Há anos ouço falar do quadrinista Joe Sacco e da grande fusão que ele vem fazendo entre jornalismo e nona arte, mas por algum motivo que nem eu mesmo sei explicar ainda não tinha lido nenhum trabalho dele. Como pude ser tão relapso! Deparo-me com um exemplar antigo da graphic novel Uma história de Saravejo sendo vendido (melhor: doado) por módicos 15 reais e leio tudo de uma sentada só.
Resultado: uma das mais extraordinárias experiências que eu já tive lendo sobre a guerra e seus interesses escusos.
Sacco se debruça sobre os dias finais do conflito dos Balcãs, mas poderia ser qualquer outra guerra: Vietnã, Coréia, do Golfo, etc... Pois, ao fim da leitura, percebemos que essa é uma realidade comum a todos os conflitos. Em toda guerra há sanguessugas, interesseiros, pessoas escusas e infames que lucram - e muito - com a dor e a morte alheia. Pior: às vezes se intitulam sobreviventes, de forma quase heroica.
Neven, o interesseiro em questão, é a fonte do jornalista e "protagonista" dessa história, alter-ego de Joe. Quer extrair dele até o último centavo que puder e, quando possível, meter o pé do país.
Mora dentro de destroços junto com uma tia, e não vê mais futuro na Bósnia (simplesmente porque o país contrariou o caminho que ele considera o mais adequado, visão de mundo típica de extremistas e daqueles que adoram se esconder atrás do patriotismo à serviço da falta de conhecimento sobre tudo). Se precisar, inventa até conflitos e mortes que nunca ocorreram para engrandecer ainda mais o seu relato.
O que interessa para ele é ser visto pelos demais como um herói incompreendido, uma voz importante dentro de uma nação cheia de discórdias (políticas, sociais e religiosas) e a total falta de esperança por dias melhores.
Em alguns momentos me peguei pensando em qual seria o impacto se o álbum fosse a cores, mas depois voltei atrás: o cinza, mesclado ao preto-e-branco, explicam melhor essa sensação de niilismo e desesperança promovida pela guerra (por todas as guerras, é bom que se diga!).
Ao fim o que precisamos levar em consideração é que a guerra tem muitos pontos de vista, em alguns casos os mais sórdidos possíveis. E ainda tem ingênuos e idiotas que veem no conflito armado uma solução para o que quer que seja. Vou morrer sem entender essa gente que consegue enxergar um lado vencedor da guerra. Não é à toa que o mundo está do jeito que está.
Quanto à Joe Sacco, brilhante a cada página desenhada: preciso encontrar agora os outros trabalhos dele. A lenda sobre sua arte realmente procede. Quadrinhos pode até não ser literatura, mas como é bom se deparar com artistas desse gabarito de vez em quando. A nona arte e os leitores agradecem!