (além das redes tradicionais, é claro!). Detalhe curioso: cerca de 40 obras receberam financiamento para serem desenvolvidas exclusivamente para a mostra. E há, inclusive, exemplares "impróprios" para o uso, como por exemplo uma rede feita de arame farpado. 

Eu, logicamente, com minha mente sórdida que vocês leitores já conhecem de outros textos, associei a obra em questão imediatamente com o momento pelo qual o país passa no atual governo, após toda a discussão envolvendo a recente Reforma da Previdência e os protestos de quem recriminava o governo federal, acusando-o com a frase "eles não querem que o povo descanse nunca mais, que trabalhe até a morte". Nesse sentido, a rede faz um retrato perfeito do que eles esperam do povo.  

Segundo o curador, a mostra se trata de "um vaivém de tempos e linguagens, onde o público visitante costura os significados por trás das escolhas feitas na exposição". Ele deseja que os visitantes tirem suas próprias conclusões (por isso, não setorizou a mostra em categorias). 

Mas o momento mais agradável de toda a exposição é o convite coletivo, proposto pelo grupo  Opavivará, para que os visitantes usem a rede gigante presente na mostra, deitem, descansem, conversem entre si, etc... Eu, confesso, quase cochilei diante de tanto conforto e ainda conheci uma moça angolana, divertidíssima, cheia de histórias mirabolantes sobre a África recente. Só por esse módulo já valeu conhecer a mostra. 

Volto para casa relaxado. Digo mais: repaginado. Logo eu, que pensava que nem todo assunto corriqueiro merecia um aporte desses. Queimei minha língua. E ainda por cima aprendi que não existe assunto que não mereça um estudo sofisticado. Não é o tema em si que importa, mas a maneira como ele é abordado. 

Deu até vontade de comprar uma rede na Feira de São Cristóvão. Sério. O problema é encontrar um lugar aqui em casa para pendurá-la... Sem o cachorro ficar me atazanando, pedindo um espacinho para ele também. 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Até que a dúvida os separe


O divórcio - assim como os triângulos amorosos, as brigas por herança, o adultério e o cerimonial que envolve o casamento em si - são temas recorrentes e sempre bem vindos dentro da seara cinematográfica norte-americana. Em outras palavras: tudo o que esmiuça a instituição família, seja para melhor ou para pior, seja ironizando ou exorcizando demônios, normalmente ganha eco em hollywood através do discurso de diretores brilhantes, que conseguem falar sobre o tema sem cair no piegas e no tendencioso. 

Contudo, desde o final dos anos 1970, com o extraordinário Kramer vs. Kramer, de Robert Benton (vencedor de cinco Oscars) eu não me deparava com um exemplar do gênero tão bem realizado e impactante quanto História de um casamento, do diretor Noah Baumbach (que já havia falado sobre o assunto, sob outro prisma - no caso, o olhar do filho diante da situação - no também ótimo A lula e a baleia). 

E pode parecer louco para muitos leitores de meus artigos e críticas postados aqui que um colunista solteiro, que nunca se interessou por matrimônio em toda a sua vida, tenha tamanho fascínio pelo assunto. Pois é... Quando esse assunto é bem defendido, eu tenho interesse sim e muito!

História de um casamento se debruça sobre o fim do relacionamento de Charlie (Adam Driver, uma grata surpresa nessa temporada de prêmios), um diretor de teatro um tanto ególatra que coloca sua carreira e realizações à frente de qualquer outro aspecto de sua vida e Nicole (Scarlett Johansson, no melhor papel de sua carreira em anos!), um atriz que poderia atingir o zênite de sua carreira e sua vida familiar se não se sentisse tão preterida dentro do próprio casamento. E com a traição do marido ela encontra o estopim que precisava para pôr um basta na relação, mais do que desgastada. 

Contudo, há aquele velho porém que sempre assombrará a vida dos casais que entendem que não é mais possível seguir adiante juntos: com quem ficará o filho, Henry (Azhy Robertson)? 

É nesse momento que entram em cena os advogados e a eterna guerra conjugal que leva, na maioria dos casos, à luta por muito mais do que apenas a guarda da criança. E nesse sentido, há que destacar a atuação da ambiciosa Nora Fanshaw (Laura Dern, fantástica e forte candidata ao Oscar de atriz coadjuvante), advogada de Nicole. Ela é o retrato vivo do que eu penso a respeito do meio jurídico desde que eu era um reles adolescente: uma gente sempre apta a pensar através de cifras e não necessariamente de forma racional. 

À medida em que fica claro para os espectadores o desfecho agonizante da narrativa (afinal de contas, nunca conheci uma história de divórcio que terminasse realmente em final feliz) eu chego a conclusão de que, mais do que as agruras e consequências trágicas provocadas pelo término de um relacionamento amoroso, História sobre um casamento é um filme sobre a dúvida e como lidamos com ela nessa sociedade contemporânea controversa como a que estamos vivendo atualmente. 

