Comecei a ler muito cedo (acho que já disse isso em outros artigos de minha autoria) e por conta disso aprendi a esmiuçar aquilo que a literatura tem de melhor. E não falo exclusivamente de personagens excêntricos, vilões extraordinários - Iago, de Othelo, me ganhou logo de cara! - ou narrativas que fogem do habitual, permanecendo geniais mesmo assim. Se há um conceito no universo literário que sempre chamou a minha atenção foram as cidades imaginárias.
A capacidade de certos autores criarem seus próprios mundos (e, com isso, vidas totalmente originais) fez com que eu me debruçasse sobre o tema de forma quase doentia, principalmente na minha época de 18. 19 anos.
E essa relação começa no momento em que tenho em minhas mãos o livro Itinerário de Pasárgada, do poeta Manuel Bandeira, uma obra extremamente confessional e comovente. O lugar onde eu poderia "ser amigo do rei" moveu meus sonhos de adolescente e fez com que eu prestasse atenção com mais carinho na possibilidade de novas cidades míticas surgirem.
E os quadrinhos, nesse sentido, foram de vital importância para que eu desse segmento nessa busca. Tanto que hoje me pergunto se eu teria me tornado o leitor que me tornei se minha vida não tivesse esbarrado com Patópolis (a cidade dos patos da Disney), Metrópolis (a cidade protegida pelo Superman, embora a versão apocalíptica apresentada pelo diretor de cinema Fritz Lang, também seja muita boa) e a Gotham City de Batman e seus arquiinimigos. Provavelmente não.
Entretanto, outras cidades, mais catárticas, também aportaram em minhas leituras, pelos motivos mais diversos. Shangri-lá, do escritor James Hilton, a cidade onde ninguém envelhecia, pelas razões óbvias (quem é que deseja de fato a chegada da idade adulta, meu Deus?), Dogville - criação do cineasta mais polêmico da atualidade, Lars Von Trier, feita única e exclusivamente com riscos a giz - pelo mistério aprisionante que envolvia aqueles personagens e a Macondo, magia em forma de literatura, produzida pela pena do genial Gabriel García Marquez, por suas excentricidades muito bem definidas. E se existe um leitor que adora excentricidades, esse cara sou eu.
Na contramão desses logradouros, existem aquelas cidades que te apaixonam sem se esforçar muito. Despertam a curiosidade de maneira rápida e simples, e nos transportam no tempo. É o caso da Bedrock dos Flintstones, mistura de idade da pedra com as inovações tecnológicas do mundo atual; de arraial dos tucanos, endereço lúdico que marcou época na literatura e na tv brasileira por abrigar o sítio do pica-pau amarelo, de Monteiro Lobato; da tumultuada Springfield, cidade dos Simpsons, com seus moradores loucos e atualíssimos do ponto de vista social; da cidade das esmeraldas, de O mágico de Oz, com seus tijolos amarelos apontando o caminho certo e a nostálgica e mesmo assim moderna Hill Valley de De volta para o futuro, onde Marty Mcfly aprontou mil e umas para consertar a linha do tempo que ele próprio desordenou.
Atualmente, as cidades andam mais soturnas e melancólicas (fruto dessa nossa sociedade fria e umbiguista). E o melhor exemplo para entendermos isso, pelo menos para mim, talvez seja a Sim City dos games (que, aliás, conheci através de minha irmã, que jogava muito isso, às vezes passando horas na frente do computador para construir uma reles casa). Uma vida corrida, de compromissos efêmeros e imediatos, onde os estratos mais baixos da sociedade muitas vezes são escondidos para não chamar a atenção do que realmente interessa. Por sinal, esse ponto me fez pensar em Zion, a cidade subterrânea da trilogia Matrix, dos irmãos Wachowski, onde vivem em regra os menos favorecidos. Ou seja: uma cidade muito parecida com essa em que vivemos diariamente, onde você é aquilo que compra, consome, possui. Do contrário, não é nada.
E talvez por isso tenha parado de procurar autores novos, pois eles andam replicando em demasia o mundo real e deixando de lado a possibilidade de criar um mundo próprio, sem tantos parâmetros ou regras. Quem já leu Philip K. Dick sabe que ele narrou o futuro segundo convicções próprias, e não simplesmente emulando o mundo real. Tenho sentido falta disso no mercado literário!
No final das contas a impressão que me fica é a de que cidades imaginárias são muito mais do que apenas lugares onde pessoas moram, trabalham, curtem. São frutos de mentes inspiradas, visões pessoais de mundo, fetiches apaixonados. muitas vezes reflexões de autores que viram no tédio da vida cotidiana uma oportunidade para criar um mundo ideal, sem tantos vícios de linguagem ou comportamentais.
E para os que pensam que isso possa parecer pouco ou quase nada, ainda mais num momento em que sociedade está ruindo, motivada pela ganância e o interesse material, fica aqui o meu mais sincero elogio a esses gênios da palavra, capazes de encontrar sua própria forma de sobrevivência em meio a uma realidade fragmentada, quase em ruínas.
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