Num país como o nosso, carente de bons leitores (e não pessoas que fingem entender a bíblia ou perder tempo com bobagens na linha auto-ajuda ou esotérico) qualquer evento voltado para a leitura - e esse tipo de evento vem perdendo muito espaço no último ano! - é não somente válido como obrigatório. Precisamos urgentemente conscientizar o nosso povo da importância de ler. O problema é que, muitas vezes, o livro perde espaço na vida das pessoas mais jovens por não conseguir concorrer com as agressivas estratégias de marketing que regem o mundo dos games e da tecnologia.
E nessas horas fica bem claro o gosto amargo da seguinte pergunta: e quem é que vai perder tempo com leitura num cenário desses? Minha resposta cínica nessas horas é: pessoas com vontade de enfrentar esse mundo opressor e babaca que adora ditar regras alienantes para a maioria da população.
Mas chega de falar difícil porque o que eu quero mesmo com este artigo é dizer que meu último final de semana me deixou em êxtase porque compareci à Biblioteca Parque Estadual, no centro da cidade (ao lado do Campo de Santana) para prestigiar o LER - Salão carioca do livro 2019. Desabafo rápido: como é bom, nos últimos tempos, ver a biblioteca funcionando de novo depois de tanto tempo fechada (malditos gestores do município e do Estado da Guanabara e suas falsas políticas públicas!).
Imagine um lugar onde você pode se deparar com o melhor da prosa, da poesia, do teatro, da crônica, dos quadrinhos e do que mais você puder imaginar, coexistindo juntas num mesmo território. Entre oficinas, espaços e palcos, é possível até se perder dentro do evento (algo que eu imaginei que só fosse possível dentro da Bienal do Livro, no Riocentro). Aliás, não posso deixar de elogiar a presença e o apoio de empresas como o Sebrae, o Sesc e a universidade Estácio de Sá. Qualquer instituição ou empresa que apoie o direito à leitura tem o meu apoio incondicional.
Entre os autores homenageados nas palestras não poderia faltar Machado de Assis, nosso mais importante autor, Nelson Rodrigues, Cecília Meireles, Lima Barreto (escritor por quem eu tenho um certo fanatismo que já dura décadas!), João do Rio, Manuel Bandeira, Clarice Lispector (que comemora este ano o seu centenário), o bardo William Shakespeare, Monteiro Lobato (criador do eterno Sítio do pica-pau amarelo) e o poetinha Vinícius de Moraes (que, por sinal, rendeu um encontro delicioso entre o especialista em música Ricardo Cravo Albin e o sambista Martinho da Vila).
Já dentre os autores convidados para palestrar, houve uma mescla entre nomes do momento (como Monja Coen, Mary del Priore, Viviane Mosé e o quadrinista Marcelo Quintanillha, vencedor do prêmio Eisner Awards), nomes consagrados (Paulo Lins, autor de Cidade de Deus; Elisa Lucinda, o historiador Eduardo Bueno - falando de Zumbi dos Palmares - e Antônio Torres, de Um táxi para Viena d'Áustria) e outros de menos renome, mas também interessantíssimos (casos de Paulo Scott e Bianca Ramoneda, que me deixou legitimamente encantado).
Para quem curte a festa além dos livros e debates, teve um pouco de tudo: oficina de roteiro para histórias em quadrinhos, jogos virtuais, Oficina de literatura de cordel, peças infantis, contação de histórias, curtametragens sobre figuras literárias, intervenções poéticas, espaço HQ, consultorias sobre storytelling, sessões de autógrafos, teatro (com atores portadores de síndrome de down), jogo da amarelinha literária (as crianças adoraram!), jogos em libras, roda de leitura, leitura dramatizada, homenagem a Elza Soares (por sinal o autor e jornalista Zeca Camargo, que escreveu sua mais recente biografia, também deu as caras na festa). Só não curtiu quem não quis ou estava com preguiça mental.
Meus olhos chegaram a marejar de lágrimas por testemunhar o interesse do público presente ao evento por uma área na qual sempre fomos deficitários (pelo menos, se fizermos uma ligeira comparação com leitores americanos e europeus, saímos perdendo de lavada!). E vejo nisso um sinal de evolução da nossa sociedade.
Mas a cereja do bolo mesmo foram as temáticas presentes nas mesas e palestras: assuntos que andam na ponta da língua de muita gente e que vêm ganhando cada vez mais espaço nos debates cotidianos da cidade maravilhosa. Prova viva disso foi o número expressivo de pessoas assistindo LGBTQI: nicho de mercado ou narrativa social. Se os homofóbicos vissem, certamente ficariam irritados.
Eu, logicamente, fui atrás de meus interesses e encontrei muita coisa boa que me deixou mais lúcido e aberto a novas possibilidades: foi assim com Como editar seu próprio livro, Interpretação e novas linguagens tecnológicas, Ubook (a moda dos livros para ouvir), Tipos: escolhendo a fonte do seu livro, Revistas literárias (um tema que me deixa fascinado porque sou frequentador de sebos e volta e meia encontro exemplares antigos em algumas lojas), A história dos start-ups, Poesia slam (gênero que cresceu muito no país nos últimos anos), Financiamento coletivo (que vêm ganhando espaço após a crise no setor audiovisual se acentuar), Podcast (pois estou pensando em criar um sobre cultura pop), Censura na literatura, Adaptação: como o livro vai às telas, Hiperliteratura, Narrativas colaborativas e até mesmo uma de nome Como ler escondido nas livrarias que me deixou arrepiado!
Se eu pudesse ficava morando ali de vez.
Houve também atrações diversas no próprio Campo de Santana, mas eu estava tão baratinado com tudo o que via dentro da biblioteca que não tive coragem de ir dar sequer uma espiadinha. Tinha muito a ser visto em tão pouco tempo!
Quando enfim parto para casa, cheio de dores no corpo de tanto andar para lá e para cá, mas realizado com tudo o que aprendi e anotei em meu bloco de notas, saio desta experiência literária ainda mais convicto da importância da leitura em nossas vidas e ciente de que, enquanto não procurarmos por esse caminho, por mais difícil e tortuoso que por vezes ele pareça, não sairemos da condição social em que nos encontramos.
E só por isso já valeu a pena - e muito! - ter saído de casa. Que venha a edição de 2020...
Sem comentários:
Enviar um comentário