Desconstruindo a frase "até que a morte os separe" proferida pelo padre no altar no dia do matrimônio até suas últimas consequências, o que se vê na prática é a desilusão e a dificuldade de manter um casamento vivo em meio a tantas dúvidas, a tantos "e se". 

Bem lá no fundo, sabemos o quanto Nicole e Charlie gostariam de permanecer juntos. Há algo na psique deles, na forma como se relacionam mesmo separados, que me faz acreditar em alguns momentos: "eles gostariam de tentar de novo". Contudo, como acreditar que os erros não se repetirão, que as traições não voltarão a acontecer? E esse é o grande legado oferecido pelo filme de Baumbach. Mostrar que casamento não é uma ciência exata e não se resume a noites tórridas de amor, beijos acalorados e abraços de conforto. E mais: respeito não resume a situação, por mais que muitos casais costumem colocar a culpa pelo fim nesse conceito exclusivamente. Não, meus caros leitores! Vai muito além disso. 

O longa - outro acerto no catálogo da Netflix, empresa da qual sou cada dia mais fã - é um tapa na cara dos moralistas que adoram pontuar problemas e soluções para tudo na vida. Entretanto, viver a dois nunca é comparável ao tempo que você, meu amigo leitor, passou sozinho, curtindo a solteirice. É preciso abdicar muitas vezes. E atualmente, num mundo tão neoliberal como o atual, está cada vez mais difícil abrir mão em prol de outra pessoa. 

E tem o meu mais sincero respeito - agora sim a palavra cabe como uma luva! - qualquer artista que decida meter a mão nessa cumbuca para expurgar sentimentos e certas verdades, muitas vezes varridas para debaixo do tapete. 

P.S (este espaço a cada dia que passa vira mais e mais um grande desabafo): como é fácil fazer um filme sem CGI, sem tantos efeitos especiais ou tecnologias que só servem para encarecer o ingresso. Basta criar uma boa história. Pena que certos diretores ditos "do primeiro escalão" em hollywood não conseguem entender isso!

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

O mister


Ele chegou ao Clube de Regatas Flamengo como chegam todos os técnicos em tempos de crise: envolto num nível de cobrança assustador. A campanha de Abel Braga, seu antecessor, foi irregular e o clube percebeu que não chegaria a lugar nenhum nessa temporada. Logo, melhor mudá-lo (esta é a cultura do futebol brasileiro: o problema é sempre o técnico). 

E como todo treinador já sabe de antemão, muitas vezes transparece ser impossível ser técnico de um time como o Flamengo. Você se torna quase um gato acuado contra a parede 24 horas por dia. E pior: sem tempo longo para promover mudanças substanciais. Ou, em outras palavras, precisando realizar o milagre no prazo mais curto possível. Do contrário...

Falo, é claro, de Jorge Jesús. Ou o mister, como ficou conhecido pela torcida rubro-negra. 

Detalhe: rezou contra o treinador desde o início de seu contrato o fato de ser, para os torcedores, um ilustre desconhecido. Um homem sem a carreira gloriosa, sem o currículo profissional irretocável, de grandes nomes internacionais do mercado da bola, como Mourinho ou Pepe Guardiola. 

E não é que o português calou a boca de todo mundo e promoveu a redenção do rubro-negro, equiparando sua trajetória ao melhor momento do clube em toda a sua história?

Com módicos cinco meses de trabalho, Jesús impôs seu estilo de jogo, extremamente pessoal, fugindo de polêmicas com comentaristas de mesas redondas (que adoram dar palpites infundados e se acham, muitas vezes, donos da verdade sobre o esporte) e outros "entendidos" do assunto. Não seguiu modelos impostos pelo futebol internacional, que adora vender modelos milagrosos como solução para o esporte mais amado do mundo. E mais: pegou um grupo de atletas que misturou desacreditados (jogadores que em outros clubes nada fizeram de relevante) com outros que, à primeira vista, pareciam já ter dado o seu melhor e viviam apenas de renome. 

Contudo, comandados pelo mister - o técnico não curte muito essa ideia brasileira de ser chamado de professor -, encontraram-se como grupo coeso e provaram que nem sempre títulos são sinônimos de timaços cheios de estrelas adquiridos a peso de ouro na Europa. 

Foram 38 anos até que o Flamengo gritasse "campeão da Libertadores" novamente. E consequentemente chegar ao Mundial de Clubes novamente. E não bastasse isso, horas depois, a consagração do Brasileirão 2019. Resultado lógico: festa no centro da cidade, uma multidão de fãs, time passando em trio elétrico e o escambau. 

