Entro mais uma vez no canal do you tube Meus dois centavos, do crítico de cinema Tiago Belotti, e me deparo com um vídeo sobre o clássico (que me perdoem os enjoados de plantão, mas sim... para mim é um clássico!) Clube da luta, do diretor David Fincher. E já na abertura ele me ganha de cara com uma introdução exaltando o ano de 1999 como um ano extraordinário para a história do cinema.
Como preciso de mais detalhes para formar minha própria opinião vou ao Google e fuço tudo que tenha a ver com o ano até dizer chega, críticas, links, crônicas apaixonadas e trailers, muitos trailers. E chego à conclusão de que Tiago está certo: 1999 foi um ano bom para os cinéfilos e acho que eles deveriam agradecer, de joelhos.
Desde já peço licença ao escritor beatnik John Fante, de quem satirizo o título de um dos seus romances mais famosos, 1933 foi um ano ruim. No caso aqui aconteceu justamente o contrário. E encontro num dos textos que li sobre o período uma frase com a qual concordo ainda mais: "para muitos críticos, 1999 foi o último grande ano do cinema".
Quando vejo o que empresas do ramo de entretenimento audiovisual como a Marvel, a DC, a Lucas Film, só para ficar nas maiores atualmente, estão fazendo com a indústria do cinema, engessando possibilidades, repetindo fórmulas, perdendo tempo com remakes desnecessários, é triste admitir mas... Parece, sim, ter sido o último. E lembrem-se: eu disse parece.
E a princípio é preciso priorizar uma palavra fundamental para explicar a excelência desse ano: diversidade. Em 1999 não éramos tão apegados à franquias (pelo menos, não de forma tão doentia) como atualmente. Comédias, ficções-científicas, dramas existenciais, terror e guerra conviviam pacificamente, respeitando o espaço alheio e isso era um deleite para os verdadeiros fãs da sétima arte.
Em 1999 descobrimos que Cole (Haley Joel Osment) "via gente morta o tempo todo" e nos apavoramos - e deslumbramos - com o plot twist proposto por Shyamalan; vimos os irmãos Wachowsky (naquela época, ainda Andy e Larry, antes da cirurgia que lhes mudou de gênero) ditar o que seriam as cenas de ação do cinema dali para a frente. E depois de Matrix nada mais foi como antes... E voltando a Fincher, sua crítica ao consumismo disfarçada de pura testosterona nos ensinou que o dark, o obscuro e o denunciatório viriam para ficar (quem viu Réquiem para um sonho e Donnie Darko sabe do que eu estou falando).
Almodóvar nos entregou com toda a delicadeza que, às vezes, lhe é peculiar Tudo sobre minha mãe, para muitos sua obra-prima eterna! Wim Wenders, mestre por trás de clássicos como Paris, Texas e Asas do desejo, vai à Cuba e nos presenteia com o lúdico e monumental Buena vista social club. E Martin Scorsese, meu diretor-fetiche desde moleque, voltou um pouco ao universo que o consagrou em Táxi driver e no lugar do táxi nos apresenta ao paramédico, motorista de ambulância em Vivendo no limite (obs: um filme para ser redescoberto urgentemente pelas novas gerações). Sim, os mestres do cinema também deram seu recado.
Contudo, foi também um ano de grandes surpresas e projetos inusitados. Entre os meus preferidos, Magnólia (do agora meu novo diretor-fetiche, Paul Thomas Anderson) e as angústias de uma geração que nunca soube perder; À espera de um milagre, mistura de Frank Darabont com a genialidade que só mesmo o texto de Stephen King pode nos proporcionar (e olha que ele adaptou o mestre pelo menos outras duas vezes para o cinema!); O informante, de Michael Mann, que chegou a render uma aula universitária em Harvard, tamanho o preciosismo e a competência de quem realizou o projeto e, claro, não podia faltar, Quero ser John Malkovich, que meio que inaugura um período muito louco onde realizadores, diria, esquizofrênicos, botam para fora seus demônios e paranoias pessoais em nome da boa arte.
Como nem tudo são flores, é preciso também lembrar que 1999 foi, infelizmente, o ano que os cinéfilos viram o último longa do mestre Stanley Kubrick, De olhos bem fechados. E ele já se encontrava bastante debilitado durante as filmagens. Acham que ele arregou por causa disso? Nada. Colocou o erotismo e a crise no casamento em xeque como poucos. Saudades de você, Kubrick! Demais!!!
Como eu sei de antemão que são tantos filmes que eu escreveria aqui cem parágrafos e não conseguiria chegar ao zênite da questão sobre esse extraordinário 1999, deixo abaixo mais uma listinha complementar para iniciados no período:
Garota interrompida, de James Mangold
O mundo de Andy, de Milos Forman
Três reis, de David O. Russell
Beleza americana, de Sam Mendes
Meninos não choram, de Kimberly Pierce
O gigante de ferro, de Brad Bird
Existenz, de David Cronenberg
etc etc etc...
E depois de tanta coisa boa, tanta genialidade, como é que fica para mim não comprar a briga dos streamings em meio a tantas continuações e sagas repetitivas (refiro-me ao formato) que nada mais fazem do que enriquecer quem já é milionário há tempos? Não, sério, não dá. Mesmo.
E ainda querem acabar de vez com o dvd...