quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Guerra e paz (a outra, não a do Tolstói)


Há tempos não falava de artes plásticas e história da arte por aqui (e me ressinto disso, vou logo dizendo, pois adoro o tema).

Engraçado como sempre falamos de nossos pintores de forma secundária em relação aos artistas internacionais. No alto escalão há cadeiras cativas para nomes como Pablo Picasso, Vincent Van Gogh, Henri Matisse, Juan Miró, Paul Cézanne, Gustav Klimt, etc etc etc... Já quando mencionamos Tarsila do Amaral, Carlos Vergara, Caribé, Anita Malfatti, entre outras feras, e os misturamos com as lendas do exterior, sinto um certo despeito de certa parte da nossa sociedade. 

"É o complexo de vira-latas dando as caras", ouço meu pai dizendo nessas horas. De novo! 

Dentre nossas estrelas do mundo das artes, tenho um preferido de longa data: Candido Portinari. Sim, o menino de Brodowski, interior de São Paulo, é um tesouro nacional que eu não canso de elogiar. E entre seus trabalhos mais conhecidos e de renome, há um em específico que me toca profundamente. Falo do painel Guerra e paz, produzido para a sede da ONU em Nova York.

Foram mais de cinco anos de trabalho, 200 desenhos, gerando 70 representações de personagens, contando cada uma com 14 x 10 metros. 

A primeira lâmina, mais escura, com tons de azul predominando, foca na guerra e a eterna brutalidade que acomete os homens. Já a segunda, mais clara, evidenciado o amarelo e um sentimento de plenitude, ilustra momentos de paz pós-conflito. O mais triste? Portinari nunca pôde ver seu trabalho instalado na sede por conta do macarthismo que reinava nos anos 1950, e também por ter seu visto de entrada no país negado (motivo: sua ligação com o partido comunista na época). 

Mesmo com tantos revezes e restrições, foi conferido à Candido pelo trabalho o prêmio da Solomon Guggenheim Foundation. E a grande mensagem passada pelos painéis é, sem sombra de dúvidas, a questão da violência e da injustiça social, um mal que aflige o mundo há muito mais tempo do que somos capazes de precisar. 

Aliás, uma rápida curiosidade (antes que eu acabe me esquecendo de mencioná-la aqui): Guerra e paz foram os últimos painéis criados pelo pintor, que chegou a ser desaconselhado pelos médicos a realizar a obra. Chegaram a pedir para que ele parasse de pintar por causa do processo de envenenamento pelas tintas.

Em 2010, por iniciativa do Projeto Portinari, os painéis foram retirados durante uma longa reforma do prédio da ONU para serem restaurados e itinerarem pelo Brasil e outros países (como França e Japão). Detalhe: a restauração feita aqui no Brasil pôde ser apreciada por estudantes e crianças. Terminado o trabalho, a obra foi devolvida à sede da ONU por conta do aniversário de 70 anos da organização. 

E isso tudo, meus caros leitores, realizado por um artista nacional. Pensem nisso! Paremos com essa mentalidade de enxergar os gênios apenas em outras nações. Às vezes a relíquia está bem aqui e não percebemos (ou pior: não queremos perceber). 

P.S: não é só o Liev Tolstói que foi capaz de criar um clássico, não!   

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