Porém, mais importante do que a festa em si, foi a vitória da gestão de um clube que por vários anos se notabilizou por campanhas fracassadas e a luta contra o rebaixamento. Isso começou a mudar com o penúltimo título nacional e é engrandecedor ver o clube tomar vergonha na cara e procurar um novo modelo de administração. Que deu certo ainda por cima. 

Resta saber agora o que o clube fará para segurar tal elenco e principalmente o técnico (que mostra interesse em ir para a Espanha, epicentro do futebol europeu atualmente). Acredito que a torcida só sentirá o clima mesmo - quem vai, quem fica - após o Mundial no Qatar, principalmente caso o Flamengo se consagre. 

Até lá, que os torcedores vivam esse momento com orgulho e sabedoria (sabendo que campanhas como essa não costumam se repetir com frequência, pois o futebol - já dizia certo cronista - é uma caixinha de surpresas). 

P.S: em meio a um ano tão difícil para o país em todos os aspectos, é um enorme prazer, um artigo raro, ver em nossas terras um estrangeiro que visa o correto, o trabalho, e não a polêmica e a fama, como costumamos ver diariamente nesse país de posudos e sem noção. Valeu, Jesús! 

sábado, 7 de dezembro de 2019

Sobreviventes


Não é de hoje que a sociedade contemporânea dá sinais de cafajestismo. Digo mais: acredito piamente que o mau caratismo ao redor do mundo se sofisticou com o passar dos anos e o advento das novas tecnologias. É possível, meus caros leitores, fazer disso uma escolha de vida, uma profissão. E há - acreditem! - quem ainda os idolatre, os chame de "cidadãos de bem". Contudo, em muitos casos, essa índole para o oportunismo e a vontade de vencer na vida a qualquer custo mostra-se de forma irônica, quase flertando com uma espécie de humor negro. E nesses momentos há quem fique na dúvida sobre a real intenção dessas pessoas. Pior: há quem duvide que eles (ou elas) estejam de fato perpetrando o mal. 

O filme Parasita, do diretor sul-coreano Bong Joon Ho (de longas extraordinários como O expresso do amanhã, Mother - a busca pela verdade e Okja) - e para muitos o grande favorito ao Oscar de melhor filme estrangeiro do ano que vem - se encaixa de maneira brilhante dentro desse contexto. Ao ponto de me deixar realmente perturbado (e preocupado) com o futuro da humanidade daqui para frente. 

O longa se debruça sobre a vida de uma família de baixa renda, que vive em condições extremamente precárias dentro de um porão num subúrbio inóspito. E mediante um estilo de vida tão deficitário e carente eles são capazes de fazer qualquer coisa (qualquer uma mesmo) que os leve para um padrão de vida melhor. 

E essa oportunidade aparece quando um amigo do filho Kim-woo (Woo-sik choi) que está partindo em viagem oferece para ele um emprego como professor de inglês para sua aluna. E é nesse exato momento que começa toda a indústria de artimanhas que envolve a família, capaz de tudo para sair daquela realidade financeira. 

Sua irmã é uma especialista em fraudes, poderia dar aulas sobre o assunto em universidades se quisesse. Seu pai é um homem falido capaz de endossar qualquer truque que o faça sair daquela vida miserável. E sua mãe nada tem de genitora séria e (como costumamos ver aqui na nossa cultura) um exemplo vivo de alicerce familiar. Resultado: seu emprego conquistado é apenas um passaporte para que, com o tempo, ele consiga ajudar todos os parentes a se darem bem também. 

Seus patrões são o clássico caso da elite esnobe que existe em qualquer lugar do mundo, que gasta qualquer quantia para resolver os menores (e os maiores) problemas, contanto que não tenham de pôr a mão na massa eles mesmos. Logo, as vítimas perfeitas para qualquer estrategista do crime.

À medida que a família que busca sua redenção financeira consegue tomar o controle da casa e da situação, tudo parece caminhar para um plano B ainda mais sórdido quando um segredo envolvendo um antigo funcionário da casa vem à tona para desestabilizar todo o planejamento. E a consequência dessa notícia tem repercussões desastrosas e violentas. 

Há uma sequência do filme que fez eu me lembrar de um dos segmentos do filme Short Cuts, do diretor Robert Altman, e reforçou ainda mais o contexto que defendi no primeiro parágrafo. Detalhe: prestem atenção na conversa da família quando se imaginam imbatíveis e com a parada decidida a favor deles.

Em outras palavras: Parasita é um filme sobre sobreviventes. Não. É isso mesmo que vocês leram. E talvez muitos leitores que chegaram à esse ponto da crítica me acusem de fazer vista grossa para o comportamento antiético desses personagens. Contudo, ratifico minha opinião e explico o porquê. 

