Eu não gosto de me repetir, mas desta vez é preciso.
Já disse isso em outros artigos e repito: eu morrerei e nunca compreenderei o desleixo de nosso povo com a própria língua. E não bastasse tal postura (quase geral da população) avessa ao idioma, ainda temos de aturar a classe intelectual vendendo a eterna ideia de que "temos uma das línguas mais difíceis do planeta terra", o que só contribui ainda mais para o desinteresse do público por ela.
Amo o nosso idioma, amo mesmo e nunca perco a chance de me deparar com ele redescoberto, seja na forma de roteiro de cinema, peça teatral, catálogo de exposição, bula de remédio (isso mesmo! leio de tudo) e, claro, os livros, matéria-prima máxima de observação da nossa língua.
Fico sempre à procura de autores que levem a nossa versão do idioma português para outro patamar. E eis que me deparo com mais uma. E que suscinta e genial! Falo logicamente de O livro dos ressignificados, do poeta brasiliense João Doederlein - mais conhecido na internet e nas redes sociais como @aka poeta
Em O livro dos ressignificados, João nos oferece uma especie de glossário reinventado, propondo novas abordagens e definições para conceitos que nós, reles mortais, já deveríamos conhecer de cor e salteado. Mas não conhecemos por reles desleixo ou preguiça.
Dividido em seis tomos - o jardim, o zodíaco, o coração, a mente, a cidade e a história de nós dois - e sempre tendo como abertura um poema de duas páginas, o livro é uma delícia para pessoas como eu, sempre aptas a desbravar novos caminhos para o nosso idioma (que de sisudo e repetitivo não tem nada!). E digo mais, mesmo correndo o risco de ser detonado pelos eternos moralistas de plantão: é praticamente um novo dicionário, para mentes mais lúcidas e abertas aos novos tempos.
Entre substantivos, adjetivos e verbos os mais diversos (há até espaço para palavras em inglês), nos deparamos com "pequenas gentilezas" em forma de léxico. Em outras palavras: trata-se de uma obra agradável aos ouvidos e aos olhos.
existem, é claro, palavras praticamente obrigatórias, que não podem faltar num volume como esse (falo de "Deus", "pai", "mãe", "amor", "fé", "morte", etc), mas também há espaço para outras que fogem completamente da zona de conforto habitual (como "serendipidade", "nefelibata", "oblívio", "resiliência", "eudaimonia", entre outras), tornando o exemplar ainda mais curioso.
E só para deixar um gostinho de quero mais na cabeça daqueles que não conhecem o livro, coloco abaixo alguns trechos de pura genialidade:
Janela ("é uma contadora de histórias");
Silêncio ("é a faca de dois gumes da meditação");
Gêmeas ("é o plural do próprio singular");
Lágrima ("é amostra grátis do mar");
Palavra ("é um punhado de letras se abraçando");
Enigma ("é meu coração jogando xadrez");
Abraço ("é sorrir com os braços"); etc...
Desafio qualquer leitor mediano, após ler esta resenha e depois de ler O livro dos ressignificados, a não se interessar por conhecer um pouco mais o nosso idioma natal. Caso isso aconteça mesmo assim, sinto muito! Você é de fato um caso perdido neste país onde a ignorância nos últimos anos vem sendo chamada de sabedoria.
E o melhor de tudo: eu ainda por cima ganhei o livro num concurso. Precisa dizer mais alguma coisa? Agora vai atrás desta pequena obra-prima, vai!
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