Tem quem pense que a arte em geral, e principalmente as artes plásticas em específico, se destine a objetivos ambiciosos ou mesmo que ela precise de grandes motivações para existir. Ledo engano! Às vezes, basta um pequeno gesto ou aproximação para que nós, meros espectadores e amadores no quesito avaliação, nos encantemos e queiramos analisar a obra em questão mais profundamente.
Vejam o caso de O grito, de Edvard Munch, por exemplo. Um mero indivíduo com as mãos segurando o rosto enquanto grita na frente de um mirante e foi suficiente para virar referência na cultura pop. E nem por isso deixou de suscitar debates.
Com O beijo, do pintor Gustav Klimt, óleo sobre tela de 1,80m x 1,80m criado entre 1907 e 1908, acontece praticamente a mesma coisa: de onde vêm tantas opiniões referentes à um simples casal que se ama e, por isso, se beija? Parece tão simples enxergar isso quando vemos a tela, mas na prática são muitas - e distintas - análises.
A principal delas se refere a uma briga entre Apolo (Deus da beleza) e Eros (Deus do amor e do erotismo) que, inconformado, transforma sua amada, Dafne, em madeira. Segundo parte da crítica a tela representaria o último momento em que Apolo beija Dafne em vida. Contudo, nem toda a crítica converge para esta mesma opinião.
Sim, digo isso porque há intelectuais que preferem acreditar que o casal ilustrado na tela seria o próprio Klimt e Emilie Flöge, sua eterna musa e companheira de vida. E há ainda um terceiro grupo que prefere acreditar que a modelo Red Hilda, que posara para Klimt em outros trabalhos, seria a referência para a mulher vista na tela.
De concreto mesmo somente o que vemos na tela: um casal de apaixonados enrolados numa espécie de manta amarelada cheia de enfeites que lembram pedras preciosas, enquanto o homem beija a mulher na face direita. E alguns intelectuais preferem acreditar que o beijo não é recíproco, pois a mulher estaria tentando afastá-lo com as mãos (o que refuta, para alguns estudiosos, a temática da alegoria do amor). Isso sem contar os que defendem a possibilidade de que a mulher esteja morta e sua cabeça, decapitada. Sim, foi isso mesmo que vocês leram!
A pintura, que faz parte do apogeu do período dourado do artista, une pinceladas polidas e verticais com contornos, produzindo uma textura real e ímpar e é visível no trabalho a influência dos mosaicos bizantinos e da gravura japonesa, além da utilização de elementos como lâminas de ouro e estanho (algo que o pintor repetiu em outras obras). O resultado dessa mistura é uma perspectiva cromática.
Tem quem classifique Gustav Klimt como precursor do simbolismo e tem quem o veja como modernista. De preciso mesmo, apenas que fez parte do período secessionista, que contrapôs o realismo, o naturalismo e o positivismo, preferindo ser movido por ideais românticos (e cabe aqui uma dica: procure a obra do pintor e vasculhe a presença do amor em seus trabalhos. Vocês ficarão surpresos!).
O quadro foi comprado pelo Museu Belvedere, em Viena, antes mesmo de ter sido finalizado, por inacreditáveis 25 mil coroas (um recorde para o período). O que mostra o prestígio do autor, que era bastante celebrado naquela época.
No final, em meio a tantas opiniões e controvérsias, o que vemos é uma grande ode à sensualidade e ao erotismo. Ou, para os apaixonados de plantão, um último ato de amor desesperado em meio a um mundo que mais parece uma comédia dos erros distorcida, produto de uma sociedade cheia de ódio e revanchista ao extremo.
Em 2013, o artista Tamman Azzam replicou a obra em uma parede de um edifício bombardeado em Damasco, na Síria, como uma forma de protesto contra a guerra. Isso mostra que mesmo passado mais de um século, a tela continua suscitando debates e reflexões as mais diversas sem não necessariamente ter uma ligação direta com a temática amorosa (o que em nada desmerece o trabalho de Klimt, que viveu uma vida amorosa intensa e cheia de revezes).
E como vocês, leitores, deveriam terminar este humilde artigo que terminou prematuramente de propósito? Vasculhando a vida deste mestre do mosaico. Podem apostar: vocês vão se surpreender. E muito.
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