Se me perguntassem coisa de uns 15, 20 anos atrás, "você leria Bartleby, o escriturário, de Herman Melville?", mesmo sabendo se tratar do autor do clássico Moby Dick, eu diria na lata: "Provavelmente não. Meu gosto literário é completamente diferente deste". E seria a mais pura verdade.
Já disse em outros textos que escrevi neste blog, mas como nem todos leram antes repito: duas décadas atrás estava envolto em literatura policial (principalmente escritores da Black Mask, como Raymond Chandler e Dashiell Hammet), tirinhas de jornal, ficção-científica na linha Isaac Assimov, Ray Bradbury e Phillip K. Dick e muito, mas muito Allen Ginsberg e Jack Kerouac.
Na verdade não dava muita trela para personagens esquisitos, excêntricos, mesmo quando extremamente bem produzidos. Isso só foi mudar de maneira mais radical quando assisti ao filme Muito além do Jardim, do diretor Hal Ashby. Pois bem: dito isto, que grata surpresa foi rever meus valores passados e ler, enfim, a obra de Melville, que vejo como uma grande ode à excentricidade.
Obs: citei acima o longa-metragem de Ashby e, porque não mencionar, que o ator Peter Selles, que interpreta o protagonista Chauncey Gardiner, certamente faria um grande Bartleby se tivesse a chance.
Bartleby é praticamente um anti-funcionário de repartição. Nunca obedece às mais simples ordens da chefia e faz de sua resposta "prefiro não fazê-lo" um mantra contra o mercado de trabalho. Seus colegas de trabalho não conseguem entendê-lo, muito menos seu chefe de setor, que vive um sentimento misto de revolta e pena por ele.
Entretanto, se Bartleby fosse um pecado capital ele não seria a preguiça. Longe disso! Há método em sua forma peculiar de pensar e agir. E mesmo quando seu superior se cansa e muda o endereço da firma para outra localidade, ele não foge de seus princípios nada ortodoxos.
Jamais imaginei que pudesse dizer isso de um livro que esnobei por tantos anos, mas Bartleby, o escriturário, está entre as narrativas mais sensacionais que eu li até hoje. Enxuta, concisa, sem argumentos em excesso e com uma premissa pra lá de inusitada em suas intenções, compõe uma novela digna de um intelecto ímpar como o de Melville.
Para quem tem curiosidade e nunca quis se arriscar, pois achou o livro curto demais, recomendo de graça. E para quem nunca soube nada a respeito da obra, vocês não tem ideia do quanto irão se surpreender se derem uma oportunidade a ela.
É daqueles exemplares literários que me fazem pensar, de tempos em tempos, no quanto o mercado editorial já foi brilhante e agora vive de perder tempo com obras fúteis e best-sellers vazios. Herman Melville certamente é um autor eterno em todos os aspectos!
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