Num mundo como o nosso, pautado pelo status social nocivo e extremista, capaz de fazer a humanidade perder a cabeça por qualquer motivo, fica difícil para mim rotular a família protagonista de meros cafajestes ou canalhas. Como já dizia a compadecida na peça de Ariano Suassuna: "a esperteza é a arma do pobre". Não vejo aquele seio familiar exclusivamente como vilões e sim como receptáculos de um mundo destruído pela ganância e pela eterna mania de levarmos a vantagem sobre os demais. 

Vemos nossos semelhantes - e tenho percebido isso mais claramente de uma década para cá - como objetos de nossos planos sórdidos para vencer na vida. Tudo bem, muitos dirão: "não somos todos assim". É uma grande verdade. Mas dizer que isso não representa uma grande esfera da sociedade também é uma grande mentira. Existem, infelizmente, setores da sociedade que visam a exploração do outro em nome de um projeto de vida. É triste, cruel, mas verídico.  

Ao final da sessão, que tinha poucos espectadores (uma pena!), vejo os olhares ao redor. Muita perplexidade, mas também estão extasiados com a verdade contida naquela história. Não se trata de uma narrativa sobre torcemos por nossos heróis e rezarmos para que os vilões se estrepam. Nada disso. É o mundo real com todas as dificuldades impostas à sociedade. E ainda tem quem defenda isso em nome de conceitos como globalização ou meritocracia. 

Como disse no segundo parágrafo: o filme me deixou preocupado com o futuro da humanidade, com o que sobrará de nós nesse planeta terra cada vez mais controverso. Entretanto, acho que o maior problema é que nós, sociedade, estamos tratando esse mundo e as histórias horrendas que ele nos mostra dia a dia como meras ilusões, invenções ou teorias conspiratórias. E enquanto o debate social se der neste nível a tendência é piorar. E muito. 

Por outro lado, como é bom saber que ainda há artistas lúcidos, sem vergonha de mostrar a realidade nua e crua, doa a quem doer. Que filmaço!

P.S (quer dizer: é mais um pedido ou sonho): como é que eu faço para conhecer pessoalmente o diretor  Bong Joon Ho? Eu dava tudo para conversar com ele, nem que fosse só meia-hora. O cara é foda. Um dos melhores da atual geração. 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Na pindaíba


Leio Essa gente, do compositor - e escritor nas horas vagas - Chico Buarque. É o livro da discórdia. E digo discórdia por conta da polêmica envolvendo o autor (que ganhou o Prêmio Camões desse ano) e o atual "presidente" da República, que se recusou a assinar e reconhecer o prêmio. 

Encontrar o romance nas prateleiras da Saraiva já é uma vitória por si só, pois imaginei que a obra seria boicotada a pedido do governo federal. Sim, meus caros leitores! Para aqueles que não acreditam ou vivem no mundo da lua fabricado por robôs nas redes sociais, vivemos tempos de censura no país. Novamente. E qualquer obra artística que passe ao largo do boicote é preciso ser adquirida ou apreciada o quanto antes (caso eles mudem de ideia e tragam o ontem opressor de volta). 

E o livro é sublime, retrato máximo de um país destruído por ideais que não tem nada de conservadores, mas pura hipocrisia patriótica. 

Essa gente se passa no Brasil atroz de hoje, 2019, de forma franca, sem rodeios, sem fugir do debate ou de discussões espinhosas. Tem na figura do seu protagonista, o escritor quase falido e decadente Manuel Duarte, um porto seguro para esmiuçar as mazelas da ignorância que regem o estrato privilegiado da sociedade contemporânea, afundada em vícios comportamentais e numa postura de eterna agressividade ou deboche ao próximo. 

Duarte é devasso, promíscuo, mas não esquece de sua primeira mulher (com quem teve um filho). Sua persona conturbada passa longe dos dias de glória da sua carreira, por conta do lançamento de seu romance O eunuco do Paço Real. Morador relapso do Leblon, sequer socializa com os vizinhos e se alimenta de casos amorosos fúteis (inclusive com mulheres comprometidas) e de uma vida de mentira, baseada num passado que não pretende regressar por mais que ele sonhe com isso. Ou resumindo: Duarte é a cara desse país que gosta de viver de pose e de um status que, via de regra, não tem ou já o perdeu faz tempo. 

Observação: eu poderia centralizar o protagonista como representante da elite decadente que dita as regras desse país ilógico, mas não faria total justiça a ele. E, além do mais, tem muito classe média sem noção nessa pátria perdida. 

Entretanto, há um elemento que me prendeu à narrativa logo de cara. Trata-se de um grande painel que Chico Buarque construiu para esmiuçar os dilemas recentes pelo qual o país passa. É visível nas entrelinhas e mesmo no discurso direto de certos personagens menores o clima caótico no qual estamos vivendo nos últimos anos. 

Arrogantes da fé evangélica, posando de últimos sobreviventes da ética; valentões que se escondem atrás de armas de fogo, sempre a postos para colocar fim em qualquer discussão, por menor que seja; cidadãos ditos patriotas fugindo para Portugal ao menor sinal de fumaça, pois "o país foi invadido por pilantras e comunistas"; crianças sofrendo bullying na escola por conta da ideologia política de seus país; etc etc e milhares de polêmicos etcs. 

E após tanto ressentimento, más escolhas, desfechos amorosos infelizes e uma existência baseada em niilismo e falta de interesse para reagir aos problemas, o final avassalador e quase nonsense do personagem me deixa com uma sensação de gosto amargo na boca seca, mas também de orgulho por estar diante de um artista ciente (e coerente) com o país onde vive, ao invés de replicar o discurso falacioso e evasivo de certos intelectuais da atualidade e defensores de um modelo de governo falho e ineficaz. 

Essa gente é caótico, mordaz, não poupa nenhum setor da sociedade, não faz firulas ao defender suas ideias e constrói uma soberba alegoria sobre a pindaíba patriótica na qual estamos vivendo nos últimos 5, 6 anos. E não me refiro exclusivamente a uma pindaíba monetária. Longe disso. Nossa pindaíba - ou miséria - é também de cunho sentimental, existencial, já que desaprendemos a respeitar ou entender o outro naquilo que ele tem de diferente de nós. 

Desde já confesso aqui: um dos melhores livros do ano. E para aqueles que acham que o prêmio Camões dado a Chico Buarque foi um exagero, só posso lhes dizer "vocês não sabem o que estão perdendo!". 

A literatura brasileira anda carente de mais mentes lúcidas como a deste cantor hoje rotulado de canalha e vendido por quem não conhece - nem quer conhecer - sua obra musical, teatral e literária. 

E na boa... Quem perdeu com isso foram eles mesmos!!! 

sábado, 30 de novembro de 2019

O homem que pintava casas


Martin Scorsese, não à toa, nem por acidente, é o grande gênio em atividade da atual hollywood e construiu seu celebritismo tanto através de longas que marcaram época seja por sua visceralidade, seu arrojo estético ou por sua denúncia à religião, como também através de seu trabalho por trás da fundação que criou para restaurar filmes antigos (e este é provavelmente seu maior legado para o futuro do cinema). O mestre, que nos apresentou obras-primas como Táxi driver, Bons companheiros, Touro Indomável, Caminhos perigosos, Cassino, bem como o mais recente e não menos extraordinário O lobo de Wall Street, se consagrou de forma definitiva para muitos por seus filmes de gângster. 

Pergunte a qualquer fanático scorsesiano que você conheça e ele dificilmente deixará de lhe dizer: "...e quando ele faz filme de máfia, de gangue, é outro departamento; o cara é foda! não tem pra ninguém!!!". 

Pois bem: nos últimos anos Scorsese veio deixando seu público mais fanático de lado em prol de outros projetos cinematográficos (alguns não obtiveram o mesmo prestígio de muitos de seus maiores sucessos) e isso os deixou angustiados. Eu, que acompanhei a parceria do diretor com os atores Robert de Niro e Joe Pesci, volta e meia me pegava perguntando: "será que eu ainda vou ter a honra de ver esse trio juntos novamente?". 

E eis que para a minha alegria e a de muitos - e graças também, é claro, à contribuição da Netflix nesse processo - ele realiza O irlandês, seu projeto mais ambicioso em muitos anos. 

Adaptado do romance homônimo de Charles Brandt, O irlandês nos traz a história de Frank Sheeran (Robert de Niro, confortável e em seu elemento, como há bastante tempo não o via nos cinemas), um homem de vida simples que trabalhava como entregador de carne, isso quando não realizava pequenos bicos para sobreviver e sustentar a sua família. Isso até sua vida esbarrar com a do mafioso Russell Bufalino (Joe Pesci) que o contrata para trabalhos maiores e mais perigosos. 

Porém, o que Frank não sabia é que os seus serviços bem prestados e sua discrição chamariam a atenção do todo poderoso do Sindicato dos caminhoneiros, o lendário Jimmy Hoffa (Al Pacino, impecável em todos os sentidos!). Hoffa é um homem controlador, que não gosta de ser passado para trás, muito menos feito de palhaço por quem quer seja. Logo, o contrário de Frank, que prefere permanecer na encolha e observar qualquer situação com cuidado. E dessa parceria inusitada surge uma grande amizade. 

Mais do que simplesmente isso: é através de Hoffa que ele passa a conhecer o mundo podre dos sindicatos, sua ligação com a máfia, o enfrentamento que teve com o governo Kennedy, em outras palavras, a velha indústria da "troca de favores". À medida que vai galgando postos dentro dessa hierarquia, Frank pretere sua própria família, e vai se tornando um homem cada vez mais frio, sem sentimentos. 

E é nesse momento que a genialidade de Scorsese - aliada à monumental edição de Thelma Shoonmaker - ganha corpo. O filme, cheio de digressões e metáforas as mais diversas, delineia o controverso mundo no qual Frank está inserido. E tudo isso muito bem ilustrado por planos-sequência magistrais e cenas em câmera lenta de tirar o fôlego. Dois aspectos me tornaram fã da película logo de cara: os olhares incriminadores de Peggy (Anna Paquin), filha de Frank, que representaram claramente o papel da mulher nesse universo sombrio e a maneira como o diretor desacelera a narrativa - a violência é mais calculada aqui, diferentemente de Bons companheiros e Cassino - com o intuito de revelar para o espectador que se tratam das confissões de um homem envelhecido, derrotado pelo tempo, portanto não há porquê mostrar um barbárie tão fetichizada. 

A própria metáfora que o diretor constrói com a figura do pintor de casas (ou seja: do homem apto a fazer qualquer coisa, qualquer tipo de trabalho, pelo seu próprio sustento e sobrevivência) é muito bem vinda e reflete o amadurecimento do diretor, que consegue reinventar o gênero que ele próprio celebrizou com um brilhantismo contumaz. Sheeran é um "garoto de recados" que soube entrar e sair dessa hierarquia com extrema elegância, respeitando a todos e por isso mesmo sendo respeitado também. 

Mas como nem tudo são glórias e comemorações na vida desses homens do crime o final da vida cobra o preço por seus pecados e, em alguns momentos, me fez lembrar do desfecho de vida de Michael Corleone em O poderoso chefão, de Francis Ford Coppola. O abandono, o arrependimento por escolhas mal feitas, o deslize por não ter sido um bom pai quando teve tempo para isso e finalmente a sensação de estar sendo seguido e espionado pelo resto da vida, à espera de alguém que se vingue dos seus atos. 

Terminadas as mais de três horas de projeção (que passaram de forma extraordinária, sem me deixar cansado em momento algum, tamanho meu envolvimento com a trama) chego à conclusão de estar diante do primeiro grande candidato ao Oscar de melhor filme do ano que vem. 

O irlandês é a redescoberta de Scorsese como diretor, apresentando uma nova faceta para um gênero que ele próprio praticamente criou. E para tal narra a história de um homem comum que por se afiliar a um mundo obscuro, onde todos desconfiam de todos, acabou tornando sua própria vida invisível e carente de significado. 

Dito isto, que comece agora a temporada de prêmios!

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

É sério que tem gente que não gosta de ler?


Num país como o nosso, carente de bons leitores (e não pessoas que fingem entender a bíblia ou perder tempo com bobagens na linha auto-ajuda ou esotérico) qualquer evento voltado para a leitura - e esse tipo de evento vem perdendo muito espaço no último ano! - é não somente válido como obrigatório. Precisamos urgentemente conscientizar o nosso povo da importância de ler. O problema é que, muitas vezes, o livro perde espaço na vida das pessoas mais jovens por não conseguir concorrer com as agressivas estratégias de marketing que regem o mundo dos games e da tecnologia. 

E nessas horas fica bem claro o gosto amargo da seguinte pergunta: e quem é que vai perder tempo com leitura num cenário desses? Minha resposta cínica nessas horas é: pessoas com vontade de enfrentar esse mundo opressor e babaca que adora ditar regras alienantes para a maioria da população. 

Mas chega de falar difícil porque o que eu quero mesmo com este artigo é dizer que meu último final de semana me deixou em êxtase porque compareci à Biblioteca Parque Estadual, no centro da cidade (ao lado do Campo de Santana) para prestigiar o LER - Salão carioca do livro 2019. Desabafo rápido: como é bom, nos últimos tempos, ver a biblioteca funcionando de novo depois de tanto tempo fechada (malditos gestores do município e do Estado da Guanabara e suas falsas políticas públicas!). 

Imagine um lugar onde você pode se deparar com o melhor da prosa, da poesia, do teatro, da crônica, dos quadrinhos e do que mais você puder imaginar, coexistindo juntas num mesmo território. Entre oficinas, espaços e palcos, é possível até se perder dentro do evento (algo que eu imaginei que só fosse possível dentro da Bienal do Livro, no Riocentro). Aliás, não posso deixar de elogiar a presença e o apoio de empresas como o Sebrae, o Sesc e a universidade Estácio de Sá. Qualquer instituição ou empresa que apoie o direito à leitura tem o meu apoio incondicional. 

Entre os autores homenageados nas palestras não poderia faltar Machado de Assis, nosso mais importante autor, Nelson Rodrigues, Cecília Meireles, Lima Barreto (escritor por quem eu tenho um certo fanatismo que já dura décadas!), João do Rio, Manuel Bandeira, Clarice Lispector (que comemora este ano o seu centenário), o bardo William Shakespeare, Monteiro Lobato (criador do eterno Sítio do pica-pau amarelo) e o poetinha Vinícius de Moraes (que, por sinal, rendeu um encontro delicioso entre o especialista em música Ricardo Cravo Albin e o sambista Martinho da Vila). 

Já dentre os autores convidados para palestrar, houve uma mescla entre nomes do momento (como Monja Coen, Mary del Priore, Viviane Mosé e o quadrinista Marcelo Quintanillha, vencedor do prêmio Eisner Awards), nomes consagrados (Paulo Lins, autor de Cidade de Deus; Elisa Lucinda, o historiador Eduardo Bueno - falando de Zumbi dos Palmares - e Antônio Torres, de Um táxi para Viena d'Áustria) e outros de menos renome, mas também interessantíssimos (casos de Paulo Scott e Bianca Ramoneda, que me deixou legitimamente encantado). 

Para quem curte a festa além dos livros e debates, teve um pouco de tudo: oficina de roteiro para histórias em quadrinhos, jogos virtuais, Oficina de literatura de cordel, peças infantis, contação de histórias, curtametragens sobre figuras literárias, intervenções poéticas, espaço HQ, consultorias sobre storytelling, sessões de autógrafos, teatro (com atores portadores de síndrome de down), jogo da amarelinha literária (as crianças adoraram!), jogos em libras, roda de leitura, leitura dramatizada, homenagem a Elza Soares (por sinal o autor e jornalista Zeca Camargo, que escreveu sua mais recente biografia, também deu as caras na festa). Só não curtiu quem não quis ou estava com preguiça mental. 

Meus olhos chegaram a marejar de lágrimas por testemunhar o interesse do público presente ao evento por uma área na qual sempre fomos deficitários (pelo menos, se fizermos uma ligeira comparação com leitores americanos e europeus, saímos perdendo de lavada!). E vejo nisso um sinal de evolução da nossa sociedade. 

Mas a cereja do bolo mesmo foram as temáticas presentes nas mesas e palestras: assuntos que andam na ponta da língua de muita gente e que vêm ganhando cada vez mais espaço nos debates cotidianos da cidade maravilhosa. Prova viva disso foi o número expressivo de pessoas assistindo LGBTQI: nicho de mercado ou narrativa social. Se os homofóbicos vissem, certamente ficariam irritados. 

Eu, logicamente, fui atrás de meus interesses e encontrei muita coisa boa que me deixou mais lúcido e aberto a novas possibilidades: foi assim com Como editar seu próprio livro, Interpretação e novas linguagens tecnológicas, Ubook (a moda dos livros para ouvir), Tipos: escolhendo a fonte do seu livro, Revistas literárias (um tema que me deixa fascinado porque sou frequentador de sebos e volta e meia encontro exemplares antigos em algumas lojas), A história dos start-ups, Poesia slam (gênero que cresceu muito no país nos últimos anos), Financiamento coletivo (que vêm ganhando espaço após a crise no setor audiovisual se acentuar), Podcast (pois estou pensando em criar um sobre cultura pop), Censura na literatura, Adaptação: como o livro vai às telas, Hiperliteratura, Narrativas colaborativas e até mesmo uma de nome Como ler escondido nas livrarias que me deixou arrepiado! 

Se eu pudesse ficava morando ali de vez. 

Houve também atrações diversas no próprio Campo de Santana, mas eu estava tão baratinado com tudo o que via dentro da biblioteca que não tive coragem de ir dar sequer uma espiadinha. Tinha muito a ser visto em tão pouco tempo! 

Quando enfim parto para casa, cheio de dores no corpo de tanto andar para lá e para cá, mas realizado com tudo o que aprendi e anotei em meu bloco de notas, saio desta experiência literária ainda mais convicto da importância da leitura em nossas vidas e ciente de que, enquanto não procurarmos por esse caminho, por mais difícil e tortuoso que por vezes ele pareça, não sairemos da condição social em que nos encontramos. 

E só por isso já valeu a pena - e muito! - ter saído de casa. Que venha a edição de 2020... 

domingo, 24 de novembro de 2019

Vidas secundárias


Por que essa eterna mania de considerarmos as mulheres seres inferiores, que precisam ser legisladas por homens fortes, viris, tementes a Deus, provedores do lar? Até quando teremos de suportar uma sociedade infame, cruel e hipócrita que defende a ideia do sexo feminino como sexo frágil? Serão elas criaturas tão perigosas assim, passíveis de serem observadas 24 horas por dia, como criminosas do mais alto escalão? Sim, infelizmente empobrecemos a este nível. Praticamente animalizamos a própria sociedade (vide o número crescente de feminicídios nos últimos anos). 

E mesmo com toda essa realidade atroz e adversa a elas, não haverá quem as defenda de forma digna, que lute - mesmo que através da arte - por um espaço igualitário ou pelo direito delas expressarem suas próprias opiniões, galgarem seu próprio espaço nessa selva competitiva que é o mundo? 

O cineasta Karim Ainouz (que apresentou suas mulheres fortes e decididas nos longas anteriores O céu de Suely e O abismo prateado) fez isso de novo e de forma sublime com A vida invisível, vencedor da mostra Un Certain Regard no festival de Cannes e nosso postulante à uma vaga no Oscar de melhor filme estrangeiro do ano que vem. 

O filme - que é adaptado do romance A vida invisível de Eurídice Gusmão, da escritora Martha Batalha - narra a história das irmãs Guida (Júlia Stockler) e Eurídice (Carol Duarte), filhas de uma tradicional família portuguesa, baseada em ideais conservadores e por vezes extremos. Guida é a sonhadora, acredita ter encontrado o amor na figura de um jovem grego que a leva para o seu país. Em outras palavras: a clássica love story que, muitas vezes, acaba se desdobrando em consequências desastrosas. Já Eurídice é mais sensata, mas no fundo deseja mesmo é uma carreira como pianista e se prepara para os exames visando uma vaga num conservatório na Áustria. 

Contudo, os planos de ambas se mostram frustrados quando Guida regressa da Grécia com um filho no ventre e é expulsa de casa pelo pai, que quer mantê-la afastada da irmã, agora casada e, na visão dele, feliz. Mal sabe ele que o matrimônio da filha se torna tudo o que ela não desejou para sua vida. Pior: ela vê no relacionamento um impedimento para seu maior sonho. 

Com o passar dos anos, a única forma de contato entre as irmãs são as cartas que Guida escreve e que, ela acredita, chegam as mãos da irmã. E é nesse momento que chego à melhor reflexão oferecida dentro do filme. Trata-se de uma história sobre vidas secundárias, silenciadas pela velha moral do conservadorismo hipócrita que acredita piamente serem seus despautérios e decisões arbitrárias a melhor escolha para salvar a chamada família tradicional. 

Não é dado à Guida ou a Eurídice o menor direito à fala, à expressão seja em que formato ela se apresente. Elas são, como quase todas as mulheres daqueles anos 50 (e que muitas mulheres da atual geração - pasmem! - desejam que essa cultura vigore novamente), produtos da repressão e da cultura do conformismo. A velha história do "lugar de mulher é na cozinha", "você não manda em nada aqui" ou mesmo "saiba o seu lugar, antes que eu perca a paciência".  

O casamento de Eurídice em alguns momentos me lembrou a personagem de Julia Roberts no filme Dormindo com o inimigo, sempre acuada e precisando estar disponível para atender aos prazeres do marido. No entanto, quando tinha sonhos próprios era sempre indagada de maneira a castrá-la, pô-la no seu devido lugar de coadjuvante. "Você já não toca piano?", "você nunca fica satisfeita com nada". 

Enquanto isso, Guida enfrenta a barra de trabalhar para sustentar o filho sozinha, sendo várias vezes acusada de injusta pelo sistema por reclamar das condições trabalhistas pelas quais as mulheres passam todos os dias. E encontra em outros desgarrados sociais uma segunda família, que a acolhe sem rotulá-la do que quer que seja. 

Há muito tempo não vertia lágrimas ao assistir um filme e esse mereceu todas elas. Se atingirá ou não o zênite da glória na festa hollywoodiana eu não sei, mas que é uma das produções mais bem realizadas que eu vi nos últimos anos e um forte candidato a estatueta, ah isso é! 

Karim Ainouz volta no tempo sete décadas para falar do hoje opressor e do que promete ser o amanhã se as mulheres desistirem da luta agora. Seu manifesto em prol delas é visível - ao contrário do título do longa - e devastadoramente gratificante para quem (ainda acredita) que é possível uma sociedade mais justa num futuro próximo. 

Talvez alguns leitores me achem ingênuo ao escrever o parágrafo anterior. Honestamente... Ingenuidade para mim é acreditar que este modelo patriarcal é moderno e necessário para manter a ordem. É um direito das mulheres acreditar em sua emancipação, seja a que preço for, seja qual for o custo dessa batalha. Pois, do contrário, estaremos fadados a eterna omissão. 

A sessão termina, as luzes se apagam e vejo mulheres chorando, emocionadas (não só com o desfecho do longa, mas com a verdade assustadora da interpretação de Fernanda Montenegro, nossa maior atriz, não à toa sendo justamente homenageada por seus 90 anos. Em uma palavra: magnífica!). Uma senhora bem idosa se levanta e aplaude, enquanto o fado português embala os créditos. Ela é a cereja do bolo nessa sessão de cinema gloriosa. A vitória do passado contra o conformismo.

Que filme! Que vitória da arte! E tem gente querendo acabar com isso, com essa verdade, esse direito à luta, ao debate, a pensar diferente dos demais. 

Que eles, os canalhas que idolatram o passado sem reflexão, não vençam jamais!